quinta-feira, 24 de outubro de 2013

arte menor (14)


Deus não amanhece
nunca na fotografia,
só um respiro de morte
se ausenta da folha que renasce.

Um olhar vivo, inesperado,
uma sombra ondulada pelo vento
que projecta
a coreografia inacabada.


Ch., 23-24/10/2013.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Robert Schumann / András Schiff

Uma fotografia, de vez em quando (18)


A fotografia, em imagem, correu o mundo e foi, na altura, um libelo e denúncia, importantes, contra a guerra do Vietname. Instantâneo, captado pelo fotógrafo Eddie Adams, em 1968, ganhou o Pulitzer. Em termos concretos retrata a execução sumária de um prisioneiro vietcongue, por um chefe de polícia do Vietname do Sul, de nome Nguyen Ngoc Loan.
Para o texto que citarei a seguir, deveria dizer que é uma fotografia pré-morte, ou de morte antecipada.
Com a finura mental que lhe é característica, Roland Barthes, no seu admirável "La chambre claire", teoriza sobre o documento de morte que é uma fotografia, quando de qualidade: prova que houve esse momento na realidade, mas jamais vai existir. Mas acrescenta (e passo a traduzir): "Todos estes jovens fotógrafos que se agitam pelo mundo, dedicando-se à captação da actualidade, não sabem que são agentes da Morte. É a forma com que o nosso tempo assume a Morte. Sob o elemento de denegação daquilo que é profundamente vivo, de que o Fotógrafo é de algum modo o profissional. Porque a Fotografia, historicamente, deve ter alguma relação com a «crise de morte», que começa na segunda metade do século XIX; ..." 

Pinacoteca Pessoal 61


Parente menor desta rubrica, embora incluída e prevista no propósito do poste inicial (13/1/2011), a Escultura tem aparecido pouco na Pinacoteca Pessoal.
Hoje, dou lugar, aqui, a Henri Gaudier-Brzeska (1891-1915) que teve vida muito breve (morreu nas trincheiras da I Grande Guerra), mas influência notória nos seus pares.
A sua escultura emblemática, denominada "Cabeça hierática de Ezra Pound" (1914), pertence ao acervo da Royal Academy of Art (Londres) e é talvez a sua obra mais conhecida. O "Pássaro engolindo um peixe" guarda-se na Tate. O francês Henri Gaudier-Brzeska (que adoptou o último apelido da sua companheira polaca) produziu também algumas telas de que se reproduz um auto-retrato.

Adagiário CLX


Chova água, chovam dias, quem o paga é o Matias; água vá, agua venha, não se vai ao mato, vai-se à lenha.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Apontamento 26: Dois pesos, duas medidas



A imagem representa o dia de "tomada de posse" do novo Parlamento Alemão, com uma falta de organização evidente. Sucede que passou um mês desde que a Senhora Merkel ganhou as eleições com meia dúzia de deputados. Mas, por enquanto, ainda não existe governo, facto insólito que muitos não comentam.
A confraria vencedora, CDU/CSU, tem andado em conversações para uma coligação, já que os anteriores partidários da FDP nem sequer tiveram votos para entrar, de novo, no Parlamento. Ao que parece, e passado um mês de "conversas preliminares", tudo se encaminhará para uma "grande coligação" entre a CDU/CSU e o SPD. E o novo governo, senhores ? Para quando ?
Não obstante o "vazio de governo", os anteriores titulares ministeriais ficam em funções. Sucede, no entanto, que o Senhor Presidente da República Alemã entregou, hoje, as cartas de demissão aos ministros do FDP, sem representação parlamentar (!).
Ora, se um tal atraso na formação de um governo sucedesse num outro país da Europa, que avaliação se faria ? Ineficiência, atraso, incompetência, certamente.
Não me parece que a Senhora Merkel tenha adoptado o modo de viver à italiana, embora goste de passar férias na Itália. É preciso reconhecer que, com tamanha ineficiência, o "Império Germânico" não consegue subjugar os "povos vizinhos", cientes do embuste dos pequenos merceeiros a tentar enganar os clientes com ares de sobranceria.

Post de HMJ

Miscelânea para rematar o dia


Umas vezes, a gente procura, procura, e não encontra. Outras vezes, coisas curiosas vêm ter connosco.
Houve um tempo, na minha juventude, em que procurei saber tudo o que havia para saber sobre Stonehenge e, depois, sobre as esculturas colossais dos Moai, na Ilha de Páscoa. Mas não fiquei particularmente bem esclarecido.
Há dias, soube que o obelisco de 25 metros, da Praça de S. Pedro, no Vaticano, tinha vindo do Egipto para Itália, no tempo de Calígula. E que a lenda dizia que ele continha no seu interior as cinzas de Júlio César; outra história referia que o obelisco teria sido erigido, no Egipto, precisamente no local onde S. Pedro teria sido martirizado e morto...
E, hoje, inesperadamente, tive conhecimento que Picasso pediu muitas vezes a Eluard que desse títulos aos seus quadros. Vieira da Silva fazia o mesmo, mas com René Char.

Não por acaso, The Piano Guys


Os rapazes fizeram o vídeo, tendo por paisagem o estado americano de Utah, onde se situa a sede da NSA. Logo de início, em legenda,  aparecem  os nomes de 2 agentes: Nelson e Schmidt - é evidente que não foram postos inocentemente. Por isso aqui ficam estas variações sobre a música de Vivaldi, para fazer companhia ao Irmanzão, e em sequência natural...

NSA = Gestapo + KGB + paranóia ianque


Na imagem, fica o mau da fita ou o chefe do asilo de alienados marcanos. Amovível, no entanto, por qualquer outro paranóico, em breve, mas que seja um pouco mais discreto, como convém às toupeiras.
A Sra. Merkel, calvinisticamente feminina, queixou-se, discreta. O sr. Hollande protestou, afirmativo e clássico. O sr. Cameron, apoucado, engoliu; mas o Presidente do México, latino, fez uma peixeirada sincera e autêntica. Então não é que os ianques estavam a escutar os seus aliados?! Ao menos, se fosse o Sr. Putin ou a China, ainda vá que não vá...  Entretanto, o sr. Obama, na sua sombra escura, sorriu.
Muito embora o paranóico general Keith (Bryan) Alexander deixe, em 2014, a chefia da NSA (National Security Agency), e seja substituído por um louco mais discreto (como é o desejo do sr. Obama), continuaremos quase todos a ser escutados e registados pelos americanos, e traduzidos pelos mórmons poliglotas, para ver se somos perigosos.
Já dei algumas pistas (poste de 21/9/13) para identificar os coscuvilheiros ianques. Aqui vão mais algumas:
- Colorado, Colorado Springs, via adelphia . net IP Adress 69. 171. 224 ou 69. 171. 229, ainda 69. 171. 248;
- Simi Valley (California) IP Adress 199. 30. 20.
E ainda ficam várias em carteira, para uma próxima oportunidade.
(Já sei que, hoje, o Arpose vai ter imensas visitas. Sobretudo, da NSA.)

Regionalismos transmontanos (11)


Derradeiros regionalismos de palavras começadas por A, escolhidos da obra "Dicionário de Transmontanismos", de Adamir Dias e Manuela Tender, que temos vindo a seguir:

1. Atrapar - agarrar. Concluir, acabar. Ultrapassar.
2. Atrecido - encolher-se de frio.
3. Atrombar - comer e beber sofregamente.
4. Augado - o que sente crescer água na boca por lhe apetecer algum alimento. Desejoso. O m. q. aguado.
5. Ausio - o m. q. ousio. Audácia.
6. Azucrinar - o m. q. zucrinar, atordoar, entontecer. Importunar, azoinar.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Thomas Arne / Emma Kirkby


Trafalgar e Turner


Passa, hoje, mais um aniversário sobre a Batalha naval de Trafalgar, ocorrida a 21 de Outubro de 1805, e que sublinha a supremacia da marinha britânica, na Europa. Comandada por Horatio Nelson (1758-1805), que morreu na batalha, a armada inglesa venceu as frotas napoleónica e espanhola, ambas sob o comando do francês Villeneuve.
O sucesso desencadeou, na Inglaterra, uma onda de optimismo patriótico, a que William Turner (1775-1851) não ficou indiferente. Sobre o tema da Batalha de Trafalgar pintou, pelo menos, três telas, onde a contaminação das cores, mais tarde intensificada nas marinhas, não é ainda notória.
Em imagem, duas das obras de Turner: o aceso da batalha e o regresso do navio-almirante "Victory", após a batalha naval.

domingo, 20 de outubro de 2013

Comic Relief (76)


Citações CLVI


A virtude não iria muito longe se a vaidade não lhe fizesse companhia.

François de La Rochefoucauld (1613-1680).

2 ou 3 coisas que eu soube sobre Woody Allen


1. Que os seus heróis de cinema são: Ingmar Bergman, Groucho Marx e Bob Hope.
2. Que o título inicial do filme Annie Hall teria sido "Anhedonia", palavra criada pelo psiquiatra francês Théodule-Armand Ribot para significar "a inabilidade para sentir prazer nas acções que normalmente são agradáveis, e o proporcionam".
3. Que, quando criticaram Woody Allen por ele, nos seus filmes passados em Nova Iorque, nunca incluir personagens afro-americanos, ele ter respondido: "Eu não conheço suficientemente bem a experiência negra, para poder escrever sobre ela, com autenticidade."

O poder avassalador da imagem e da música, sobre a palavra


É um facto que começamos a ver muito antes de aprendermos a ler. E também é verdade que a memória das imagens, embora de natureza mais fragmentária e desordenada, é mais "fácil" do que a fixação memoriada de textos, e até frases.
Mas quantos de nós, ao ouvir falar de "Il Gattopardo" (O Leopardo), antes de pensarmos em Tomas de Lampedusa, lembramos Visconti, Nino Rota, Burt Lancaster, Claudia Cardinale. Mesmo que tenhamos lido, com intenso agrado, a obra-prima do escritor italiano. E a memória sobreleva, indiscutivelmente também, da "Morte em Veneza", o Adagietto de Mahler ou expressões de Dirk Bogarde, em prejuízo das palavras da novela de Thomas Mann.
E, até por cá, o célebre "Ninguém!", do Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett - para quem viu o velho filme português - poderá ficar sombreado pela imagem luminosa de Maria Dulce, muito jovem, ou pelo avultado corpo e voz de João Villaret.

A par e passo 62


Um Francês que escreve encontra no nosso (idioma) recursos e lacunas, facilidades e sobretudo rigores que se vão fazer sentir mais ou menos nitidamente na sua obra. A nossa língua opõe-se muitas vezes a uma expressão imediata do pensamento, e obriga-nos a uma elaboração penosa, sem dúvida, e mais íntima das nossas intenções e impulsos que não é necessária noutras nações. Mas as construções que daí resultam, que não podem ser levadas a bom termo senão através de um conjunto de condições antagónicas, e que exigem tanto da ciência, da lucidez e da vontade persistente como da invenção, dão muitas vezes a impressão de um acordo admirável entre a vida e a permanência, a luz e a matéria, a «forma» e o «fundo».

Paul Varéry, in Regards sur le Monde actuel (pg. 216).

sábado, 19 de outubro de 2013

Alan Hovhaness (1911-2000)

Brincar com o gás


Se por cá, na periferia portuguesa, mal se ouve falar no gás de xisto, nos Estados Unidos e no resto da Europa, ele é objecto de debates acalorados. Para não falar da sua exploração desenfreada nos States, onde a sua quantidade no consumo de gás natural tem já um percentagem de cerca de 20%.
Acontece que a sua extracção hidráulica provoca danos irremediáveis nos solos e poluição intensa nas águas subterrâneas; e há também cientistas que alertam para a possibilidade de intensificação de terramotos.
O Governo francês, avisadamente e apoiado no seu Conselho Constitucional, legislou no sentido da sua proibição mas, em sentido contrário, a Hungria, a Inglaterra, a Alemanha, a Dinamarca, a Polónia e a Roménia, pelo menos, prosseguem os seus projectos de exploração. A coberto (quem diria?) da permissiva orientação do inefável Parlamento Europeu que apenas obriga, celestialmente, a um mero "estudo de impacto ambiental", numa sua vaga directiva...

O ovo da serpente


Repare-se no cuidado de quem dá e no carinho de quem recebe.

Catorze versos de Nemésio


Soneto Coimbrão

Levantou-se o clamor das prostitutas
(Não o digo por arte decadente),
Verdadeiro clamor que, de repente,
Acorda o eco em maré alta às grutas.

Lá se chamaram mutuamente frutas
Do pomar, e outros nomes. Comovente!
No Terreiro da Péla ainda se sente
O picante sabor destas disputas.

E, entretanto que a noite refluiu
Outra vez ao silêncio começado
E de novo as janelas entanguiu,

As perdidas mulheres cantam o fado.
Eu penso nestas coisas, debruçado
Sobre as águas poéticas do rio.

Vitorino Nemésio (1901-1978), in Versos de Coimbra.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Em sequência musical adequada


Em relação com o poste sobre John Le Carré, a música de Sol Kaplan (1919-1990), que acompanhava o filme "The Spy who came in from the Cold" (O Espião que veio do frio), realizado, em 1965, por Martin Ritt, e baseado no romance homónimo do Escritor inglês.

Recomendado : quarenta e três - John Le Carré


A propósito da recente saída do último livro de John Le Carré (1931), o "Obs" (nº 2554, de 17/10/13) fez-lhe um oportuna entrevista, na sua casa da Cornualha.
O Escritor aborda, com objectividade e crueza, a política e situação mundial, traçando retratos realistas e impiedosos de alguns políticos (Blair, Bush, Arafat...), mas não só, embora a literatura não seja o prato de resistência.
Altamente recomendável, esta entrevista de 7 páginas, para quem leia o francês e goste da obra de John Le Carré. Não dará, com certeza, o tempo por mal empregue.

Assobiar para o lado


Sempre achei uma suprema hipocrisia, a denúncia acrisolada do trabalho infantil, na primeira página dos jornais ou no prime time televisivo e, ao mesmo tempo, a apologia descarada, em desfiles de moda, de modelos infantis. E, que me lembre ou tenha conhecimento, nunca vi esta ambivalência ética desmascarada.
Nem o facto de, em muitos casos, serem os próprios pais dos menores a incentivarem esta prática, aproveitando-se, descaradamente, dos benefícios. Para não falar do que se passa com as telenovelas... A própria lei, como tantas vezes, é ambígua: se condena um dos casos, absolve ou esquece o segundo, assobiando para o lado.
Não será, por acaso, a mesma coisa?

Amanhecendo


Amanhece à Turner, com pequenas diferenças de tonalidades, por entre o laranja e os azúis: claro e cinzento. Há pequenas linhas brancas que também podem ser de algum avião esquecido, que passou. Mas vão-se desfazendo em espuma aérea. E as águas do Tejo vão lisas e calmas, num prateado pálido com leve neblina.
No telhado em frente, uma pomba fulva veio inspeccionar e ver nascer o Sol. No vão triangular, por entre as casas, um veleiro magnífico, de 5 mastros nus, entra soberano pelo rio, deslizando elegante pelas águas.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Estes revisores de jornais...


De História, sou apenas um interessado amador ignorante e, por isso, confesso que fiquei extremamente baralhado ao ler, no jornal Expresso (suplemento Atual) de 5 de Outubro, uma entrevista a um reputado historiador, catedrático mas também romancista de horas vagas, sobre a controversa figura do Infante D. Henrique. Vou citar (sic):
"...Em 1522 começa (D. Henrique) a enviar homens para tentarem passar o Bojador.";
e, na página seguinte da Atual, aparece:
"O infante só recebe Sagres em 1493, nove anos depois de Gil Eanes ter passado o Bojador."
Vou ter de consultar alguma das Cronologias de Fernando de Castro Brandão para desfazer o nó da minha dúvida. Em História, sempre gostei da claridade dos textos. 
Malditos revisores!

Franz Schubert / Sviatoslav Richter

À boca de um tempo feio


A Primavera, em grande parte do Brasil, deve estar visível e pujante, porque os migrantes jacarandás, no Rossio, já começaram a florir, timidamente, por entre a filigrana verde da intensa ramaria - não perderam a memória, que os faz florir por duas vezes, todos os anos, em Portugal. Abençoados sejam, na sua alegria!
Foi esta a minha visão mais feliz do dia, hoje. Que o resto é usura, sujeição, mediocridade, secura de pele e alma, pequenez, horizontes cerrados. Um "tempo feo", de que falava, a propósito de um quadro seu, o pintor espanhol Manolo Millares.

Roland Barthes, sobre Fotografia


"...Ora, desde que eu me sinto olhado pela objectiva, tudo se altera: eu constituo-me na perspectiva de «posar», fabrico-me instantaneamente noutro corpo, crio uma metamorfose antecipando-me à imagem. Esta transformação é activa: eu sinto que a Fotografia recria o meu corpo ou que o mortifica a seu prazer (apólogo deste poder mortífero: alguns homens da Comuna pagaram com a vida a sua complacência em posar sobre as barricadas: vencidos, eles foram identificados pelos polícias de Thiers e quase todos fusilados). ..."

Roland Barthes (1915-1980), in La chambre claire (pg. 25). 

Filatelia LXXVI


É o que se poderia chamar: uma multiplicação régia... 22 isabéis, é obra! O que vale é que há mais dois selos, para quebrar a monotonia. Recebi, ontem, este insólito envelope franqueado, da Inglaterra.