terça-feira, 20 de setembro de 2011

Pelos finais de Setembro e do Verão


Estavamos a beberricar um Bucelas na esplanada, eu e o meu amigo Luís. O mar parecia manso, depois das marés vivas, as areias já quase livres e lisas de pegadas. E o azul anémico do céu mostrava alguns flocos de nuvens borbulhantes e mexidas. Era quase Outono, propenso à memória de outros dias mais luminosos. O Luís começou, então a contar-me (são palavras dele ligeiramente rectificadas, salvo num ou noutro pormenor):
"...anteontem, fui ao mesmo restaurante onde já não ia desde Agosto. Tu sabes, o olhar fica errante e curioso quando almoçamos ou jantamos sozinhos, fora. O mesmo acontece se somos o único estrangeiro, à mesa, num grupo de nacionais, porque falamos menos. Sobretudo se só soubermos dizer: sim, não e obrigado.
Depois reparei que, à minha frente, estava o mesmo grupo de pessoas que estavam da última vez que lá tinha ido. Só faltava um casalinho simpático que abancara com os outros, em Agosto. Mas o filho pequeno permanecera com os mais velhos, que deviam ser os avós. A jovem mulher do casal ausente devia ser nórdica, porque só a tinha ouvido dizer: sim e obrigado, com sotaque. Tinha o olhar claro, errante e curioso e trazia um vestido cor de fogo (lembras-te do José Régio?), de alças, que contrastava, quase escandalosamente, com o marfim da pele. Vi-a sorver com volúpia as ostras que vieram de entrada. E lamber, de olhos semi-cerrados, com prazer, o suco que escorria das gambas al ajillo. Dava gosto vê-la, sabes, assim jovem, assim abandonada no seu vestido escarlate quente. Mas anteontem já não estava lá. Para minha pena.
Por respeito à memória de Agosto passado, não pedi ostras, nem gambas. Optei por umas Tripas à moda do Porto, e acompanhei-as com Quinta de Cabriz, tinto. Porque estava frio, na sala. Tu sabes, às vezes, sou um romântico, sobretudo quando o Outono está por perto..."

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