terça-feira, 10 de julho de 2018

A propósito do cinquentenário do Booker Prize Award


Com o patrocínio edipiano de Freud, em literatura, há muitos jovens aspirantes a escritores que, para  tentarem ganhar notoriedade, atacam os consagrados. Lembro-me, por cá, de Lobo Antunes escrever uns dislates sobre Vergílio Ferreira, que era uma espécie de monstro sagrado, com uma reputação literária à prova de bala, na altura. Creio que o escritor de Aparição não se incomodou muito com os dichotes juvenis...
Mas também acontece que alguns escritores, no outono da vida e com a sua vida literária já feita, não tendo já nada a perder, resolvem dizer umas verdades cruas sobre a obra de seus confrades, que foram calando anteriormente, talvez por amabilidade e diplomacia, ou por não se sentirem com audição credível suficiente para serem ouvidos. Os exemplos são inúmeros, nas repúblicas das letras...
Na Grã-Bretanha, talvez o mais importante galardão literário de ficção seja o Booker Prize Award que, presentemente, representa um prémio de 50.000 libras, e que é atribuido anualmente a uma obra de ficção escrita e editada em língua inglesa, desde 1969. E que pode contemplar escritores da Commonwealth, como foram os casos de Nadine Gordimer, Salman Rushdie ou Coetzee, este, por duas vezes.
O TLS (nº 6014), pela passagem do cinquentenário do Booker Prize Award, pediu depoimentos a anteriores galardoados, sobre o valor de escritores e confrades, quer tivessem sido premiados ou não. V. S. Naipaul (1932), que recebeu o prémio em 1971, começa o seu texto (a tradução é minha) assim:
Jane Austen é pura coscuvilhice. Ela atingiu proeminência, porque escreveu numa altura em que o Império Britânico tinha atingido os píncaros do seu poder. Se ela tivesse sido uma escritora croata, ninguém teria dado por ela. A sua obra é sentimental, provinciana e confinada ao reduzido espectro duma sociedade inglesa rural.

11 comentários:

  1. Oh, São Jorge!... Se Jane Austen fosse croata era outra escritora, teria escrito sobre outras realidades. Naipaul também escreve umas coscuvilhices sobre as Caraíbas onde nasceu. :)
    Bom dia!

    ResponderEliminar
  2. Por acaso até gostei das coscuvilhices que li de Naipaul. :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Conheço insuficientemente a obra de um e outra, para tomar partido fundadamente.
      Mas, pela galeria de premiados, quer-me parecer que o Booker Prize tem sido mais consistente em acertar do que o Nobel, destes últimos 50 anos. Que tem revelado um grande desnorte e um critério errático.
      Um bom dia, também.

      Eliminar
    2. Da Jane Austen li tudo o qe está traduzido e sou fã incondicional da sua literatura «sentimental [e] provinciana»; de Naipaul, li dois livros e gostei.
      Resto de boa semana.

      Eliminar
    3. De Austen, na juventude, li um original e uma tradução. De Naipul, creio que li uns contos, mas nenhum romance.
      Retribuo.

      Eliminar
  3. É normal que, se isto, se aquilo, Jane Austen não seria a mesma coisa! Tem que se colocar no seu tempo. Muitos escritores conceituados se calhar também não seriam o que são se fossem croatas e se isto se aquilo.

    Enfim, são opiniões. Não há como sermos nós a ler e avaliar o que gostamos.

    Boa tarde e uma boa semana:)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Os condicionantes "ses", na realidade, não deviam permitir comparações.
      Há dias, no entanto, fiquei estupefacto ao constatar que Garrett tinha nascido no mesmo ano de Balzac: 1799. Porque Garrett me parecia muito mais antigo, apesar da sua criatividade pessoalíssima, para Portugal.
      Talvez que não seja sacrilégio pôr Jane Austen a par do nosso Júlio Dinis. Mas, depois, há a tal diferença de educação e culturas. Isso acaba por fazer toda a diferença.
      Retribuo, com estima, os seus votos.

      Eliminar
    2. Não acho nenhum sacrilégio comparar, na literatura, Jane Austen a Júlio Dinis. Há estudos sobre isso. Aprecio imenso os dois. Júlio Dinis é imprescindível para conhecermos o nosso século XIX.
      Bom dia!

      Eliminar
    3. Temas e sensibilidades parecem-me, realmente, próximos, mas talvez Austen vá mais fundo no devassar da alma humana - ficou-me essa impressão, pelo menos.

      Eliminar
  4. Por acaso, no início desta conversa e logo ao ler o post, lembrei-me de Júlio Dinis e pensei que tal como Jane Austen são escritores menos considerados, porque de Júlio Dinis pouco se fala. Apesar de saber pouco, pensei o mesmo que o APS e que a MR. São talvez escritores menos "intelectuais",mais fáceis de ler, mas importantes para se conhecer o seu tempo. Li apenas poucos livros de cada um, mas do que li gostei.

    Boa tarde :)))

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. São observações justas as que faz, Isabel. E eu juntava-lhes João Deus, como poeta, que também tem uma escrita limpa, directa, de muito boa qualidade literária. Mas, quem é que o lê hoje?..:-(
      Uma boa tarde albicastrense.

      Eliminar