quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

O gosto e a idade


Já gostei muito de Lorca, numa idade em que seria natural tê-lo como referência, em poesia. Depois, o destino trágico e injusto iluminou a sua curta vida do tom próximo de epopeia que fascina a aventura sonhada dos dias da juventude de cada um. Se, e quando, esses sonhos existem.
Mas, lentamente, fui-me, com a idade, afastando dos seus versos. O lugar de eleição foi sendo ocupado primeiro por Jiménez, de quem o Eugénio me falou, e, depois, num outro registo, chegou-me Quevedo, na forma avassaladora do soneto Desde la Torre:

Retirado en la paz de estos desiertos,
con pocos pero doctos libros juntos,
vivo en conversación con los difuntos
y escucho con mis ojos a los muertos.
...

A minha idade madura ia procurando o realismo objectivo da vida, a exigência simples, o mínimo essencial que prescinde de mimos e fantasias do acessório, cultivando, no fundo, uma sobranceria irónica pela tona dos dias e pela ligeireza das ambições excessivas, que são sempre poluentes.
Eu acho que Paco Ibáñez percebeu isso, ao musicar (no vídeo do poste anterior), em tons muito diferentes, as palavras sensuais de Lorca e os versos terrestres de Quevedo. A secura essencial dos trinados aplicados a Quevedo contrasta com os requebros utilizados para os versos de Lorca.
Sabiamente.


2 comentários:

  1. Ao longo dos anos os nossos gostos sofrem muitas vezes alterações.
    Eu na música sempre fui muito constante. O mesmo não digo das leituras.
    Mas como sempre, gostei do que escreveu. Boa noite.

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    1. Não renego os meus gostos passados mas, de um modo geral, com o tempo, foram-se-me criando novas hierarquias de grau. Nuns casos por maior exigência, noutros, por reavaliação mais justa.
      Obrigado.
      Uma boa noite, também.

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