Nunca fui muito à bola com gatos. O meu gato primordial, aliás gata, chamava-se "Violeta" e deixou-me alguns arranhões na memória. Por isso, quando vi o livro no alfarrabista, como era de Doris Lessing (1919), prémio Nobel de 2007, folheei-o, mas voltei a pousá-lo na estante. Mais tarde, decidi arriscar e comprei-o. Tem por título "Gatos e mais gatos" (Particularly Cats and More Cats), foi traduzido, para a Cotovia, por Maria Isabel Barreno e publicado em 1995. Fiz bem tê-lo comprado, porque se lê lindamente. Fala de gatos persas, africanos e londrinos, com a minúcia inteligente e o pormenor atento de quem os conheceu e conviveu com eles. A leitura deste magnífico livro quase me fez começar a gostar de gatos -julgo que não posso fazer melhor elogio à obra de Doris Lessing. Aqui vai, por isso, um bocadinho para quem goste de gatos (ou não), e para aguçar o apetite:
"...A minha gata era uma jovem de origem indistinta, branca e preta, garantida como limpa e dócil. Era um bicho bastante simpático, mas eu não a amava; não sucumbi. Estava, em resumo, a proteger-me a mim própria. Achava a gata neurótica, ansiosa, agitada; o que era injusto, porque a vida num gato da cidade é tão pouco natural que ele nunca aprende a ser independente como um gato de quinta. Aborrecia-me porque ela esperava que voltássemos para casa - como um cão; precisava de ajuda humana para ter gatinhos. E quanto aos hábitos alimentares, ganhou a batalha na primeira semana. Nunca comeu, nem uma vez, outra coisa que não fosse fígados de vitela mal passados e pescada mal cozida. Onde arranjara esses gostos? Perguntei ao seu ex-dono, que também não sabia. Deixei-lhe comida de lata, e restos da mesa; mas só mostrou interesse quando nos viu comer fígado. E só comia fígado cozinhado em manteiga, nada mais. Uma vez decidi levá-la à submissão pela fome. «É ridículo que um gato tenha que ser alimentado, etc., etc., quando noutros lugares do mundo há pessoas a morrer à fome, etc.» Durante cinco dias dei-lhe comida de gato, restos da nossa comida. Durante cinco dias ela olhava reprovedoramente para o prato, e ia-se embora.Todas as noites eu deitava fora a comida cediça, abria nova lata, voltava a encher a tijela do leite. Ela vagueava por ali, inspeccionava o que eu lhe dera, abalava. Ficou mais magra. Devia ter muita fome. Mas, por fim, fui eu quem cedeu. ..."(pgs. 24/25).
Já o comprei para oferecer, mas nunca o li.
ResponderEliminarInfelizmente, MR, já só me faltam 2 capítulos para ler, porque o livro é muito bom.
ResponderEliminar