Tenho um particular apreço por retratos, em prosa (e em verso), de vultos históricos, sobretudo quando a iconografia, sobre eles, é escassa ou até inexistente. As palavras podem suprir, em parte, essa falta. Como é o caso do retrato, por palavras, de Sá de Miranda, que vem no início do volume das suas "Poesias", na edição de 1614. De Garrett, há já uma razoável iconografia, mas não deixa de ser útil o retrato que dele traçou Guedes de Amorim, para melhor o imaginarmos. Também nas antigas crónicas há alguns retratos interessantes, por exemplo, de D. João II e D. Manuel I, cujas iconografias não são abundantes. Mas estes retratos, por palavras, são relativamente sucintos e pouco desenvolvidos pelos cronistas portugueses.
Há dias, no entanto, deparei-me com um interessante e minucioso retrato, em prosa, feito por Fernán Pérez de Guzmán (1376-1460), cronista castelhano do rei Juan II, de Castela. O retratado é Fernando I de Aragão (1380-1416), que foi regente durante a menoridade do sobrinho Juan II, no período entre 1406 e 1416. Vou reproduzi-lo, em parte, traduzindo, livremente, as palavras de Guzmán, como seguem:
"Foi este rei D. Fernando formoso de semblante, homem de corpo elegante, mais alto que mediano. Tinha os olhos verdes e os cabelos da cor da avelã bem madura. Era branco e levemente rosado, tinha pernas e pés de gentil proporção, as mãos largas e esguias. Era gracioso, tinha fala pausada e recebia a todos os que vinham saudá-lo ou negociar qualquer coisa. Era muito devoto e casto, rezando continuamente as horas de Nossa Senhora, por quem tinha grande devoção, e dava sempre espirituosas e boas respostas. Era homem de muita verdade, lia com vontade as crónicas dos feitos passados, dava-se muito a todos os trabalhos, levantava-se normalmente muito cedo, dormia pouco, e comia e bebia moderadamente. E foi muito franco, manso e justiceiro, honrado como todos os bons. Muito piedoso, muito esmoler, homem de grande coração, esforçado e ditoso nas coisas da guerra."
Também gosto deste tipo de retratos. Gostei imenso de ler os «Doze Césares» de Suetónio. Dando um grande salto no tempo, acho fantásticos os retratos feitos por Ramalho Ortigão (por exemplo no «Album das Glórias» e nas «Farpas») e por Raul Brandão (nas «Memórias»). Este retrato que refere é bem mais sóbrio do que esses, mas é também interessante.
ResponderEliminarEstou de acordo, Margarida, com as obras que cita, quanto a gosto. Diz-se que, em Portugal, há poucos livros de Memórias- o que é um facto. Talvez as mais volumosas, mas interessantes, sejam as do Marquês de Fronteira e Alorna, que a IN-CM reeditou em 1986. Também o "Sob Ciprestes", de Bulhão Pato, nos diz alguma coisa sobre a intimidade de Garrett, Herculano e Castilho. E o Eugénio de Andrade tem também umas "pinceladas impressionistas" sobre Pascoaes e Pavia n'"Os Afluentes do Silêncio", bem interessantes na sua melhor prosa, límpida.
ResponderEliminarTenho ler.
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