Ora, ontem, que almocei um saboroso bitoque com ovo a cavalo, num despretensioso e pequeno restaurante, ali para as bandas de Campolide e em boa companhia, resolvi agora falar de escassez, que é coisa que tem faltado a esta temática, aqui no Arpose, felizmente.
O tema foi-me despertado por um curiosíssimo artigo de Laura Freeman, no TLS (nº 6045), em que a articulista discreteia sobre as carências alimentares na Inglaterra, durante o tempo da II Grande Guerra, informando que, de fome ou por desnutrição, em todo o mundo, nesse período de 6 anos difíceis, morreram cerca de vinte milhões de pessoas.
A cronista, em jeito de ironia, afirma também que, nesses anos e no Reino Unido, a literatura inglesa está repleta de "romances esfomeados". Em que Evelyn Waugh, Muriel Spark, Wyndham Lewis e Graham Greene, entre outros, referem saudosamente as mesas fartas de um passado ainda recente, mas tão só re-imaginado. E em que uma refeição com umas esquálidas pernas de frango, nessa época de austeridade, era saudada como um delicioso manjar dos deuses.
O racionamento teria começado em Janeiro de 1940, na Inglaterra, e sobre produtos essenciais: manteiga, fiambre e açúcar. As sequelas da escassez, porém, prolongaram-se para além da II Grande Guerra, atingindo também a carne, em 1954. E, anteriormente, em conversa, bastava falar-se em pêssegos, azeitonas, manteiga (que fora substituída por margarina), arroz, limões e amêndoas, para os circunstantes britânicos começarem todos a salivar...
E eu que tive ontem boa comida em boa companhia, até me lembrei de Evelyn Waugh que dizia, nesse período da II Grande Guerra, não se importar com a má companhia desde que almoçasse boa comida. E senti-me um felizardo por ter tido ambas as coisas, nesse restaurante de Campolide, ontem.
Apelidar alguma literatura que reflete a escassez de alimentos nos tempos da II Guerra Mundial de «romances esfomeados»... :) Lembro-me de ler alguns destes romances, embora não consiga atribui-lhes títulos. E lê-se muito nas memórias ou autobiografias como as pessoas se perdiam por comidas comezinhas, ou por qualquer comida. Épocas que não vivi (felizmente).
ResponderEliminarMas em Portugal havia muita gente que não punha o dente em carne (e muito menos em peixe), a não ser em dias festivos, antes do 25 de Abril. Conheci algumas destas famílias.
Bom dia!
Também achei uma classificação feliz e imaginativa..:-)
EliminarTambém me lembro dessas drásticas limitações alimentares, que eu denomino de fome de séculos e que talvez expliquem esses carrinhos de supermercado a abarrotar que podemos ver, com frequência, nas catedrais de consumo, vulgo: grandes superfícies.
Um bom dia, também.