quarta-feira, 18 de julho de 2018

Versão em língua portuguesa de um poema de Blas de Otero (1916-1979)


Palabra viva y de repente


Gosto muito das palavras do meu povo.
Parece que se tocam e se afagam.
Os livros, não; as páginas quase se movem
como fantasmas.

E as minhas gentes dizem coisas formidáveis
que fazem estremecer a gramática.
Quantas delas de cortar a frase,
mas quanta voz rendilhada!

Dá por vezes vergonha incendiar a luz,
quero eu dizer um verso pela branca página,
diante destes homens de sílabas amplas
que se nutrem de nacos de palavras.

Lembro-me que uma tarde,
na estação de Almadén, uma velha
sentenciou, devagar: "Sim, sim, mas o céu e o inferno
está aqui." E fincou a frase

sem o ditongo que faltava.



Blas de Otero, in Revista de Occidente, Março de 1964 (pg. 299).

4 comentários:

  1. Gostei muito do poema. Gosto de palavras. Bom dia!

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    1. Um poema simples, mas de limpa emoção sadia.
      Também eu gosto.
      Bom dia.

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  2. Também gostei das palavras do poema.
    Renasceram, quando aqui as escreveu, vindas
    de um longínquo 1964.

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    1. De algum modo, tentei dar voz portuguesa a estas belíssimas palavras de um poeta Basco, um pouco esquecido...

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