O pequeno excerto que vou transcrever, de uma entrevista com George Steiner, não é muito antigo: data de 1989. Mas as reflexões do filósofo, hoje, parecem quase anacrónicas. Se as perspectivas sobre o objectivo da Arte eram, nos anos 50, 60 e 70 do século passado, um dos temas importantes em relação aos intelectuais e artistas desse tempo, hoje, com o esbatimento das ideologias e o comodismo das elites, apagou-se de todo, ou quase, a importância dessa questão maior. Nem azul, nem vermelho: o que predomina é o cinzentismo da não-intervenção, a terceira via que o silêncio proporciona, e pode permitir de benesses, no futuro. O amorfismo compensa e rende, quase sempre. Mas aqui vão as palavras de Steiner, retiradas de "Quatro entrevistas com George Steiner" (Fenda, 2000, com tradução de Miguel Serras Pereira):
"...A arte pela arte releva da estética, da sedução, de um estilo. A arte desinteressada não entra nas categorias da moral. A arte pela arte é uma ética toda-poderosa que combate o material, o político, a «polis». O dândi está extremamente consciente da sua estratégia política. Mas o meu temperamento, a herança do judaísmo, a educação que o meu pai me deu, a influência de grandes mestres como Gershom Scholem impelem-me para obras que comportem um debate ético, uma análise política. Instintivamente, oriento-me no sentido do dadaísmo e da escrita automática - há nesses movimentos um protesto contra a Primeira Grande Guerra e um cometimento político muito vincado. Tenho tendência desviar-me do «Happening», das estruturas auto destrutivas de Tinguely, das paredes cobertas de polistreno dos Pink Floyd, e viro-me de preferência para Brancusi e Giacometti que ilustram a nossa época com as suas visões morais e trágicas. ..."
Muito interessante.
ResponderEliminarSteiner é, quase sempre, muito estimulante.
ResponderEliminarEstou a ler o "Errata" e creio que mesmo os excertos mais "datados" têm interesse, porque nos dão o contexto para entender o presente.
ResponderEliminarE não sei se este excerto será assim tão anacrónico, APS. Ainda que nos dias de hoje, eventualmente, predomine o cinzento, a alternância das cores tem sido (e creio que continuará a ser) uma constante no tempo...
Está a ler então, c. a., um dos livros que eu mais gosto, de Steiner. Onde a sensibilidade se entrelaça, harmoniosamente, com o pensamento.
ResponderEliminarA questão que G. S. coloca, no excerto que eu citei, não é, para mim, um anacronismo, mas sê-lo-á para muita gente, hoje em dia. Continuo a pensar que essa é uma questão maior. Muito embora não se devam "fazer poemas sobre acontecimentos", como aconselha Drummond de Andrade, a intervenção cívica do intelectual e do artista é, quanto a mim, uma obrigação e um dever.