sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Glosa 9, ou a obesidade e a rasura


Olhando, despreocupadamente, para as estantes da minha biblioteca observo que, no linear da ficção portuguesa, o maior volume de lombada pertence a Os Maias, de Eça de Queiroz. Na ficção estrangeira, a maior largura cabe a Guerra e Paz, de Tolstoi, indiscutivelmente, bem mais extenso do que o romance de Eça.
O jornal Le Monde (15/9/2017) dedica ao tema dos livros-tijolos, um artigo de Éric  Loret, a propósito da reentrada de Outubro, em que as editoras anunciam, para a nova temporada, romances de 700, 900, e mesmo um recordista, Alan Moore, com as 1.264 páginas, com o seu romance Jérusalem
O suplemento literário do jornal francês admite que, na prática, os romances e obras de ficção têm vindo a crescer, na Europa. E que essa extensão se poderá dever à escrita em computador, que permite rasurar, com facilidade, e emendar sem trabalho os originais dos autores, sem o penoso sacrifício antigo da reescrita.
Por outro lado, ao ver nos transportes públicos estes calhamaços imensos a serem lidos por tantos leitores, pergunto-me se estas leituras não serão feitas com leviana sub-atenção. À tona. Mecanicamente, como quem reza e, simultaneamente, vai pensando noutras coisas... Numa ligeireza a que muitas dessas obras se prestam.

13 comentários:

  1. Tive alguém mas novo que me disse em tempos que queria ler livros gordos como os que eu lia! Sei até de quem se recusa a ler os tais livros "gordos". Há uns quantos calhamaços cá em casa (gosto mais de calhamaço do que de livro gordo), lidos uns por mim, outros pelo rapaz cá de casa, alguns desses por ambos. O maior livro que já li talvez seja A Rapariga do Tambor do Le Carré (edição canadiana - 680 pags), se não contarmos com as histórias em volumes (por ex. O Quarteto de Alexandria).
    Bom fim de semana, com bons livros, sejam eles gordos ou magros

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    1. Eu não resisti ao volume do "Doutor Jivago", por exemplo, até porque o filme sempre era mais leve e a música bonita..:-) Em princípio, prefiro livros mais maneirinhos e concisos. Não se perde o fio à meada, com facilidade.
      Obrigado.
      E outro tanto!

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  2. E O CARDEAL, de Henry Morton Robinson, com mais de 730 páginas ?...
    Como me lembrar do princípio ???

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    1. Lembro-me bem desse calhamaço do HMR, mas não o li.
      Eu creio que os escritores norte-americanos começaram cedo, desde o Melville ("Moby Dick") até ao "Império" do Gore Vidal..:-)
      Bom fim-de-semana!

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  3. Acho que Éric Loret é capaz de ter razão ao atribuir a dimensão do livros ao computador. Alguns dos calhamaços que tenho lido teriam ganho se os autores lhes tivessem ceifado alguma palha. Algumas obras eram dantes publicados em váios volumes, mas os editores hoje não querem editar uma obra em vários volumes.
    E também sabemos que é mais difícil escrever pouco que muito. Um dia alguém pediu um texto a António Sérgio, dizendo que era curto, ao que ele respondeu. «Não tenho tempo para escrever pouco.» :)
    Eu li o Doutor Jivago, mas tive de fazer uma lista com a correspondência dos nomes, coisa que não me tinha acontecido com Guerra e paz.
    Bom fim de semana!

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    1. Há novelas quase perfeitas e romances maçadores porque, como refere, é mais difícil ser-se sucinto do que prolixo. E, canonicamente, para se chegar a um romance, há que alcançar as cerca de 250/300 páginas, com alguma palha pelo meio, para lá dos pontos altos (highlights)...
      Depois, também se regista mais com um tijolo do que com um livro fininho, como costumam ser, por exemplo, os de poesia - e as editoras sabem-no.
      Retribuo os votos!

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  4. Os calhamaços não se perdem nas estantes caseiras !
    Alguma vantagem tinham que ter, não é ?
    A propósito do Doutor Jivago : O filme era mais leve, mesmo com a lindíssima música.
    É que qualquer melodia é leve que nem uma pena...

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    1. Com a arrumação que uso (cronológica), raramente perco o tino aos livros. Quando muito aos folhetos, e momentaneamente.
      David Lean foi um grande realizador!
      E a música não se esquece...

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  5. O problema do calhamaço é o peso e por vezes o tamanho, porque não são fáceis de transportar nas viagens do dia a dia e por isso mesmo estou a ler dois livros ao mesmo tempo: os "Buddenbrook" do Thomas Mann, edição RTP, em casa e os escritos sobre teatro do Barthes em livro de bolso nos transportes.
    Um calhamaço que adorei ler, prenda surpresa, da senhora aqui de casa, foi a biografia do Lawrence Durrell pelo Ian MacNiven, fundamental para conhecer melhor um dos meus escritores de cabeceira. Já os calhamaços oriundos de Dan Brown e amigos, fujo deles a sete pés:)
    Muito boa Tarde!

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  6. PS: o calhamaço sobre o Lawrence Durrell tem apenas 800 páginas:)
    Boa tarde!

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    1. Encaro com legítima relutância pessoal os romances com muitas centenas de páginas. O "À la Recherche..." de Proust ou "José e os seus Irmãos", de Mann, ainda andam por aí, sem os ter conseguido ler.
      A elegância clássica e sucinta de Camus ou Yourcenar fazem, ainda hoje, o meu ideal de ficção. Mas admito que o futuro, pela facilidade de emendar em computador, venha a ser a regra. Infelizmente.
      Um resto bom de tarde!

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