A saudade também tem vocação natalícia, mesmo que a não queiramos convocar ou ter por perto.
Iniciei-me na Mosca, em finais de 1968, ali para as bandas de Santa Apolónia. No bar da instituição militar quotidiana, era a única aguardente velha que havia e, democraticamente, era apreciada pelos cabos, sargentos, milicianos mesmo que requintados, e até mesmo pelo major Gaspar, que comandava o departamento, com o seu fino bigode à Errol Flynn e algum, morigerado, liberalismo marcial.
Depois dos cafés, os cálices eram bem pequenos, para não prejudicar a actividade produzida pelos serviços de informação e segurança, que se albergavam nas quatro paredes da instituição. E os milicianos, já muito pouco afectos à fé e muito menos ao regime, e, alguns deles, até confessos marxistas, que trabalhavam as FTI's e outros documentos, muitos deles provindos das (ex-)Colónias, e que precisavam de lucidez bastante para elaborarem os semanais PERINTRANSREP,s (há dois Pedros, um pintor e outro ex-ministro que, se lerem este poste, sabem destas siglas aberrantes...). Naquela amálgama de gente, era flagrante e notório que o regime estava já minado por dentro.
No meio deste albergue espanhol, eu era um dos mais inocentes. Foi por essa altura que comecei a ler
Le Nouvel Observateur, que o Martins, marxista confesso, assinava, consubstanciando, assim, teórica e ideologicamente, a minha ainda frágil cor política. Mas apanhei-lhe, também, o gosto, à
Mosca. Ainda a fui comprando, depois de integrar a vida civil e enquanto a José Maria da Fonseca a foi produzindo, estagiada que era passando pelos cascos envelhecidos e sabendo ao Moscatel de Azeitão, no travo macio posterior, prolongado.
Depois, acabou-se, deixei de a ver nas gôndolas das grandes superfícies, por meados dos anos 80, embora ela já viesse do longínquo ano de 1937. Provavelmente a aguardente moscatel teria deixado de ser moda, no consumo, e a empresa a tivesse deixado cair no esquecimento e sair do seu rol de produtos.
Anteontem, porém, voltei a vê-la, ressuscitada, e não resisti. Embora mais cara (cerca de 17 euros), era tão boa como outrora, que já a provei, nos seus 37º harmoniosos, e posso dar testemunho do aroma e do seu fino sabor a Moscatel...