Eu creio que já por aqui falei do meu fastio pela ficção, ultimamente. Da desaparição súbita da minha necessária suspention of disbelief, de que falava Coleridge, e que me acompanhava desde tenra idade (à partida, inocente, e depois consciente), para entrar, sem condições prévias, na leitura das coisas imaginadas e das mentiras fascinantes de enredos que entretêm e empolgam. Ou mesmo, nessas histórias rústicas com que a Maria, afectuosamente, me povoava os minutos, pouco antes de eu adormecer, na infância, com aventuras de lobisomens do Marão, que iam a par das imagens dos monstros pacíficos dos barros geniais de Rosa Ramalho. Porque o Minho, aqui há 60/70 anos, era assim, muito naturalmente - honra lhe seja!
A História, o Ensaio, a Poesia iam sendo, exclusivamente, as minhas leituras. Dos vivos, sobravam Mário de Carvalho e Mia Couto, em prosa portuguesa, e pouco mais. Dizia, para mim: estás cada vez mais esquisito e elitista! Mas nem por isso concordava com o meu grilo falante. E tentava, heroicamente, lutar contra esse fastio, esse tédio que me provocava a ficção. Se calhar, ocasionado por esta nossa época repugnante de post-verdades, em que até os políticos ficcionam abusiva e excessivamente, a realidade dos dias e das coisas mais banais. Até porque eu já tinha a minha conta, em altura própria, do pioneiro Pessoa, em matéria de poesia.
Um destes dias, li (Expresso? Público?) uma crítica efusiva e épica ao livro mais recente da Elena Ferrante portuguesa (parecida, talvez, pelo pseudónimo e discrição, que não pela qualidade literária, por certo). Crédulo, anotei, fiquei atento e pus-me em campo, como em jeito de esperança salvífica. Proporcionou-se, anteontem, passarmos por A Escriba, nossa livraria de referência (passe a publicidade, mais que merecida), pequeno espaço, mas onde encontrámos sempre aquilo que de mais importante se vai publicando em Portugal. Displicentemente, perguntei à Dona se tinha algum livro de Teresa Veiga. Que sim: havia três obras da ficcionista. Céptico embora, folheei os livros e, por uma questão de segurança, escolhi o mais barato que, por acaso era o segundo da escritora. Paguei, por ele, 12 euros.
Depois, foram dois dias de penosa e desgostante leitura. Um sacrifício de obrigação, embora o livro esteja razoavelmente escrito: a tal escrita bem sucedida, mas que não é, em definitivo, literatura. Além de que o enredo das duas novelas é de uma pobreza confrangedora, embora a puxar ao fino, assim entre a Junqueira, Belém e Cascais, de outras eras, fora a serra de Monchique, das termas, e Albufeira, metendo uma Florbela Espanca muito pouco convincente, pelo meio, que até começa a gostar da poesia de Emily Dickinson - imagine-se. Acabei o livro hoje, com grande mortificação das meninges. E achei que bem merecia uma necessária compensação pelo sacrifício. Por isso, retirei da estante um Simenon, para reler. Porque, o gosto e o prazer - sei - serão garantidos. Apesar da ficção...
Depois, foram dois dias de penosa e desgostante leitura. Um sacrifício de obrigação, embora o livro esteja razoavelmente escrito: a tal escrita bem sucedida, mas que não é, em definitivo, literatura. Além de que o enredo das duas novelas é de uma pobreza confrangedora, embora a puxar ao fino, assim entre a Junqueira, Belém e Cascais, de outras eras, fora a serra de Monchique, das termas, e Albufeira, metendo uma Florbela Espanca muito pouco convincente, pelo meio, que até começa a gostar da poesia de Emily Dickinson - imagine-se. Acabei o livro hoje, com grande mortificação das meninges. E achei que bem merecia uma necessária compensação pelo sacrifício. Por isso, retirei da estante um Simenon, para reler. Porque, o gosto e o prazer - sei - serão garantidos. Apesar da ficção...
Bom dia! Um dia destes ouvimos na TV alguém dizer que hoje em dia qualquer um com discurso escorreito e algum conhecimento escreve um livro, junta as palavras acho que foi a expressão usada. Sou fiel aos meus autores favoritos (Simenon-Maigret está nessa lista) e muito raramente compro livros de "autores novos". Prefiro reler, reler, reler! E se não gosto, desisto. Admiro a sua paciência!
ResponderEliminarÀs vezes, confesso, faço batota na leitura e salto uns capítulos mas, de uma forma geral, custa-me abandonar um livro, antes do fim.
EliminarHá, realmente, por aí muita livralhada que acaba nas feiras do metropolitano ou é guilhotinada pela editora, passado um ano. Como é que se publicam destas coisas, é que eu não compreendo.
Como a Paula, também releio os clássicos (Camilo, Eça, Aquilino...), porque não é tempo perdido, nunca. Dos estrangeiros, Cioran, Steiner, Magris, Manguel...
Votos de um bom dia, soalheiro!
Também tenho dificuldade em largar um livro, mesmo quando a leitura é penosa e cada vez mais gosto de me refugiar nos valores seguros, após ter sido levado ao engano. Leio e releio os meus escritores favoritos/livros e depois há sempre esse autor que se descobre e depois desejamos ler tudo dele.
ResponderEliminarVotos de um bom dia!
A persistência que me leva até ao fim é, por vezes, uma pura perda de tempo, mas que se há-de fazer...
EliminarMas também é verdade que houve muitos livros (ultimamente, mais de ensaio ou história) que me deram um enorme prazer de leitura.
Uma boa tarde!
Desconheço o livro/autor em questão, gostei do texto, principalmente do início.
ResponderEliminarPermita-me dizer-lhe que não perde nada em não conhecer.
EliminarObrigado.
Uma boa noite!
Melhor fora eu passar de fininho que dessa senhora só sei o nome. Mas ser uma Ferrante não é fácil. E gosto de ficção. E romance. E biografias romanceadas. E ensaio. E poesia. Mas leio pouco porque tenho de viver ao vivo - umas vezes a cores e outras nem por isso. Em geral, leio todos os livros que compro. Das ofertas que não são a pedido só existe uma pessoa que me acerta nos gostos.
ResponderEliminarClaro que a adolescência é sempre mais generosa: tenra experiência quase virgem de espírito crítico, na sua um pouco cega fogosidade juvenil.
EliminarCaberia aqui, neste poste em que falei de Florbela, celebrá-la ou citá-la, num seu soneto conhecido, de extrema juventude (23 anos?):
"Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além..."