É sabido e normal que, a nivel de sondagens e popularidade, o ministro dos Negócios Estrangeiros, por regra, mantém uma invejável constância de resguardo que o defende da erosão do poder, em qualquer equipa ministerial. Também os chefes de protocolo, habitualmente, passam incólumes por alternâncias de regime, mantendo o seu lugar, mesmo quando as ditaduras são apeadas para dar lugar à democracia. Assim aconteceu, entre nós, depois do 25 de Abril, em que o chefe de protocolo da Presidência da República manteve o seu cargo. Talvez para ensinar as regras aos vindouros que, inexperientes, provavelmente desconheciam os rituais de Estado e precisavam de um guia-professor encartado.
Mas há nisto, também, algo de camaleonismo que permite a estas figuras de topo, da administração pública, adaptarem-se às circunstâncias, sejam elas quais forem. Bem assim como os diplomatas, que tentam aparentar uma neutralidade e isenção à prova de bala... E que lhes permite sobreviver às contingências da História, para seu conforto. A diplomacia quase sempre foi, avant la lettre, o Centrão impoluto de qualquer regime.
Um dos casos mais exemplares é o da trajectória de Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord (1754-1838), em França. Este inteligente e célebre diplomata sobraçou a pasta dos Negócios Estrangeiros gauleses e outras altas posições políticas durante o Directório, Império e Restauração, numa longevidade de funções absolutamente extraordinária. E a sua carreira, ao longo do tempo, não sofreu a menor beliscadura profissional - foi-se adaptando, sucessivamente...
São dele duas tiradas conhecidas e surpreendentes, que passo a citar:
- A traição não existe, é tudo uma questão de datas.
- O objectivo da diplomacia não é ter razão, mas evitar humilhar o adversário.
Com estes princípios não há dúvida que a estabilidade da posição será mais simples de manter, mas outro tanto não se poderá dizer da coerência de atitude. E talvez a honorabilidade peque por defeito, vista de um ponto de vista um pouco mais rigoroso...