Era por este mês, embora com Setembro mais avançado, que se dispunham, em boa ordem na Garagem, os apetrechos competentes: as facas bem afiadas, as grandes colheres de pau, o açúcar suficiente, as tijelas de barro popular, os enormes tachos, dourados por dentro, de cobre, usados anualmente. E os marmelos.
E começava a função, ia a manhã já alta. Das compotas caseiras, lá em casa, a marmelada encerrava a tradição, com chave de ouro. Descascar, descascar, pondo de lado o interior dos caroços e pevides, que iriam dar, ainda, alguns rosados frascos de geleia, mais tarde.
As tijelinhas de barro rústico iam, depois de cheias, a secar no lambril da janela que dava para a Penha, a Oriente. Para gáudio de abelhas e vespas que, vindas sabia eu lá de onde, voltejavam inquietas sobre esta doçura, ao Sol de Setembro. Ao fim da tarde, era tempo de se pincelar a marmelada, à superfície, com aguardente minhota e colar-lhe pequenas circunferências de papel vegetal, recortado previamente, para melhor conservar a marmelada e guardá-la, depois, nos armários da sala de jantar. A mim, competia-me rapar os tachos, e provar aquela doçura...
Não era tradição recente. Até já no século XVI, Vasco da Gama levava para a Índia, além do duro biscoito e do peixe seco, para a longa viagem marítima, algumas tijelas de marmelada, mimo das mulheres portuguesas, que a sabiam fazer. Doçura que decerto compensava algumas agruras da jornada.