Já
há algum tempo penso que a centúria dos meus apontamentos devia tratar de
assuntos sérios, daqueles que continuam a “pairar” no meu espírito,
experiências várias, humilhações recentes, que perturbaram o meu espírito sem
justificação ou licença, vindas de gentinha “sem qualidade”.
Utilizo
a expressão - sem qualidade - com aspas, porque acho a tradução portuguesa de
parte do título do romance de Musil errada, limitando o universo narrativo da
personagem central. Tratava-se, a meu ver e antes de mais, de Um Homem Incaracterístico, como muitos
daqueles que nos têm passado pela frente política, do universo dos “pafunços”,
sobrevivendo, apenas, da mesa do orçamento.
Essas
figuras, chamadas públicas, fizeram-me lembrar processos antigos de olhar para
o “povinho” com ar de desdém, arrogando-se no direito de “dar lições” no
sentido mais amplo.
Ontem,
ao (re)ler o conto de Miguel Torga “A Identificação” – do Livro Pedras Lavradas – reparei na seguinte
expressão: “Está bem, vou. Mas quero saber primeiro o motivo desta violência. O
motivo a seu tempo o saberá.” E conclui a personagem, a ser tirada de um
comboio, “é sempre desagradável caminhar entre dois guardas.”
Ou
seja, no passado, tal como também já relatei, - Arpose, 18.3.2014 - não se sabia o motivo
da humilhação à partida, ficava no esconso do arbítrio do “chefe”.
Recentemente, os “pafunços coelhos” humilharam aqueles que menos força tinham,
os velhinhos que já estavam a “comer” do orçamento há demasiado tempo.
O “pessimismo
antropológico” antigo, objecto do universo narrativo de M. Torga, quando
comparado com as humilhações recentes, representa, obviamente, uma diferença de
grau na Humanidade. Aqueles poderiam permanecer por um período longuíssimo a
dominar, enquanto estes poderão ser substituídos, através do voto de pessoa com
memória, história e sentido cívico.
Não
pretendia responder à pergunta sacramental: “onde estava no 25 de Abril ? “,
mas sucede que o conto de M. Torga fez avivar muita memória de um tempo de
ditadura – porventura amena para alguns – mas profundamente desigual, provinciano
e caseiro, para além de limitadora da realização pessoal de que, actualmente,
muita gentinha abusa, porque nunca conheceu a "apagada e vil tristeza".
As imagens acima ajudaram a avivar a lembrança de uma História que muitos "pafunços" comentam, mas desconhecem profundamente.
Post de HMJ.
Não sei por vezes que povo é este que assim esquece o muito que sofreu. E não me refiro apenas a quem nada sabe - e pouco lhe interessa saber - por ter nascido depois.
ResponderEliminar"Pafunço". Sim senhor, é um bom termo.
25 de Abril, Sempre!
Pois...o voto consciente é que é difícil.