quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Osmose 95


Creio que alguns de nós, uma vez por outra, temos a tentação de ser árbitros de gosto.  E acontece surpreendermo-nos com algumas escolhas dos outros, ao supervalorizarem obras que nos parecem medíocres. Pessoalmente, abomino o uso do verbo adorar, para exprimir uma predilecção. É um verbo de uso litúrgico, de que a imprensa rósea abusou, pecaminosamente, e, de tão usado, hoje pouco vale ou nada significa, na minha modesta opinião.
Emitirmos uma opinião ou uma crítica, seja ela favorável ou não, sobre alguma coisa, parece colocar-nos, ainda que teoricamente, numa posição superior ao objecto, ou - o que é pior - num patamar de avaliação de aparente superioridade em relação ao autor-criador dessa obra.
Quando o faço, muitas vezes sinto, momentaneamente, um certo mal-estar, ou incomodidade interior que demora algum tempo a passar. Tudo isto se passa na esfera do racional, às vezes até com argumentos suficientemente lógicos que justificam essa avaliação que fizemos.
Um poema, um romance, uma pintura, um filme que suscitem uma clarificação do nosso gosto ou desapreço, podem assim também desencadear, por reflexo, um problema ético de justiça, nosso, subjectivo. E penso que dizer apenas gosto ou não gosto, torna tudo muito mais simples. E anódino.
Perdoa-se, quase sempre, tudo melhor ao sentimento...

6 comentários:

  1. Algumas vezes a nossa opinião não é firme a definir o gosto
    ou não gosto. Podemos não saber bem, e nesse caso que fazer?
    Nada dizer, talvez.

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    1. A poesia, pelo menos, deixa-me menos dúvidas ou perplexidades. Demorei algum tempo a perceber e a aceitar a grande qualidade da poesia de Herberto Helder, até por que não era (nem é) a meu gosto. O lado barroco, de alguns poetas, quase sempre me desagradou.
      Quanto à prosa-ficção, as minhas aptidões críticas são mais rudimentares...

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  2. Como não tenho religião, nem Deuses, tenho os meus deuses e fico em adoração perante certas pinturas, por exemplo, de Dürer, Cranach ou Caravaggio. Como senti e fiquei quando vi o Nureyev dançar. O homem não parecia deste mundo.
    Ainda há uns dias falava com duas amigas minhas por causa da conotação religiosa que foi dada à palavra 'alma', que para os gregos era a vida.
    Quanto ao gosto, ele evolui e constrói-se.
    Bom dia!

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    1. O meu problema é, seguramente, a minha falta de capacidade de admiração - sem ironia. Mesmo autores, que ponho ao alto (Eugénio de Andrade ou Steiner, por exemplo), surpreendem-me apenas pela capacidade original da descoberta e agradeço-lhes o contágio de me fazerem pensar.
      Serei pobre na gratidão, mas não sou avarento, melhor dizendo, sou emotivo, mas não sentimental.
      Que me hei-de fazer?!...

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  3. Já sabia deste seu "prurido" em relação ao "adoro"...eu utilizo o "adoro", muitas vezes, mas só quando gosto realmente das coisas, claro!
    Não me importo nada de ser assim, de gostar muito de muitas coisas e até de , talvez, não ser muito exigente em relação a determinadas coisas, porque acho que isso me deixa ser um pouco mais feliz; ou seja, eu fico contente com coisas que para outros são absolutamente insignificantes. É claro que não temos que ser todos iguais, mas acho que quanto mais exigentes e insatisfeitas as pessoas são, menos hipóteses têm de ser felizes. Estou a generalizar, claro!

    Utilizo o "adorar" como um gostar muito e não no sentido de "venerar".

    Desejo-lhe uma boa noite:)))

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    1. Vou falar claro, Isabel.
      Tive uma educação religiosa mas, à volta dos meus 20 anos, abandonei a sua prática. Na liturgia religiosa, o uso do verbo "adorar" (Deus) ainda fazia algum sentido. No resto, sempre me pareceu um mau uso mundano, para não dizer um abuso. E, para mim, não tem qualquer peso específico de intensidade, antes pelo contrário, de tanto ser usado, o verbo é uma mera banalidade expressiva.
      É a minha opinião pessoal, mas cada um tem a sua liberdade. E, como é evidente, não há palavras proibidas num sociedade democrática.
      Uma boa noite, cordialmente..:-))

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