sexta-feira, 14 de julho de 2017

Descartáveis


Pela manhã - e ainda por pouco, fresca -, imprevistamente, junto aos contentores de lixo devassados pelo casal dos sem-abrigo, que cedo os costumam triar, estava um pequeno ursinho vermelho, de peluche (não, não é o da imagem, mas era semelhante), desamparado, ao abandono. E porque me lembrou o meu Tinzinho dos pés rombos, acastanhado, tive ainda a tentação de lhe pegar e levantar do chão, para o colocar em posição mais digna, mas desisti da ideia e lá segui  o meu caminho, para ir comprar o jornal.
Na esplanada do café, na mesa do canto, lá estava a ex-professora de cabelo crespo, desgrenhada, que, como sempre perorava para outras duas, mais jovens e no activo, que tomavam o seu café matinal antes de pegarem ao serviço, na Escola próxima. A veterana e aposentada professora sempre me pareceu passada... E, ao contactar as mais novas, julgo que procura a ilusão de dar conselhos, de forma atabalhoada, para se sentir ainda activa e útil. Penso que os anos, que passou em Timor, lhe fizeram mal e foram fatais...
Serão duas formas de solidão matinal. O ursinho imprestável, orfão e descartado pela criança que cresceu de forma ingrata; e a professora que procura integrar um diálogo profissional desajustado, com as mais novas, que quase sempre sorriem para ela, de forma compassiva.
Quando regressei a casa, o ursinho vermelho de peluche ainda lá estava, abandonado. E quase tive pena dele, no seu desemprego de afectos... 

10 comentários:

  1. Adoro estas pequenas crónicas. Apontamentos
    com gente verdadeira. E já sorri com a sua
    resposta ao meu comentário do "faits-divers".
    Desejo-lhe um bom dia.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Agradeço as suas palavras amigas e o estímulo que elas me trazem.
      Votos antecipados de um agradável fim-de-semana, cordialmente.

      Eliminar
  2. Nunca tinha visto um ursinho vermelho. E agora fiquei com pena do urso abandonado. Boa tarde!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Houve um desenvolvimento feliz: à tarde, ele ainda estava no mesmo sítio e HMJ recuperou-o e já lhe deu banho. Agora, o ursinho está secar..:-)
      Talvez a "saga" venha a ter desenvolvimento no Blogue...
      Boa tarde!

      Eliminar
    2. Foi salvo! :-) Aguardo o resto da história. Bom dia!

      Eliminar
    3. É verdade! E liberto das vicissitudes por que passou. A história já foi acrescentada...
      Bom dia!

      Eliminar
  3. Bem me pareceu que o ursinho tinha sido salvo e que havia um novo habitante em casa. :)
    Tenho visto pelo que aparece junto aos contentores que as pessoas andam nas limpezas de Verão.
    Bom sábado!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não há nada como uma mão carinhosa e maternal... HMJ trouxe-o para casa e tratou dele, com cuidado.
      Bom fim-de-semana!

      Eliminar
  4. Custa-me imenso deitar coisas fora, por isso a minha casa está tão cheia...isso também pode ser um grande defeito! Mesmo o que deito fora, tento aproveitar até ao máximo - duma camisa velha, por exemplo aproveito os botões e alguma renda que tenha...e por aí adiante, até por defeito de profissão - tudo é jeitoso para os trabalhos manuais!

    Mas voltando ao ursinho: ainda bem que foi salvo! E ficou bem lindo!

    Essa professora aposentada, de que fala, é tudo aquilo que eu não quero ser e espero não ser!
    Vamos ver se os meus planos não me falham!!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Também eu tenho dificuldade em me separar das coisas, e guardo muitos dos meus brinquedos, que nos fazem recuperar, por momentos, sentimentos e a ternura da infância. O espaço é que, com alguma frequência, pressiona pragmaticamente o abandono e inclina para o lixo...
      Eu creio que vai ter uma sábia aposentação..:-)
      Saudações amigas!

      Eliminar