quinta-feira, 27 de abril de 2017

Divagações 122


Eu creio que já por aqui falei do meu fastio pela ficção, ultimamente. Da desaparição súbita da minha necessária suspention of disbelief, de que falava Coleridge, e que me acompanhava desde tenra idade (à partida, inocente, e depois consciente), para entrar, sem condições prévias, na leitura das coisas imaginadas e das mentiras fascinantes de enredos que entretêm e empolgam. Ou mesmo, nessas histórias rústicas com que a Maria, afectuosamente, me povoava os minutos, pouco antes de eu adormecer, na infância, com aventuras de lobisomens do Marão, que iam a par das imagens dos monstros pacíficos dos barros geniais de Rosa Ramalho. Porque o Minho, aqui há 60/70 anos, era assim, muito naturalmente - honra lhe seja!
A História, o Ensaio, a Poesia iam sendo, exclusivamente, as minhas leituras. Dos vivos, sobravam Mário de Carvalho e Mia Couto, em prosa portuguesa, e pouco mais. Dizia, para mim: estás cada vez mais esquisito e elitista! Mas nem por isso concordava com o meu grilo falante. E tentava, heroicamente, lutar contra esse fastio, esse tédio que me provocava a ficção. Se calhar, ocasionado por esta nossa época repugnante de post-verdades, em que até os políticos ficcionam abusiva e excessivamente, a realidade dos dias e das coisas mais banais. Até porque eu já tinha a minha conta, em altura própria, do pioneiro Pessoa, em matéria de poesia.
Um destes dias, li (Expresso? Público?) uma crítica efusiva e épica ao livro mais recente da Elena Ferrante portuguesa (parecida, talvez, pelo pseudónimo e discrição, que não pela qualidade literária, por certo). Crédulo, anotei, fiquei atento e pus-me em campo, como em jeito de esperança salvífica. Proporcionou-se, anteontem, passarmos por A Escriba, nossa livraria de referência (passe a publicidade, mais que merecida), pequeno espaço, mas onde encontrámos sempre aquilo que de mais importante se vai publicando em Portugal. Displicentemente, perguntei à Dona se tinha algum livro de Teresa Veiga. Que sim: havia três obras da ficcionista. Céptico embora, folheei os livros e, por uma questão de segurança, escolhi o mais barato que, por acaso era o segundo da escritora. Paguei, por ele, 12 euros.
Depois, foram dois dias de penosa e desgostante leitura. Um sacrifício de obrigação, embora o livro esteja razoavelmente escrito: a tal escrita bem sucedida, mas que não é, em definitivo, literatura. Além de que o enredo das duas novelas é de uma pobreza confrangedora, embora a puxar ao fino, assim entre a Junqueira, Belém e Cascais, de outras eras, fora a serra de Monchique, das termas, e Albufeira, metendo uma Florbela Espanca muito pouco convincente, pelo meio, que até começa a gostar da poesia de Emily Dickinson - imagine-se. Acabei o livro hoje, com grande mortificação das meninges. E achei que bem merecia uma necessária compensação pelo sacrifício. Por isso, retirei da estante um Simenon, para reler. Porque, o gosto e o prazer - sei - serão garantidos. Apesar da ficção...

8 comentários:

  1. Bom dia! Um dia destes ouvimos na TV alguém dizer que hoje em dia qualquer um com discurso escorreito e algum conhecimento escreve um livro, junta as palavras acho que foi a expressão usada. Sou fiel aos meus autores favoritos (Simenon-Maigret está nessa lista) e muito raramente compro livros de "autores novos". Prefiro reler, reler, reler! E se não gosto, desisto. Admiro a sua paciência!

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    1. Às vezes, confesso, faço batota na leitura e salto uns capítulos mas, de uma forma geral, custa-me abandonar um livro, antes do fim.
      Há, realmente, por aí muita livralhada que acaba nas feiras do metropolitano ou é guilhotinada pela editora, passado um ano. Como é que se publicam destas coisas, é que eu não compreendo.
      Como a Paula, também releio os clássicos (Camilo, Eça, Aquilino...), porque não é tempo perdido, nunca. Dos estrangeiros, Cioran, Steiner, Magris, Manguel...
      Votos de um bom dia, soalheiro!

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  2. Também tenho dificuldade em largar um livro, mesmo quando a leitura é penosa e cada vez mais gosto de me refugiar nos valores seguros, após ter sido levado ao engano. Leio e releio os meus escritores favoritos/livros e depois há sempre esse autor que se descobre e depois desejamos ler tudo dele.
    Votos de um bom dia!

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    1. A persistência que me leva até ao fim é, por vezes, uma pura perda de tempo, mas que se há-de fazer...
      Mas também é verdade que houve muitos livros (ultimamente, mais de ensaio ou história) que me deram um enorme prazer de leitura.
      Uma boa tarde!

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  3. Desconheço o livro/autor em questão, gostei do texto, principalmente do início.

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    1. Permita-me dizer-lhe que não perde nada em não conhecer.
      Obrigado.
      Uma boa noite!

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  4. Melhor fora eu passar de fininho que dessa senhora só sei o nome. Mas ser uma Ferrante não é fácil. E gosto de ficção. E romance. E biografias romanceadas. E ensaio. E poesia. Mas leio pouco porque tenho de viver ao vivo - umas vezes a cores e outras nem por isso. Em geral, leio todos os livros que compro. Das ofertas que não são a pedido só existe uma pessoa que me acerta nos gostos.

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    1. Claro que a adolescência é sempre mais generosa: tenra experiência quase virgem de espírito crítico, na sua um pouco cega fogosidade juvenil.
      Caberia aqui, neste poste em que falei de Florbela, celebrá-la ou citá-la, num seu soneto conhecido, de extrema juventude (23 anos?):
      "Eu quero amar, amar perdidamente!
      Amar só por amar: Aqui... além..."

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