terça-feira, 25 de outubro de 2011

Rafael Alberti (1902-1999)




Espantalho

Já na minha alma pesavam de tal modo os mortos futuros
que eu não podia dar um passo sem que as pedras revelassem as suas entranhas.

Que gritam e defendem essas roupas retorcidas por exalações?
Sangram olhos de machos atravessados de arrepios.
O céu torna-se impossível entre tantas campas alagadas de setas corrompidas.

Para onde ir com as ânsias dos que vão morrer?
A noite desmorona-se por um excesso de equipagem clandestina.
Louvai o choque eléctrico que fulmina os bandos e os rebanhos.
Um homem e uma vaca perdidos.

Que novas desventuras esperam as folhas, este outono?
Minha alma não suporta já tanta carga sem destino.
O sonho para resguardar-se das chuvas procura uma cabana.
Pela noite de ontem já uivaram as lobas.

Que espero rodeado de mortos no gume de uma aurora indecisa?

Rafael Alberti, in Sermones y Moradas (1929-1930).

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