sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Neruda e o Outono


Pablo Neruda faleceu a 23 de Setembro de 1973, poucos dias depois do golpe militar de Pinochet. Em tradução de Fernando Assis Pacheco, integrada na "Antologia Breve" (1969), editada pelas Edições D. Quixote, passo atranscrever o poema Volta o Outono:

Um enlutado dia cai dos sinos
como teia tremente duma vaga viúva,
é uma cor, um sonho
de cerejas afundadas na terra,
é uma cauda de fumo que chega sem descanso
para mudar a cor da água e dos beijos.

Não sei se me entendem: quando lá do alto
se avizinha a noite, quando o solitário poeta
à janela ouve correr o corcel do outono
e as folhas do medo calcado estalam nas suas artérias,
há qualquer coisa sobre o céu, como língua de boi
espesso, qualquer coisa na dúvida do céu e da atmosfera.


Voltam as coisas ao lugar,
o advogado indispensável, as mãos, o óleo,espesso,
as garrafas,
todos os indícios da vida: sobretudo as camas
estão cheias de um líquido sangrento,
as pessoas depositam a confiança em sórdidos ouvidos,
os assassinos descem as escadas,
e afinal não é isto, mas o velho galope,
o cavalo do velho outono que treme e dura.

O cavalo do velho outono tem a barbada vermelha
e a espuma do medo cobre-lhe as ventas
e o ar que o segue tem forma de oceano
e perfume de vaga podridão enterrada.

Todos os dias desce do céu uma cor de cinza
que as pombas devem repartir pela terra:
a corda que o esquecimento e as lágrimas entretecem,
o tempo adormecido longos anos dentro dos sinos,
tudo,
as velhas roupas traçadas, as mulheres que vêem chegar a neve,
as papoilas negras que ninguém pode contemplar sem morrer,
tudo vem cair às mãos que levanto
no meio da chuva.

2 comentários:

  1. E esta manhã, em Lisboa, esteve um dia de Setembro à antiga. :)

    ResponderEliminar
  2. Absolutamente! E amanhã parece que vai chegar aos 29º!...

    ResponderEliminar