Será porventura uma Antologia mais extensa do que o habitual, mas Camilo Castelo Branco (1825-1890) foi, como se sabe, um autor muito prolífico, e bem merece. Aí vão os excertos:
A mentira no romance é uma nodoa, que nausea o publico ilustrado. Alexandre Dumas, escrevendo um romance intitulado «Martim de Freitas», obrigou este heroe a desembarcar em Mafra, nomeou-o alcaide do Castello da Horta, e fez nascer D. Sancho II na Palestina, onde foi baptisado por um tal monsieur d'Evora, arcebispo de Leiria! É uma cornucopia de asneiras este litterato, falando de Portugal.
(Scenas contemporaneas, 2ª edição, pg. 136)
Disse-me que em 18 mezes de namôro apenas lhe dera um osculo. Acreditei. Era assim que se amava em 1845. Os mais atrevidos davam dois osculos.
(Maria da Fonte, 1ª edição, 1855, pg. 361)
A respeito da assignatura pouco legivel dos reis constitucionaes, quer caligraphica quer orthographicamente, padre Casimiro póde citar o exemplo de um querido rei absoluto que, chegado á adolescencia, assignava-se Migel, num bastardinho de traslado com finos e grossos tão claros e legiveis que logo se conhecia que as cinco lettras diziam Miguel.
Já o seu inclyto avô, o snr. D. Affonso VI apprendêra a fazer o seu nome quando casou.
(Maria da Fonte, 1ª edição, 1885, pg. 387)
... e, a este proposito, repetiam as memorandas palavras do senhor Ferrer, lente de direito natural (Coimbra), aos seus discipulos: «meus senhores, quem não puder ser doutor, seja sapateiro.»
(Estrellas Propicias, 1ª edição, pg. 18)
A mãe de Tiburcio, assim que o padre transpoz a porta do carro, fez um trageito de ante-braço e mão que lá chamam «manguito». É um gesto anguloso que exprime mudamente todos os desdens e ironias figuradas da rethorica; não se acha assignalado como indecente nos compendios de civilidade, mas ainda não está bastante usado em desavenças de deputados nas salas das sessões onde se fazem as leis e os manguitos para a nação; usa-se, todavia, nas aldeia como expressão de solercia e fina velhacaria.
(Narcoticos, 1882, I, pg. 150)
Ninguem corteja, em distracção, um homem que apresenta letras de cento e vinte contos. A presença d'um millionario ensina mais cortezia que um compendio de civilidade...
(Vingança, 4ª edição, 1907, pg. 15)
Excertos bem escolhidos. Não me lembrava (porque certamente me passou pelas mãos) que Dumas tinha escrito um livro intitulado Martim de Freitas.
ResponderEliminarBom dia!
Camilo é um manancial..:-)
EliminarBoa tarde.
Também gostei sobretudo da primeira. Os estrangeiros a escrever ficção sobre Portugal são geralmente péssimos, pelos vistos, Dumas incluído. Bom dia!
ResponderEliminarNão investigam, por preguiça...
EliminarBoa tarde.
Mas não é só sobre Portugal. Li um livro há uns tempos que falava num eucalipto na Palestina no tempo de Jesus. É por isso que ou se faz ficção (muito inventada), ou se escreve sobre o que se conhece, ou se investiga, ou se arranja um bom revisor... Ou talvez tudo. Bom Sábado!
EliminarEfabulação por efabulação, distorcida, mais vale fazer como o Gonçalo M. Tavares que plagia ideias de autores conhecidos, para não ter muito trabalho e não ter de pensar demasiado...
EliminarO Eugénio Lisboa é que não lhe perdoa e, de vez em quando, racionalmente, lhe dá umas tosas bem merecidas, no toutiço.
Um bom fim-de-semana.