quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Novos caminhos da prosa?


A prosa parece querer assumir, neste século XXI, novos caminhos ou derivas de experimentação, talvez por cansaço ou esgotamento das orientações a que a ficção tinha sido conduzida. A efabulação de ficção-autobiográfica ou a prosa glosada sob o mote de outras artes, como a pintura e a fotografia, parecem assumir ou denunciar algumas dessas vias mais significativas. As viagens, sob um novo ângulo, em que se misturam história, biografia, revisitações de outros autores, diarística e ficção romanceada convocam, por exemplo, Bruce Chatwin, Claudio Magris e Paul Theroux.
Quanto à fotografia, como ponto de partida, mote ou fonte de inspiração, se ela surge esporádica, tímida e um tanto canhestra nos romances de Modiano, vem a ganhar dimensão maior nos livros de W. G. Sebald e, pelo menos, numa das obras mais recentes de Javier Marías ( Vidas Escritas, 2007).
Se neste livro, e na primeira parte, Javier Marías nos dá, por palavras e pequenos episódios, muitas vezes pitorescos, retratos instantâneos de 20 autores, na segunda parte (Artistas Perfeitos), cuja prosa é antecedida de 37 fotografias de cerca de 25 escritores, o escritor espanhol efabula livremente sobre as poses, os tiques observados nas fotos, as expressões, a indumentária usada e as conclusões a que chega a sua imaginação ou fantasia para caracterizar esses artistas. Creio que por aqui anda, ainda que discutível, uma experiência nova e singular de retratar e fazer prosa.



Para ilustrar o que disse, escolhi, dessa segunda parte de Vidas Escritas, o retrato do poeta W. B. Yeats (1865-1939), tirado por Howard Coster, em 1935, que Mariás seleccionou, fazendo-o acompanhar das considerações que lhe consagrou, neste livro. Assim:

Um poeta inegável é sem dúvida Yeats, apesar de na fotografia ter já os cabelos brancos e não ser costume associar facilmente os homens de idade com a produção de versos. Ao observar a sua expressão, vê-se um fanático ou um iluminado, alguém de carácter demasiado forte e convencido de tudo o que faz ou opina, é uma expressão de autenticidade. O cabelo desalinhado salva-o de ser velho e quase parece loiro, dota de movimento e brio toda a cara, é um indivíduo a que sobeja vigor. Mas chamam também a atenção as sobrancelhas mais escuras; e esse olhar invisível, apenas adivinhado por detrás das lentes, faz com que seja realmente com os lábios firmes que olha, como se todo ele fosse tão-só voz. (pg. 267/8)

2 comentários:

  1. Não li (ainda) este livro de Javier Marías, mas gosto imenso da escrita dele, assim como gosto imenso da poesia de Yeats.
    Bom dia!

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    1. Yeats é, sem dúvida, um poeta maior. Este livro de Marías é, pelo seu tema, uma obra interessante, de escrita fluente e límpida, não deixando, no entanto, de tratar - como já o disse aqui no Arpose - de coscuvilhices nobres. Há que não perder de sentido a realidade!
      Mas isso não me tenta a aventurar-me às obras de ficção pura e dura, de Marías. Caí na asneira de, após ter lido "Danúbio", de Magris me tentar a comprar e ler "Às Cegas" e "Causa Improcedente" - dois enormes barretes e obras francamente abortadas.
      Nem todos os escritores conseguem tocar bem todos os instrumentos...
      Bom dia.

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