quinta-feira, 6 de julho de 2017

Glosa 7


Pergunto-me, muitas vezes, quando é que se irá dar o redescobrimento de Somerset Maugham (1874-1965). A exemplo de Stefan Zweig (1881-1942), seu coevo parcial, austríaco, que já foi repescado do limbo por que passou, e voltou a ser lido, foram ambos escritores muito populares, em meados do século passado. Muito apreciados e publicados, tinham, ambos, uma escrita de qualidade, realista e gulosa. Mas, também é verdade, não seriam muito prezados pelas academias dessa época. Coisas e caprichos, que costumam ocorrer, com alguma frequência...
Numa altura em que eu devorava tudo o que me aparecesse do escritor britânico, lembro-me que apreciei muito The Summing Up (publicado em 1938), uma espécie de memórias anti-memórias, muito vivas e cheias de pormenores pitorescos e ligeiramente reflexivas, que li na versão inglesa, original, em meados dos anos 60. Ontem, cruzei-me, na biblioteca de um amigo, com a versão portuguesa do livro ( Exame de Consciência), da Livros do Brasil, revista por Freitas Leça (Óscar Lopes?) da tradução brasileira de Mário Quintana. E recomecei a lê-la, com gosto.
A actualidade do seu pensamento, no meu entender, mantém-se. Ora, ouçámo-lo:

"... Os ingleses são um povo político, e muitas vezes fui convidado para reuniões em que a política era o interesse dominante. Não consegui descobrir, entre os eminentes estadistas que lá encontrei, nenhuma capacidade notável. Concluí, talvez apressadamente, que não era necessário um elevado grau de inteligência para governar uma nação. Desde então, tenho conhecido em vários países muitos políticos que atingiram elevados postos. E continuei a sentir-me intrigado com o que se me afigurava a mediocridade do seu espírito. Achei-os mal informados sobre as coisas ordinárias da vida, e quase nunca descobri neles subtileza de espírito ou vivacidade de imaginação. Durante algum tempo senti-me inclinado a pensar que deviam a sua ilustre posição ùnicamente aos dotes oratórios, pois numa comunidade democrática deve ser quase impossível subir ao poder sem captar os ouvidos do público; e o dom da palavra, como sabemos, nem sempre vem acompanhado do poder do pensamento. Mas, logo que vi estadistas que não me pareciam muito inteligentes conduzirem os negócios públicos com razoável êxito, tive de reconhecer que estava enganado: devia ser que, para governar uma nação, é preciso um dom específico, e que esse pode muito bem existir sem aptidões gerais. Da mesma forma, conheci homens de negócios que fizeram grandes fortunas e conduziram vastas empresas à prosperidade, mas que se mostravam desprovidos até de bom-senso em tudo quanto não se referisse ao seu ramo. ..." (pgs. 6/7, da obra citada).

Ora, e aqui, para além da subjacente ironia de Maugham, é que bate o ponto. Neste desencanto e surpresa pela qualidade dos políticos. Pela sua menoridade quase geral, e que, praticamente, todos nós sentimos. Sobretudo, quanto mais avançamos nos anos das nossas vidas. E chego a pensar que tudo isto se repete, de geração em geração, talvez pela exigência maior do nosso sentido crítico, quando envelhecemos. Dos "Vencidos da Vida", da geração de 70, aos Vencidos do Catolicismo (progressista) dos anos 60 do século passado. De degrau em degrau, parece que tudo piora e nos encaminha, sempre, para um pessimismo ontológico, que só a juventude e a superficialidade pueril de muitos não vê ou sente. Desencanto e desistência fatal que Zweig levou à prática, no Brasil, e Maugham foi arrastando pela Rivieira, penosamente e sem grandes ilusões...

9 comentários:

  1. Embora só tenha lido três livros de Somerset Maugham dos quais gostei imenso, dois deles porque vi os filmes primeiro, "Paixão em Florença" e "As Paixões de Julia" (a editora optou pelo título do filme, no original intitula-se "Theatre" e é fabuloso), ambos editados na Asa e o incontornável "O Fio da Navalha" na edição dos Livros do Brasil e que teve uma excelente adaptação cinematográfica. Recordo-me de na adolescência ver imensos livros de Maugham editados nos "Livros do Brasil", espero bem que eles regressem ao contacto com o público.
    Obrigado pela amável sugestão
    Votos de uma excelente quinta-feira.

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  2. Se puder, não perca "Servidão Humana", ou "Chuva e Outros Contos", da Livros do Brasil. Para não falar de "Um gosto e seis vinténs", editado na Col. Miniatura, que se baseia na vida de Gauguin. Em último caso, há sempre os alfarrabistas...
    Desejo-lhe, também, um bom dia!

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    1. Muito obrigado pelas sugestões de leitura. Desconhecia por completo o livro que refere sobre a vida de Gauguin, já tomei nota.
      Os melhores cumprimentos

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    2. Foi um gosto. Este tipo de partilhas dão-me sempre prazer.
      Retribuo os votos.

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  3. Fala-se deste indivíduo e eu derreto-me todo. Tenho, na minha mochila, a edição na Miniatura d'"O Agente britânico". Como faço algumas viagens de comboio entre o Porto e o sul tenho ali a companhia ideal - que vou contrastando com "Um gato à chuva...", na mesma coleção, de Hemingway.

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    1. Só demonstra bom gosto..:-)
      E, ao que vou lendo, a ficção de S. M. conserva a mesma vitalidade e interesse, que lhe reconheci na adolescência. O que é raro, na minha experiência de leituras.

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  4. Tem toda a razão. Apesar de "O Fio da Navalha" e "servidão Humana" terem novas edições na ASA, Maugham continuo no seu limbo. A bem da verdade, se não fosse o JQ do Indícios, grande amigo meu, não teria conhecido Maugham. Acho que ele passa despercebido há minha geração.

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    1. Foi um bom conselho, de amigo. A obra de Maugham é muito interessante, e merece.

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