domingo, 6 de fevereiro de 2011

Decantação


Eu teria que dizê-lo um dia.
Houve em Portugal, sobretudo nos anos 80 e em meios universitários, principalmente, uma excessiva benevolência crítica para com as obras escritas que nos chegavam, ou tinham chegado, nos anos 70 do século passado, das ex-colónias portuguesas. Penso haver 3 razões capitais para este "deslumbramento" acrítico:
1. um certo gosto parolo pelo exotismo, que foi uma moda da modernidade em sequência de alguns bons romances sul-americanos;
2. remorsos reflexos de alma dos ex-colonizadores;
3. num universo rarefeito de autores de língua portuguesa, alguns professores universitários sem matéria em que se debruçassem, descobriram a árvore das patacas e novas pastagens, e cadeira: "Literaturas Africanas de Língua Portuguesa". Este maná também chegou ao Brasil.
Assim, autores de terceira ou quarta ordem, e de muitíssimo duvidosa qualidade literária, passaram a merecer monografias detalhadas, estudos bacocos e medíocres, atenção idolatrada. E, deste modo, alguns mestres universitários engordaram com estas novas pastagens.
Quem se lembrará hoje de Basílio da Gama, ou lerá Cláudio Manuel da Costa, senão no Brasil?
Mas no meio do joio de que falava acima, para ser justo, há também autores de primeira água, como, por exemplo, José Craveirinha que morreu há precisamente 8 anos (6/2/2003). Mulato moçambicano, filho de pai branco português e mãe negra, nasceu a 28 de Maio de 1922. Foi Prémio Camões, em 1991. E é um bom poeta de língua portuguesa. Lembrêmo-lo:

Gumes de Névoa

Lágrimas?

Ou apenas dois intoleráveis
ardentes gumes de névoa
acutilando-me cara abaixo?

7 comentários:

  1. Adoro o Craveirinha.
    Quanto ao mais, APS, não entendo como alguns «autores africanos de expressão portuguesa» vendem tanto. Será que quem os compra percebe o que lê?

    E deixo um «PRESSENTIMENTO» de Craveirinha, que se concretizou há precisamente oito anos:

    Desta vez Maria
    espera aí mesmo por mim.

    Mobilado de meus versos
    vou ter contigo.

    Sem falta!

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  2. Eu acho que anda por aí muita vontade de estar "à la page", incultura e oportunismo.
    O poema de Craveirinha, que eu não conhecia, é lindíssimo (e pelos vistos, é de vate [adivinho]). Muito obrigado.

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  3. Da "parceria", um dos sócios agradece. Ainda bem que gostou, c.a..

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  4. esqueci-me de referir que o que coloquei foi retirado do livro Maria.

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  5. Livro que Craveirinha escreveu depois da morte da mulher.

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  6. Foi uma Musa recorrente, na obra de Craveirinha.

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