Com o patrocínio edipiano de Freud, em literatura, há muitos jovens aspirantes a escritores que, para tentarem ganhar notoriedade, atacam os consagrados. Lembro-me, por cá, de Lobo Antunes escrever uns dislates sobre Vergílio Ferreira, que era uma espécie de monstro sagrado, com uma reputação literária à prova de bala, na altura. Creio que o escritor de Aparição não se incomodou muito com os dichotes juvenis...
Mas também acontece que alguns escritores, no outono da vida e com a sua vida literária já feita, não tendo já nada a perder, resolvem dizer umas verdades cruas sobre a obra de seus confrades, que foram calando anteriormente, talvez por amabilidade e diplomacia, ou por não se sentirem com audição credível suficiente para serem ouvidos. Os exemplos são inúmeros, nas repúblicas das letras...
Na Grã-Bretanha, talvez o mais importante galardão literário de ficção seja o Booker Prize Award que, presentemente, representa um prémio de 50.000 libras, e que é atribuido anualmente a uma obra de ficção escrita e editada em língua inglesa, desde 1969. E que pode contemplar escritores da Commonwealth, como foram os casos de Nadine Gordimer, Salman Rushdie ou Coetzee, este, por duas vezes.
O TLS (nº 6014), pela passagem do cinquentenário do Booker Prize Award, pediu depoimentos a anteriores galardoados, sobre o valor de escritores e confrades, quer tivessem sido premiados ou não. V. S. Naipaul (1932), que recebeu o prémio em 1971, começa o seu texto (a tradução é minha) assim:
Jane Austen é pura coscuvilhice. Ela atingiu proeminência, porque escreveu numa altura em que o Império Britânico tinha atingido os píncaros do seu poder. Se ela tivesse sido uma escritora croata, ninguém teria dado por ela. A sua obra é sentimental, provinciana e confinada ao reduzido espectro duma sociedade inglesa rural.
Oh, São Jorge!... Se Jane Austen fosse croata era outra escritora, teria escrito sobre outras realidades. Naipaul também escreve umas coscuvilhices sobre as Caraíbas onde nasceu. :)
ResponderEliminarBom dia!
Por acaso até gostei das coscuvilhices que li de Naipaul. :)
ResponderEliminarConheço insuficientemente a obra de um e outra, para tomar partido fundadamente.
EliminarMas, pela galeria de premiados, quer-me parecer que o Booker Prize tem sido mais consistente em acertar do que o Nobel, destes últimos 50 anos. Que tem revelado um grande desnorte e um critério errático.
Um bom dia, também.
Da Jane Austen li tudo o qe está traduzido e sou fã incondicional da sua literatura «sentimental [e] provinciana»; de Naipaul, li dois livros e gostei.
EliminarResto de boa semana.
De Austen, na juventude, li um original e uma tradução. De Naipul, creio que li uns contos, mas nenhum romance.
EliminarRetribuo.
É normal que, se isto, se aquilo, Jane Austen não seria a mesma coisa! Tem que se colocar no seu tempo. Muitos escritores conceituados se calhar também não seriam o que são se fossem croatas e se isto se aquilo.
ResponderEliminarEnfim, são opiniões. Não há como sermos nós a ler e avaliar o que gostamos.
Boa tarde e uma boa semana:)
Os condicionantes "ses", na realidade, não deviam permitir comparações.
EliminarHá dias, no entanto, fiquei estupefacto ao constatar que Garrett tinha nascido no mesmo ano de Balzac: 1799. Porque Garrett me parecia muito mais antigo, apesar da sua criatividade pessoalíssima, para Portugal.
Talvez que não seja sacrilégio pôr Jane Austen a par do nosso Júlio Dinis. Mas, depois, há a tal diferença de educação e culturas. Isso acaba por fazer toda a diferença.
Retribuo, com estima, os seus votos.
Não acho nenhum sacrilégio comparar, na literatura, Jane Austen a Júlio Dinis. Há estudos sobre isso. Aprecio imenso os dois. Júlio Dinis é imprescindível para conhecermos o nosso século XIX.
EliminarBom dia!
Temas e sensibilidades parecem-me, realmente, próximos, mas talvez Austen vá mais fundo no devassar da alma humana - ficou-me essa impressão, pelo menos.
EliminarPor acaso, no início desta conversa e logo ao ler o post, lembrei-me de Júlio Dinis e pensei que tal como Jane Austen são escritores menos considerados, porque de Júlio Dinis pouco se fala. Apesar de saber pouco, pensei o mesmo que o APS e que a MR. São talvez escritores menos "intelectuais",mais fáceis de ler, mas importantes para se conhecer o seu tempo. Li apenas poucos livros de cada um, mas do que li gostei.
ResponderEliminarBoa tarde :)))
São observações justas as que faz, Isabel. E eu juntava-lhes João Deus, como poeta, que também tem uma escrita limpa, directa, de muito boa qualidade literária. Mas, quem é que o lê hoje?..:-(
EliminarUma boa tarde albicastrense.