quarta-feira, 14 de março de 2012

Graciliano Ramos, novamente


Já aqui falamos do escritor brasileiro Graciliano Ramos (1892-1953), algumas vezes; e, em 27/10/2011, do livro (Infância, 1945) de que vamos transcrever um pequeno excerto. Repare-se na concisão da escrita, na inteligente obliquidade usada para abordar o facto principal do texto, centrando a narrativa nos pormenores acessórios, para criar o efeito de surpresa, no final. Só um grande escritor, um "clássico" no sentido que George Steiner aplica, seria capaz desta prosa exemplar e enxuta. Segue o pequeno excerto (pg. 140) de Infância:
"Minha mãe adoeceu. Engordou muito na barriga e nos pés, mas as outras partes do corpo ficaram magras. No pescoço o gogó crescia, as bossas da testa avultavam, o vestido subia na frente, cada vez mais se levantava, exibindo as pernas finas como cambitos.
Foi passar meses na fazenda do pai. Antes de curar-se, esteve uns dias de cama, alimentando-se com pirão escaldado e capões que vinham do galinheiro construído a um canto do jardim. E bebia cachimbo, mistura de aguardente e mel de abelha dos cortiços pendurados no beiral do alpendre. Em obediência à medicina bruta do sertão, adicionavam cebola à beberagem, o que a tornava repugnante. Afinal minha mãe largou o chôco. Estava pálida, sem ventre, a saia arrastando, fraca e bamba. E amamentava uma criança chorona. ..."

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