É Claudio Magris (1939) que, no seu Alfabetos, fala de Praga como uma "cidade literária", no seu conceito mais restrito. Mas, no sentido amplo, por ordem de importância, e sobretudo no século XX, a sagrada trilogia de Veneza, Trieste e Praga foi um must de distinção de alguns escritores e poetas que se prezavam de o ser. Este fascínio, porventura estranho, contagiou muitos leitores e viajantes. Actual e infelizmente, no entanto, Veneza está condenada, principalmente, ao turismo democrático e popularucho, tendo perdido grande parte da sua população residente.
Também para pintores e para os amadores de pintura, no século XX, foram lugares míticos: Florença, a Provença, Paris e, depois, sucessivamente, Londres, Berlim, S. Francisco...
A tudo isto - creio - anda também associado algum snobismo intelectualóide, simultaneamente parolo, de alguns que se julgam ungidos do favor, graça e pertença a uma casta de eleitos e que, com alguma frequência, citam ou referem essas "cidades literárias" ou artísticas, pour épater le bourgeois. Visconti, como realizador e com dois dos seus filmes ("Senso", de 1954, e "Morte em Veneza", de 1971), também ajudou imenso à criação desses mitos, no caso particular, sobre esta cidade italiana do Adriático.
Se Joyce está ligado a Trieste, o seu nome leva-me sempre a Dublin. A Praga, chamava Kafka a sua "Mãezinha". E até acredito que Thomas Mann e Eugénio de Andrade tivessem falado de Veneza sinceramente, com verdadeiro afecto e profunda impressão, mas duvido que esse facto actue, hoje, nos seus leitores como se de um deslumbramento maravilhoso se tratasse, desencadeando, neles, um transe de hipnótico encantamento e atracção.