domingo, 30 de abril de 2017

Discrepâncias e rectificações


Seja das alterações climáticas, do acaso metereológico ou dos desígnios caprichosos dos deuses, o facto é que este mês, que hoje termina, não fez jus ao seu célebre provérbio antigo: Em Abril, águas mil. Apesar da chuva nocturna que se prolongou, um pouco, ainda a manhã ia tenra. Mas foi só. Temem os agentes agrícolas, iniciaram-se já os fogos florestais e as barragens apresentam-se vazias ou quase. A escassez de água ameaça o futuro mais próximo, em Portugal.
É caso para dizer, rectificando: Em Abril, águas por um funil!

Citações CCCXIV


A política é, provavelmente, a única profissão para a qual se pensa que não é precisa nenhuma preparação.

Robert Louis Stevenson (1850-1894).

sábado, 29 de abril de 2017

Retratos (17)


O Esteves era um gajo enorme e excessivo que, nos meus 179 centimetros, me ultrapassava completamente.
Depois, usava uns gabinardos ou capotes alentejanos de cores neutras, no Inverno, a dar para o escuro, que lhe sublinhavam a estatura e modos pouco estudados, embora com resquícios de algum mundo. Vivia num rés-do-chão apalaçado (post-República), ali para o Dafundo - vim a descobri-lo, pouco antes de ele se ter ido embora, pressionado. Falava muito, mas dizia pouco, e, no seu ar displicente, infundia alguma credibilidade profissional, sobretudo, nos mais ingénuos e desprevenidos. A Administração deu-lhe um crédito infinito, pelo seu ar de Tio vivido e alfacinha, atribuindo-lhe competências de chefe de vendas, na empresa. Em seu abono, tinha algum sentido estético com que mandou redecorar, com gosto, algumas lojas muito datadas, que proliferavam nos postos de venda da linha de Sintra.
Mas bebia muito em serviço: cerveja sobretudo, mas whiskies também, que mandava lançar, aos Encarregados das lojas, na sua conta pessoal inexistente, de pagamento sempre adiado. Depois teve o azar de se entender, de forma ambígua e sexual, durante breve periodo, com a senhora loura do Serviço Pessoal que, por sua vez, não era pera doce, quanto a feitio, nem passado. A bronca veio à luz: o homem excedeu-se, em suma, sem medir as consequências passionais e profissionais. Ao fim de 3 anos, a Administração acordou. E empurrou-o, ostensivamente, para a demissão sigilosa. E o Esteves foi pregar para a "Pans & Company". Oxalá seja feliz, apesar da arrogância discreta da sua postura...

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Desporto


Dependendo dos intervenientes, as diversas modalidades de desporto têm sempre algum efeito de catarse, quase sempre benéfica, quer nos executantes, quer nos observadores. De fora, ficam os excessos e a forma como, às vezes, são atiçados os demónios e os sentimentos mais primitivos, nos adeptos. Neste particular, o futebol é um dos piores exemplos, na actualidade - já foi, porém, um desporto nobre. Isto para dizer que, como observador, tenho acompanhado com atenção gratificante os jogos do Campeonato Mundial de Snooker 2017, em Sheffield (Reino Unido), via Tv. São relaxantes, no mínimo, e têm também alguma similitude, com o xadrez, na necessária preparação e antecipação das jogadas. Na sua prática, faz-se também uso da inteligência. Bem como da nobreza do exercício. Ficou-me na memória a imagem do abraço simples, mas sincero e prolongado, que o ex-campeão Ronnie O'Sullivan deu ao seu adversário chinês Ding, mesmo depois de ter perdido, e a felicitá-lo pela vitória alcançada no frame final da partida.
Por isso, dou-me por felizardo de, por mais três dias (até 1 de Maio de 2017), poder observar as finais deste Campeonato, que vão contar com grandes exibições (certamente) de John Higgins, Barry Hawkins, Ding Junhui e do impressionante Mark Selby - por quem torço...

Beethoven / Liszt / Gould



Esta glosa centrada no Allegretto da Sétima, em transcrição inspirada de Liszt, é inesquecível, também pelo talento de Glenn Gould (1932-1982).

Uma fotografia, de vez em quando (95)


Nascido a 26 de Março de 1927, em Deal (Kent), o fotógrafo inglês Harold Chapman teve diversos empregos indiferenciados, em Londres, até ter decidido ir para Paris, onde se concentrou na profissão que o havia de fazer conhecido. No ano passado, o Centre Pompidou (Paris) fez uma exposição da sua obra, sobretudo na temática da Beat Generation.



Acontece que, quando foi viver para Paris, se hospedou num hotel barato (mais tarde re-nomeado, por aquele facto), onde também viviam várias personagens dessa geração: Ginsberg, Orlowsky (ambos representados na terceira foto do poste), William Burroughs, Gregory Corso...
Harold Chapman prepara, presentemente, uma retrospectiva de toda a sua obra, compreendendo mesmo alguns instantâneos da sua fase inicial, em Londres, como a fotografia que se segue, captada no já longínquo ano de 1955.


quinta-feira, 27 de abril de 2017

Divagações 122


Eu creio que já por aqui falei do meu fastio pela ficção, ultimamente. Da desaparição súbita da minha necessária suspention of disbelief, de que falava Coleridge, e que me acompanhava desde tenra idade (à partida, inocente, e depois consciente), para entrar, sem condições prévias, na leitura das coisas imaginadas e das mentiras fascinantes de enredos que entretêm e empolgam. Ou mesmo, nessas histórias rústicas com que a Maria, afectuosamente, me povoava os minutos, pouco antes de eu adormecer, na infância, com aventuras de lobisomens do Marão, que iam a par das imagens dos monstros pacíficos dos barros geniais de Rosa Ramalho. Porque o Minho, aqui há 60/70 anos, era assim, muito naturalmente - honra lhe seja!
A História, o Ensaio, a Poesia iam sendo, exclusivamente, as minhas leituras. Dos vivos, sobravam Mário de Carvalho e Mia Couto, em prosa portuguesa, e pouco mais. Dizia, para mim: estás cada vez mais esquisito e elitista! Mas nem por isso concordava com o meu grilo falante. E tentava, heroicamente, lutar contra esse fastio, esse tédio que me provocava a ficção. Se calhar, ocasionado por esta nossa época repugnante de post-verdades, em que até os políticos ficcionam abusiva e excessivamente, a realidade dos dias e das coisas mais banais. Até porque eu já tinha a minha conta, em altura própria, do pioneiro Pessoa, em matéria de poesia.
Um destes dias, li (Expresso? Público?) uma crítica efusiva e épica ao livro mais recente da Elena Ferrante portuguesa (parecida, talvez, pelo pseudónimo e discrição, que não pela qualidade literária, por certo). Crédulo, anotei, fiquei atento e pus-me em campo, como em jeito de esperança salvífica. Proporcionou-se, anteontem, passarmos por A Escriba, nossa livraria de referência (passe a publicidade, mais que merecida), pequeno espaço, mas onde encontrámos sempre aquilo que de mais importante se vai publicando em Portugal. Displicentemente, perguntei à Dona se tinha algum livro de Teresa Veiga. Que sim: havia três obras da ficcionista. Céptico embora, folheei os livros e, por uma questão de segurança, escolhi o mais barato que, por acaso era o segundo da escritora. Paguei, por ele, 12 euros.
Depois, foram dois dias de penosa e desgostante leitura. Um sacrifício de obrigação, embora o livro esteja razoavelmente escrito: a tal escrita bem sucedida, mas que não é, em definitivo, literatura. Além de que o enredo das duas novelas é de uma pobreza confrangedora, embora a puxar ao fino, assim entre a Junqueira, Belém e Cascais, de outras eras, fora a serra de Monchique, das termas, e Albufeira, metendo uma Florbela Espanca muito pouco convincente, pelo meio, que até começa a gostar da poesia de Emily Dickinson - imagine-se. Acabei o livro hoje, com grande mortificação das meninges. E achei que bem merecia uma necessária compensação pelo sacrifício. Por isso, retirei da estante um Simenon, para reler. Porque, o gosto e o prazer - sei - serão garantidos. Apesar da ficção...

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Ementa


O Mercado estava às moscas. Se estivesse a Norte, chamar-lhe-ia: Praça. Ao contrário do que pensávamos, tinha aberto no 25 de Abril - mais um sacrilégio à conta deste liberalismo que vamos vivendo, indiferentemente. E a dona Leonor tinha a banca farta e diversificada, sobrante decerto do Dia da Liberdade. A Pescada a 9,80 euros, os Linguados a 15; um Choco gigantesco apresentava-se a 9, o Sargo ainda mais barato. E havia Polvo, mais umas Pescadinhas em círculo fechado, o vibrante Cantaril, as Petingas. Lulas pequenas, mas simpáticas e frescas, mais o Peixe Espada Preto, Pargo em muito boa conta, também, Pregado e Azevias, Carapaus médios e apetitosos - era um fartar, vilanagem!...
Fomos pela Caldeirada, também a bom preço, com Raia, Pata Roxa e duas postas de Perca-do-Nilo (aquacultura, já se vê*), para compor a miscelânea. Vou abrir um Grão Vasco branco, da Sogrape, para companhia. E que seja o que o deus Neptuno quiser...

* Nota posterior: por informação amiga (AVP) tive conhecimento que a Perca-do-Nilo não é produzida em aquacultura, sendo um peixe de água doce; nem sempre criado nas melhores condições...

terça-feira, 25 de abril de 2017

Revivalismo Ligeiro CCLXIV

25 de Abril


Nunca a evolução da Humanidade foi no sentido, sempre o mesmo, de progresso da democracia, ao longo dos tempos. Houve sempre altos e baixos: desvios e recentragens, em relação ao objectivo. E será que esse é um desígnio essencial dos homens? (Retórica, há que fazer, honesta e humildemente, a pergunta.)
Por outro lado, é extremamente difícil dizermos coisas novas sobre importantes acontecimentos do passado que, todos os anos, em cerimónia evocativa, se repetem. Mas seria também imperdoável não fazermos nenhuma referência à data. Pese embora que essa data possa ser inócua, emotivamente, para quem a não viveu.
Optei, assim, por uma fotografia de Alfredo Cunha, no Terreiro do Paço, em que o Passado se apresenta formal, servil ou obediente, respeitador, reverencial (à direita) e o Futuro se anuncia, mesmo que momentaneamente, pela figura simples, pedestre, atenta e liberta de Salgueiro Maia (à esquerda).

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Interlúdio 59

Apontamento 100: Recordar é preciso !


Já há algum tempo penso que a centúria dos meus apontamentos devia tratar de assuntos sérios, daqueles que continuam a “pairar” no meu espírito, experiências várias, humilhações recentes, que perturbaram o meu espírito sem justificação ou licença, vindas de gentinha “sem qualidade”.

Utilizo a expressão - sem qualidade - com aspas, porque acho a tradução portuguesa de parte do título do romance de Musil errada, limitando o universo narrativo da personagem central. Tratava-se, a meu ver e antes de mais, de Um Homem Incaracterístico, como muitos daqueles que nos têm passado pela frente política, do universo dos “pafunços”, sobrevivendo, apenas, da mesa do orçamento.

Essas figuras, chamadas públicas, fizeram-me lembrar processos antigos de olhar para o “povinho” com ar de desdém, arrogando-se no direito de “dar lições” no sentido mais amplo.

Ontem, ao (re)ler o conto de Miguel Torga “A Identificação” – do Livro Pedras Lavradas – reparei na seguinte expressão: “Está bem, vou. Mas quero saber primeiro o motivo desta violência. O motivo a seu tempo o saberá.” E conclui a personagem, a ser tirada de um comboio, “é sempre desagradável caminhar entre dois guardas.”


Ou seja, no passado, tal como também já relatei, - Arpose, 18.3.2014 - não se sabia o motivo da humilhação à partida, ficava no esconso do arbítrio do “chefe”. Recentemente, os “pafunços coelhos” humilharam aqueles que menos força tinham, os velhinhos que já estavam a “comer” do orçamento há demasiado tempo.


O “pessimismo antropológico” antigo, objecto do universo narrativo de M. Torga, quando comparado com as humilhações recentes, representa, obviamente, uma diferença de grau na Humanidade. Aqueles poderiam permanecer por um período longuíssimo a dominar, enquanto estes poderão ser substituídos, através do voto de pessoa com memória, história e sentido cívico.

Não pretendia responder à pergunta sacramental: “onde estava no 25 de Abril ? “, mas sucede que o conto de M. Torga fez avivar muita memória de um tempo de ditadura – porventura amena para alguns – mas profundamente desigual, provinciano e caseiro, para além de limitadora da realização pessoal de que, actualmente, muita gentinha abusa, porque nunca conheceu a "apagada e vil tristeza".

As imagens acima ajudaram a avivar a lembrança de uma História que muitos "pafunços" comentam, mas desconhecem profundamente.

Post de HMJ.

Dos fumos do Império a destino turístico


Nas sua parte róseo-mundana, o último L'Obs (nº 2737) dedica uma página a Goa, incentivando os leitores e potenciais turistas a visitar a antiga capital do nosso ex-Estado da Índia.
Para lá da informação errada de que Goa teria sido colónia portuguesa até 1962 (foi-o apenas até 1961), o artigo é animador e aliciante, quanto a este destino turístico. E a preços, também...

Recuperado de um moleskine (26)


Porque a velhice é, também, impaciência e, frequentemente, falta de caridade para com os ligeiros. E dificuldade em pactuar com faltas de estrutura, descasos estúpidos, ausência fundamental de sentido crítico, levezas poéticas paroquiais de jornal de província, em suma, do falar por falar, de tanta gente que não tem mais nada que fazer. Incompatibilidade, sobretudo, com essa tona volúvel dos dias que correm. Chamar-lhes-ia, imparidades essenciais, se tivesse formação economista. Que não tenho, felizmente.

Citações CCCXIII


É preciso que uma nova sociedade comece, quando o homem deixa de se dedicar aos outros homens, para se dedicar a uma ideia.

Claude Mettra (1922-2005), in Jules Michelet, Histoire de France (1963).

domingo, 23 de abril de 2017

Vamos a ver quem vai cantar...


... mais alto, na hora da verdade.
Mas com o Centrão apátrida português a fazer figas, por cá, desesperadamente, e a torcer por Macron, nada augura de bom (rima e é verdade).
Agora, imaginem os filhos e os netos das concierges lusas e dos plombiers polacos, na hora de votar, e a sua aflição de esquerdas caviar...

sábado, 22 de abril de 2017

Um enorme actor...

... que faz, hoje, 80 anos. Excessivo, talentoso, cabotino embora, sedutor, provocador das almas  mais simples, virginais, politicamente incorrecto. Insubstituível, em suma.

Andava a pedi-las...

Bibliofilia 152


Não sendo de primeira água, a obra de cariz naturalista e parnasiano de António Macedo Papança (1852-1913), primeiro conde de Monsaraz, é, no entanto, muito estimável e agradável de ler, na sua simplicidade lírica, virada quase sempre para o mundo rural. Alentejano de gema, nascido em Reguengos de Monsaraz, foi Par do Reino, e pessoa grada da cultura portuguesa finissecular. Carteou-se e foi grande amigo de Cesário Verde e Bulhão Pato, por exemplo.



Em 1954, pouco após o centenário do seu nascimento, creio que por iniciativa do poeta Mário Beirão (1890-1965), foi editado, pela Livraria Ferin (Lisboa), um grande volume (26 x 19,5 cm.), com a obra poética completa do conde de Monsaraz. O livro, ilustrado com desenhos de Alberto de Souza, tem um grande apuro gráfico e estético, bem como textos em prosa de António Sardinha e Hipólito Raposo. Dá gosto folheá-lo e lê-lo.



A obra, cuja edição especial foi subscrita por algumas centenas de admiradores, permite ao leitor uma abordagem ampla da poesia de António Papança e tirar algumas conclusões sobre o merecimento do poeta, hoje, infelizmente, bastante esquecido. Talvez por isso é que o livro me custou apenas 12 euros, usado, num alfarrabista de Lisboa, alguns meses atrás.



Porventura excessivamente regionalista e campestre, mas muito cantabile, um dos poemas (O Senhor Morgado) do livro foi inspiradamente musicado por José Niza e lindamente cantado por Adriano Correia de Oliveira (ver Arpose, 20/4/2016), com grande sucesso, nos anos 70. Não se esgotando aí a fina ironia pitoresca dos versos do Conde de Monsaraz. Por exemplo, ela é notória no surpreendente final da Salada Primitiva, que aqui deixamos para leitura...






para H. N., que se lembrou, e me lembrou este último poema de António Macedo Papança.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Desabafo (20)


Quando, às vezes, vejo alguma "Quadratura do Círculo", na televisão, tal como ontem, vêm-me à lembrança, embora noutro registo, mais ligeiro, os "Gato Fedorento". Porque, para lá de Pacheco Pereira, no primeiro, e de Ricardo Araújo Pereira no outro programa televisivo, os restantes intervenientes ou personagens figurantes estão por lá como mera paisagem, ou naturezas mortas. Quero eu dizer, ou em linguagem chula: são os chamados verbos de encher. Que dizem as mais banalérrimas coisas e não têm uma única ideia original. Nestes casos, mesmo cristianissimamente, falta-me, de todo, a pachorra para os ouvir, a debitar banalidades parvas...

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Apontamento 99: Trocadilhos de ignorância


A propósito de uma alteração da Lei da Nacionalidade, surgiu hoje, numa estação da televisão uma velha questão, cheia de ignorância.

Ao que parece, nem toda a “gente”, e falo de jornalistas de estações públicas, já se apercebeu da diferença entre uma nacionalização – certamente dos Bancos, etc. – e uma NATURALIZAÇÃO, tal como diz a Senhora Ministra, e bem, relativa à intenção de alguém para adquirir a nacionalidade de um determinado país.

Não cabe neste espaço, e porque já falta a paciência para reproduzir tanto desvario burocrático, a “narrativa” do calvário, ou trabalho de Sísifo, a percorrer para levar a bom termo todo um processo de naturalização.

Foram meses de aventuras, despesas acumuladas, e episódios memoráveis. Só conto um por desfastio. Tal como se voltou a falar hoje, a lei prevê uma prova de “domínio da língua portuguesa” que, numa determinada altura, o pretenso candidato teria de prestar num serviço da Câmara Municipal da sua residência.

Perante o solícito funcionário camarário, destinado a passar o atestado do domínio da língua para poder aceder ao estatuto de cidadão nacional – para todos os efeitos legais, excepto o exercício do cargo de Presidente da República Portuguesa – respondi à pergunta inicial, dizendo, em vernáculo, que era eu a pessoa a ser examinada.

Passada a primeira reacção, algo estranha do funcionário perante o estabelecimento, normal, da conversa em Português, surgiu a pergunta sacramental: “ A senhora quer “nacionalizar-se”? Ao funcionário municipal respondi, na altura, que houve muita “coisa” nacionalizada, mas que eu não me candidatava a um processo de NACIONALIZAÇÃO.

Constata-se, portanto que, passadas décadas, continua a mesma confusão, ou ignorância, que leva um reputado jornalista a não distinguir entre NACIONALIZAÇÃO E NATURALIZAÇÃO.

Ao que parece, a Senhora Ministra, sabe bem do que fala quando refere a complexidade de todo um processo de NATURALIZAÇÃO. A quem o dizem !


«Francisca Van Dunem admitiu que as questões de nacionalidade "são muito complexas" e suscetíveis de gerarem "um ambiente de alguma dificuldade e compreensão" não só no público em geral como também nos próprios serviços que tratam destas matérias.» Expresso, 20.4.2017

Post de HMJ

Boletim bibliográfico


Recebido hoje, da Livraria Ecléctica (à Calçada do Combro, Lisboa), o catálogo XVI, correspondente ao presente mês de Abril de 2017. Do conjunto de 328 lotes propostos para venda, por gosto pessoal, destaco os 4 seguintes livros e respectivos preços de venda:

Lote 15 - Eugénio de Andrade - Mar de Setembro (1963)....................... 45 euros.
Lote 135 - Herberto Helder - Edoi Lelia Doura (1985)........................... 75 euros.
Lote 251 - Raul Rêgo - História da República (1986)............................. 85 euros.
Lote 265 - Mário Sáa - As Memórias Astrológicas de Camões (1978)..... 28 euros.


Ravel / Grimaud

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Em louvor das Pérolas...


... islenhas, tal como as Guantanameras, cubanas, que me são referência. Só que as Pérolas são nacionais, açorianas, e nada ficam a dever às caribenhas e castristas, na autenticidade. Além de serem mais baratas.
(Afectuosas lembranças a quem mas trouxe, hoje, da Casa dos Açores, na baixa lisboeta, da rua de S. Julião.)
E já vão duas...

Do rifoneiro castelhano (11)


1. El hombre y el oso, cuanto más feo más hermoso.
( O homem e o osso, quanto mais feio mais formoso.)

2. Hombre amaricado, ni carne ni pescado.
( Homem efeminado, nem carne nem pescado.)

3. Hombre besador, poco empreñador.
( Homem beijoqueiro, pouco emprenhador.)

terça-feira, 18 de abril de 2017

Para maiores de 40 anos

O título deste poste não tem nada de censório, mas tem a ver com o facto indesmentível de a língua francesa estar em queda, em Portugal, nos últimos 30/40 anos. E este vídeo da Radio-Canada ser em francês.
Pois deliciem-se os fanáticos de Simenon (1903-1989), que dominam o francês, com esta entrevista interessantíssima do grande escritor belga, em que ele fala da construção das personagens, nomeadamente Maigret. Terão entretém para quase meia hora.
Claro que serão os happy few, que não os ligeiros apressados e frenéticos cibernautas que, em média (90%), visitam e gastam no Arpose cerca de 1 a 3 minutos, quando muito. (Que a vida lhes continue a ser leve!...)

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Uma fotografia, de vez em quando (94)


Em muitas casas haverá destas fotos, antigas, insituáveis, por vezes, e de quem já nem conseguimos sequer identificar, capazmente, os intervenientes. O tempo cobriu-os pelo pó do anonimato eterno.
Esta, em imagem, é a fotografia mais antiga, de família, na minha posse. Está um pouco arruinada no seu estado de conservação mas, pela única pessoa que reconheço, nela, datará de finais dos anos 20 do século passado ou, quando muito, do início dos 30. O cenário é o pedestal de pedra do monumento levantado, no ponto mais alto da Penha (Guimarães), ao papa Pio IX (erigido em 1893). Como é que as 8 pessoas representadas conseguiram subir nele, é uma incógnita: mas, provavelmente, com a ajuda do ocasional fotógrafo.
A simplicidade dada pelos tons claros e negros da fotografia não deixa de lhe dar um aspecto de aridez e rusticidade circundante, que acaba por se alargar à pose austera, sem sorrisos, das pessoas retratadas, 7 das quais, passados quase 100 anos, são rostos completamente anónimos, para sempre perdidos no tempo. Pelo menos, para mim.

Transições (2)


"Bosch é muitas vezes olhado como o último pintor da Idade Média, em que os dogmas da Igreja ainda se mantêm, enquanto Brueghel surge como pioneiro, como o céptico visionário da Idade Moderna."

Joseph Leo Koerner (1958), in Bosch and Bruegel.


Não resisto ao comentário de uma breve nota. Se a "Carroça de Feno" (Bosch) espelha, claramente, o cortejo de fantasmas e temores medievais, bem como a imaginação delirante, de cariz religioso, o quadro de Pieter Brueghel ("O camponês e o ladrão de ninhos") não deixa de expressar, alegremente, um realismo liberto da proibição de regras e dogmas, muito dirigido ao gosto de viver. A que não falta, cúmplice e dialogante, o dedo apontado à atenção do espectador, porventura desatento... Em qualquer dos casos, obras-primas da pintura europeia, que me apraz aqui deixar em imagem e arquivo.

domingo, 16 de abril de 2017

sábado, 15 de abril de 2017

Perdoar, segundo Cioran


Os outros acham que é normal perdoar aos seus inimigos. E eu bem gostaria de os ver seguir esses belos preceitos. Pode perdoar-se a um inimigo; mas, como dizia Mauriac, não podemos esquecer que lhe perdoámos. Não há nada menos puro do que o perdão.

E. M. Cioran (1911-1985), in Cahiers - 1957/1972 (pg. 853).

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Uma boa Páscoa!


As explicações para justificar a ligação do Coelho à Páscoa, não me convencem muito. Quantos aos ovos, talvez possamos associá-los aos diversos bolos tradicionais, que se fazem e comem nesta época: Pão de Ló, Folares, Troncos...
Seja como for, aqui vai uma foto-postal antiga, com votos de uma boa Páscoa para todos aqueles que cá vierem, a visitar o Arpose. 

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Mercearias Finas 121


A época convida a iguarias especiosas, a que o anho ou cordeiro é convocado ao sacrifício, normalmente. Mas também as libações obrigam a uma exigência especial que não desmereça a vianda pascal, sacrificada.
Dentre a, hoje numerosa qualitativamente, enologia nacional há 4 ou 5 ícones fora de série que nem todos tiveram ou terão oportunidade de apreciar. Quer pelo preço, pela dificuldade, quer pela impossibilidade: neste último caso, por nem sequer estarem à venda.
A nível de preços, ostensivamente, temos o Barca Velha duriense e o Pêra Manca, alentejano de cepa antiga. Ou os vinhos do Hotel do Buçaco que, recentemente, sairam do circuito fechado do Hotel Astória (Coimbra) e do Palace realengo. Também muito caros, no exíguo circuito comercial que frequentam.
Quanto aos impossíveis ou improváveis de lá chegar, há uns vinhos extraordinários da Bairrada do centro estadual, antigo, onde se faziam experiências notáveis com a casta Baga, aqui há uns bons anos. E os magníficos vinhos da Direcção-Geral dos Serviços do Centro de Estudos Vitivinícolas de Nelas, que deixaram um rasto imperecível de qualidade, na sua longevidade sempre juvenil de perfeição. Há dias, o meu bom amigo C. S., decidiu, generosamente, partilhar connosco, a propósito de uns queijos portugueses, uma destas preciosidades da colheita de 1970.
Não tenho palavras para o gabar. Tal como uma boa música ou um alto poema, o melhor é calar e guardar, na memória, essa experiência inolvidável, impossível de traduzir, na modéstia humana da nossa limitada expressão.

com grato reconhecimento, para C. S..

Uma fuga (breve e matinal) de Shostakovich

terça-feira, 11 de abril de 2017

Comic Relief (135)


Quando o aleijadinho alemão das finanças - segundo Der Spiegel - diz que, se fosse francês, votaria Macron, eu terei de concluir que a esquerda gaulesa está metida num molho de brócolos...

Mais um poema traduzido de Liliane Wouters (1930-2016)


Morrer não é senão mudar de aspecto,
libertarmo-nos deste casulo de carne e ossos,
como abandonámos o saco das águas.
Apesar de ficarmos mais nus do que à nascença,
porque até o nosso corpo pecará por defeito.


Liliane Wouters, in Le Livre du Soupir (2009).

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Memória (114)


Os jovens são normalmente cruéis, desatentos a atribuir idades aos mais velhos. E pouco rigorosos quanto à idade das crianças. Porque, de algum modo, a adolescência é uma encruzilhada: fazermos a viagem crescendo, naturalmente, ou nunca mais amadurecermos...
A primeira vez que vi a Profª. Dra. Maria Helena da Rocha Pereira (1925-2017), naquele enorme anfiteatro da Faculdade, em Coimbra, a Senhora pareceu-me muito idosa e pensei que deveria estar quase a reformar-se. Aquela espécie de chapéu-turbante, que costumava usar, também não ajudava.
Ora, nessa altura, a Professora não tinha sequer 40 anos. Tinha, no entanto, a autoridade da sabedoria sobre as civilizações grega e romana, além de uma fina sensibilidade em relação à poesia, antiga ou moderna. Maria Helena da Rocha Pereira faleceu hoje. Posso dizê-lo, com sinceridade: dos meus professores de Coimbra, é aquela que recordo mais afectuosamente.

sábado, 8 de abril de 2017

Filatelia CXVIII


Não se peça a um coleccionador de selos que conheça  o nome dos artistas que desenharam os selos que ele vai juntando. Ao filatelista normal, isso passa-lhe normalmente ao largo...
E, no entanto, algumas vezes, o autor da maqueta e desenho da estampilha é um artista de fina sensibilidade e gosto. E o resultado, esteticamente, muito bem conseguido.
Nascido em Toulouse (França), Edmund Dulac (1882-1953), ainda jovem veio a naturalizar-se inglês, tendo executado grande parte dos seus trabalhos de ilustrador de livros na Grã-Bretanha. Obras das irmãs Brontë, Poe, Andersen, Shakespeare, entre tantas outras, foram enriquecidas pelos seus desenhos, em parte influenciados pelo traço dos pré-rafaelitas,


O que nem toda a gente saberá, e muito menos os filatelistas, é que foi Edmund Dulac o autor dos desenhos de grande parte dos selos ingleses emitidos durante o reinado de Jorge VI (1936-1952); e por aí se pode ver a qualidade do traço do artista. Também o desenho do pano de fundo, ou cenário, de um dos selos (1sh. 3p.) da emissão da coroação de Isabel II é de sua autoria.


Já em 1942, Dulac tinha contribuido, a pedido do Governo inglês e por solicitação do general De Gaulle, para a série da denominada Marianne of London. Do facto, não se esqueceram os correios franceses de emitir um selo comemorativo, em 1994, para celebrar essa efeméride patriótica.



O que foi, no fundo, uma forma simples, mas objectiva de divulgar a obra de Edmund Dulac.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

quinta-feira, 6 de abril de 2017

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Apontamento 98: Bem-vindos à "Disneyland" portuguesa


Como é meu costume, gosto de jogo limpo, avisando os eventuais leitores para particularidades das minhas opções, neste caso de leituras.

Sucede que nunca apreciei os bonecos “Disney”, “minies” e companhia, assim como nunca engracei com “Barbies”, de trampa, ou outro tipo de bonecada de duvidoso gosto, tanto faz.

Também não fazem parte do meu universo infantil “discursos em forma de bola de chiquelete”, de construções reduzidas, antecipando o “jargão” cibernáutico actual.

Vem todo este palanfrório a propósito do efeito nocivo da globalização sobre as nossas cidades, impondo cópias, tiradas a papel químico, do submundo cultural.

Nas ruas da cidade alastram os bandos que espalham o seu ruído através de altifalantes, passeiam-se umas figuras tristes, que me fazem lembrar o “mundo Disney”, ou seja, um sonho americano, globalizado, de pacotilha, sem nenhuma referência cultural. O cenário da cidade continua a transformar-se num filme de horrores, com imagens iguais de qualquer país possível, sem nenhuma referência histórica, social e cultural concreta. Tanto se pode passar por este enquadramento no Sul como no Centro ou no Norte da Europa, tanto faz, apenas com a diferença do clima ameno em Portugal.

Convenhamos que a maior parte dos turistas não vem com intuitos culturais.

Acontece, no entanto, que a submissão a essas “hordas” nos modifica a nossa paisagem, ajudada por uma legislação que, lentamente, transforma o comércio local em “áreas turísticas tipo Disney”.



A última notícia, de hoje, foi o encerramento do REI DAS MEIAS, no Largo Bordalo Pinheiro, para dar lugar a quê ? À falta de imaginação, mais um Hostal, certamente !

Como a memória é curta, e as eleições próximas, convém lembrar que a Lei do Arrendamento, que criou a base para tamanha razia no comércio tradicional, foi alterada em 2012. Pertence, pois, a responsabilidade a determinados pafunços, da fauna dos coelhos e galinhas cristas, gente aculturada nada e crescida em lugares distantes, feitos basbaques perante esta nova “Disneyland” à portuguesa.




Prefiro a sinceridade da mensagem do “antigo” Rei das Meias que, a partir do fim do mês, manda mais duas empregadas para trabalhar “para a Segurança Social”, como elas me confirmaram, de viva voz.

Post de HMJ

Ideias fixas 10


Devemos ser gratos e benevolentes para com os loureiros e as oliveiras, até porque fortalecem a nossa muito louvada dieta mediterrânica.
Por outro lado, devemos ter uma cega confiança e complacência nesta nossa Justiça, à portuguesa. De forma a retribuirmos a sua cegueira.
( Altura para relembrar o final do poema "Não posso", de Fernando Assis Pacheco: Não posso/ com tanta ironia.)

Interlúdio 58


Estes olhares que se pretendem magnéticos, fatais... Convincentes pelo temor e fixidez obsessiva. Agrários e silvestres, religiosos ou místicos, talvez. Às vezes, políticos, e actualizados de vez em quando. Relembremos a palavra honesta de Jorge Campinos (1937-1993) que, quando António Barreto e Medeiros Ferreira sairam do partido, disse que o PS tinha ficado mais puro.


Nota: Em abono da clarificação deste poste, convém dizer que Jorge Campinos esteve exilado em França, antes do 25 de Abril. Não se exilou na Suiça, nem nos países nórdicos. O facto terá a sua importância, com certeza.

Da explicação em poesia


Não sei já quem disse que analisar e explicar um poema é a melhor maneira de o destruir. De alguma forma, o estudo escolar de "Os Lusíadas" fez abortar, pelo menos parcialmente, a possibilidade de fruição inteira do nosso poema maior. Por outro lado, neste nosso tempo, raríssimos serão aqueles que terão oportunidade, paciência e o prazer de virem a ler, com proveito e gosto, as estâncias camoneanas descrevendo, genialmente e por exemplo, o fogo de Santelmo, ou, com imenso humor, o episódio  (pícaro) de Veloso. Alguma coisa se vai perdendo para sempre, dos antigos cânones...
Quando releio As Aves (1969), de Gastão Cruz (1941), lembro-me sempre de Sá de Miranda e de Mafra. E dos 6 meses, que por lá passámos, com diferença de 3 meses, na recruta e especialidade. É uma realidade prosaica mas, na altura, com a guerra colonial, essa realidade era também dramática. Tudo isto pode ajudar na leitura deste pequeno (grande) livro de poemas. Sobretudo para quem viveu esses outros tempos e os sentiu na pele.