segunda-feira, 30 de abril de 2018

Revivalismo Ligeiro CCLXXIX

Agora, e no ano em que a Academia Sueca encara a hipótese de não atribuir o Nobel da Literatura, numa espécie de purismo, rigor e retrocesso arrependido, façamos as pazes com o Zimmerman...

Making of


Fala-se pouco dos bastidores de Blogues, mas eu gosto de os abordar, até por uma distanciação e dessacralização de perspectiva de tudo aquilo que, também, faço ou vou fazendo.
Se há rascunhos que aguardam, há muito, no limbo do Arpose, a vez de publicação, outros postes há, imediatistas, cuja feitura coincide com a sua própria publicação. Ou por que era premente partilhá-los, ou por catárse pessoal e indignação sentida, na sequência de factos exteriores.
Ao longo destes já quase nove anos que o Arpose leva de vida, verifico que há muitos postes que eram escusados, outros de que me arrependo um pouco de terem sido publicados, outros, ainda e felizmente, mas muito mais raros, que mantém a sua perene actualidade.
Os balanços permitem sempre avaliar um perfil. Ligeiro, denso, emocional, cultural, reflexivo, banal. E, muitas vezes, definir uma idade. Por exemplo, pelas escolhas musicais do administrador, que balizam - na fixação do gosto - os 20/30 anos de quem as faz.

domingo, 29 de abril de 2018

Auden e o romance policial


É interessante constatar que vários poetas conhecidos e celebrados (entre nós, Fernando Pessoa é o caso mais exemplar) eram leitores e se interessavam por romances policiais. Não me recordo, no entanto, de muitos que tenham abordado a temática, de forma aprofundada. W. H. Auden (1907-1973) é uma excepção. No seu livro de ensaios, The Dyer's Hand, dedica nove páginas ao assunto, com vários sub-capítulos, abordando: O Meio, A Vítima, O Assassino, Os Suspeitos, O Detective... Sobre esta última personagem de ficção, elege os seus detectives preferidos: Sherlock Holmes (criado por A. Conan Doyle), o Inspector French (Freeman Wills Croft) e o Padre Brown (G. K. Chesterton).



Curiosamente, Poirot (criado por Agatha Christie) não é referido, e Philo Vance (S. S. van Dine) e Lord Peter Wimsey (Dorothy L. Sayers) são descartados, por excessivamente presumidos (priggish). Quanto a mim, Sherlock Holmes incorreria no mesmo pecado. Auden diz ainda que: " In his sexual life, the detective must be either celibate or happilly married" (pg. 111) - o que achei, no mínimo insólito, mas interessante.



Estranhei também que Maigret (Simenon) nunca fosse referido no texto.
Mas estarei de acordo naquilo que será um dos motivos de atracção dos leitores pelos romances policiais, segundo Auden: " I suspect that the typical reader is, like myself, a person who suffers from a sense of sin" (pg. 114).
No fundo, e em certo sentido, a noção íntima e enraízada do conceito de pecado original, de que a Bíblia se faz eco, nas figuras ancestrais de Adão, Eva e de Caim.


sábado, 28 de abril de 2018

Certificado de garantia...


... da Primavera. Ontem. A chuva é apenas um acidente natural. Também.

Um documento humano de uma vida : Yehudi Menuhin (1916-1999)


Evito, habitualmente, colocar no Arpose vídeos de grande duração, porque suponho que o tempo dos cibernautas visitantes não se compadece, por norma, em assistir durante muitos minutos, por exemplo, a uma sinfonia completa ou a um debate mais prolongado. Basta ter em conta o tempo médio de visita, para concluir, sem hesitação e concretamente, tal facto.
( Creio mesmo que a celeridade e impaciência de passar a outra coisa é o que caracteriza este nosso tempo.)
Por uma vez, abro a excepção. Sobretudo para mim e para ter arquivado, no Blogue, este documento.
A entrevista é acompanhada, intermitentemente, pela Nona, de Beethoven. Que não esbate o testemunho das palavras de Menuhin, antes o sublinha, na sua importância indiscutível.
Com a duração de cerca de 45 minutos, o vídeo é legendado em português.
Quem me quiser acompanhar na audição, faça favor!

P. S.: retenho, desta entrevista, uma resposta de Yehudi Menuhin. Quando  lhe perguntaram o que terá perdido Israel, ao constituir-se em  Estado, o  grande violinista responde: "A inocência."

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Ainda Abril


O problema de qualquer efeméride é não podermos, a partir de certa altura, falar dela com palavras novas e reflexões originais. Corremos o risco de nos parafrasearmos e tudo soar a um eco ou ladainha que parecem falsos, na sua expressão. Tal como o uso abusado que muita gente faz dos amei e adorei, para comentar o gosto que dizem ter por um livro, um filme, um poste, uma fotografia, mesmo que banais. Num derrame que, parecendo emocional, nada acrescenta ou significa, verdadeiramente.
Talvez por isso, e porque seria impossível eu não celebrar, aqui no Arpose, o 25 de Abril (até por o ter vivido), é que evitei, no poste alusivo, juntar-lhe palavras. E fazê-lo apenas através de duas fotografias de Carlos Gil e de uma canção de José Afonso. Comedidamente.

Recuperado de um moleskine (30)


... em discretos pés de lã, mal pressentidos, os pequenos felinos silenciosos inspeccionam os recantos, vigiam o seu próprio espaço, assegurando a sua posse, e deslocam-se, subtis, por toda a casa. Mais raramente há um arrufo entre eles, com ameaça levantada de patas em que as unhas se descarnam como lâminas afiadas.
A Miki vem recolher dos humanos, ciclicamente, algum afago, ou com blandícia vem rodear e roçar as nossas pernas, de rabo alçado como se fora uma cobra vertical em contorções medidas. De todos, só Il Divo (assim o nomeio, para mim) totalmente nos ignora, olímpico e distante. Assumindo uma postura altiva e imponente, a que o seu pêlo angorá, e a enorme mancha branca, no peito, dá contornos de juba leonina em miniatura. Domésticos e domesticados, quase nunca miam.
Só o ruído longínquo da tempestade, se se repetirem os trovões, poderá perturbar a sua segurança altiva, transformando-os, por momentos, em simples gatos ansiosos, possuídos pela desordem das emoções, a que nem a presença dos humanos dá qualquer serenidade animal, em relação à Natureza.
Eles lá saberão porquê...

quarta-feira, 25 de abril de 2018

terça-feira, 24 de abril de 2018

3 fragmentos de Valéry, traduzidos


A polidez, é a indiferença organizada.
O sorriso é um sistema.
Os pontos de vista são previsões.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Sobre o Livro e a Língua portuguesa


Data consagrada, por altas instâncias misteriosas, hoje, como Dia Mundial do Livro, aceito de bom grado a efeméride, com naturalidade e simpatia.
Se me fosse perguntado qual o livro que mais frequentei, ao longo da minha vida, não teria dificuldade em afirmar que terá sido o Dicionário português, de Francisco Torrinha, na sua edição de 1945, e que, por esse motivo de tanto manuseamento, se encontra em paupérrimas condições, como se poderá ver pela imagem acima. Se, de há uns tempos a esta parte, o considero bastante desactualizado, preferindo-lhe o Houaiss, ainda o consulto muitas vezes. Até por que evito, sempre que posso, utilizar estrangeirismos que são, para mim, a abominação do economês e de muita gente beata do léxico informático. E não só, que os diplomatas também fazem gala em entremear de expressões alheias as suas discursatas, para mostrar que têm mundo. Bem como os novos cozinheiros e uma pretensa elite cultural, para alardear o seu cosmopolitismo - o que não deixa de ser saloio e paroquial...
Sempre achei que não é necessário usar estrangeirismos para dar mais força às nossas convicções e pensamento. É preciso é saber usar bem, e com legitimidade, a nossa muito rica língua portuguesa.



Voltando aos livros. Se o dicionário foi o livro mais consultado por mim, há também livros que frequento com persistente  assiduidade, de que elejo, em poesia, As Obras de Sá de Miranda  e os Poemas, de Eugénio de Andrade. Por vozes originais ou porque escreveram, em português de lei, magnífica poesia. A que poderia acrescentar, por admiração e gosto, Camões, Nobre, Cesário, Pessoa e Pessanha. A pequena distância, poderia incluir também Sophia e Sena, sem dificuldade.



Quanto a prosa, seria mais restritivo, mas escolheria, como preferidos, um livro de contos de Jorge de Sena e Directa, de Nuno Bragança. Mas também volto, periodicamente, a A Casa Grande de Romarigães, de Aquilino, e a Os Maias, de Eça de Queiroz. Para falar apenas de autores nacionais.
E é tudo o que me apraz dizer, neste Dia Mundial do Livro.

Johannes Brahms (1833-1897)


domingo, 22 de abril de 2018

Sem título


Não valerá a pena iludirmo-nos sobre a independência dos orgãos de comunicação social portugueses. Neles predomina, por várias razões, o pensamento único, o célebre TINA de não há muitos anos. Que era apoiado, acéfala e fanaticamente, pela gentinha e jornalistas desta nossa terra sem imaginação, nem pensamento próprio. Longe vão os tempos em que havia possibilidade de escolha jornalística entre o Diário da Manhã, o DN, o DL e A República, por exemplo. Hoje, a diferença entre canais televisivos, ou entre jornais, não existe. Todos se regem pela mesma cartilha, todos se clonam, na babugem dos dias, pela mesma cruzada de uma nova gente (velha) mercenária e subserviente ao poder dominante ou oculto de interesses.
Daí, que é útil e refrescante, ler a crónica de Vicente Jorge Silva, hoje, no Público. Até por uma questão de sanidade mental e pelo sagrado direito à diferença. E para termos em conta a suja promiscuidade e os negócios que hoje se fazem entre os agentes do poder judicial, que vendem a informação, como, ontem, faziam os colaboradores da P. I. D. E.

Filatelia CXXIII


Dificilmente saberemos, um dia, aquilo que Isabel II pensa da vida e do mundo. Ou mesmo do Brexit. E, embora, num tom irónico de um documentário que vi, recentemente, o jornalista refira que, em relação à biblioteca da Rainha, os livros parece não terem sido mexidos nos últimos 40 anos, dou o benefício da dúvida de que Isabel II, do alto dos seus 92 anos e da sua experiência de 66 anos de reinado, alguma sabedoria terá adquirido. Mesmo que leia pouco e que veja muita televisão. A crise do Suez (1956), a guerra das Malvinas (1982), a morte de Diana (1997), tê-la-ão, decerto, feito reflectir um pouco, pelo menos.



Também o Royal Mail sofreu profundas alterações, de 1952 até hoje. De uma gestão equilibrada em emissões de selos, gradualmente, passou a uma desenfreada política comercial, que se iniciou bem antes até da sua privatização. Por uma questão de justiça, refira-se a grande qualidade gráfica que se tem mantido, por entre ventos e marés, nas séries dos correios ingleses. Não creio que Isabel II tenha tido grande influência neste facto, muito embora a colecção filatélica da Casa Real britânica seja considerada como uma das mais completas e melhores do mundo, graças à paixão e empenho que Jorge V (1865-1936), seu avô paterno, distinto filatelista, lhe consagrou.




Hoje, data do aniversário de Isabel II (21 de Abril de 1926), o Royal Mail não se esquecerá, com certeza, de celebrar o facto, com uma condigna emissão de selos, alusiva à efeméride.


sábado, 21 de abril de 2018

Comic Relief (140)

O  pensamento realista abaixo transcrito não me chegou do PAN. Mas foi-me enviado pelo meu amigo C. S., a quem agradeço.
Segue:

Aquele que, ao longo do dia, é activo como uma abelha,
forte como um touro,
trabalha que nem um cavalo
e que, ao fim da tarde, se sente cansado que nem um cão,
deveria consultar um veterinário porque é bem possível que seja burro...

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Aquisições recentes


Ando em maré de folhetos, porque eles têm aparecido em variedade e quantidade: entremezes, sermões, éclogas setecentistas, epicédios... Dum último lote, que triei, eles vinham muito manchados, mas com boas margens para encadernar. Escolhi uma Instrucção Pastoral do Bispo de Beja, Frei Manuel do Cenáculo (1724-1814), iluminista e mecenas, que escrevia muito bem, em português de lei. O opúsculo, de 22 páginas de papel encorpado, foi editado em 1792, para celebrar o futuro nascimento da infanta Maria Teresa de Bragança (1793-1874), primeira filha de D. João VI e de Carlota Joaquina. As últimas páginas do folheto intitulavam-se Preces na Expectação do Parto e incluiam orações orignais, para serem rezadas.



Do segundo folheto, de 8 páginas, pouco há a dizer. Não conheço o seu autor, Jacome Tenorio Francofin de Assis, que se intitulava Mestre em Artes, e se propunha, em filosofia barata, argumentar e elogiar as virtudes maiores dos portugueses da sua época, destacando o Juizo, como essencial nos homens, e a Formosura, imprescindível na mulher. O que me fez lembrar um conhecido dístico inicial, de um poema de Vinicius: As muito feias que me perdoem/ Mas beleza é fundamental... Politicamente incorrecto, nos nossos dias, há que dizê-lo...
O prefácio é, no entanto, curioso. Ainda com ressaibos barrocos e algo chocarreiro, no estilo:



Este último folheto foi impresso em 1763, na tipografia de Ignacio Nogueira Xisto (Lisboa). E houve, recentemente, um exemplar igual vendido no Brasil (Levy Leiloeiro), considerado "raro", que foi arrematado por R$ 210.
Não posso dizer que tenham sido caros, os dois folhetos aqui apresentados. Muito embora estejam ambos muito manchados de humidade.


3 motes para uma causa


Duas transcrições repescadas de há dias:

1.
Este mundo (editorial) definhou. Coisa que Saramago previu, no seu pessimismo ontológico, a propósito da morte do romance. Definhou sobretudo por duas razões, uma paroquial e outra cosmopolita. A paroquial é simples. Os editores começaram a publicar o sabor do mês, a jovem promessa, e os críticos a considerar génio todo o autor ignoto que não lhes ameaçasse a sapiência ou preponderância. O mundo literário povoou-se de nulidades que criaram a sua legião crítica.
Clara Ferreira Alves, in A Seita (Expresso, 7.4.2018).

2.
Estava portanto arrumada, por insuficiente, a hipótese etária, quando me recordo - maldita memória! - de um autor de nome minúsculo que confessou enervá-lo Herberto Helder; "por isso não está neste livro".  E porque o enerva Herberto Helder, a ponto de eliminar do tal livro um texto em que o nome deste aparecia? O motivo veio nos jornais: "...Herberto Helder não era acolhedor. Cheguei a falar com ele por telefone umas duas vezes e até lhe bati à porta - teria uns 26 anos -, e falámos pelo interfone. Não abriu a porta nem me quis receber".
Ana Cristina Leonardo, in Primeiro foram as Padarias, depois foram as Livrarias (Expresso, 7.4.2018).

E, já agora, deixem-me meter a minha colherada!

3. Reparem-me nestes dois "tesourinhos deprimentes" que foram editados, tendo como títulos:

- 25 Gramas de Felicidade,
- O cancro não gosta de beijinhos,  

por duas editoras(?) portuguesas, provavelmente ronceiras e muito mal amanhadas. Mais uma vez, por caridade, evito referir o nome dos autores de tais obras salvíficas.


Querem mais títulos?

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Félix Godefroid (1818-1897)

Na coerente sequência temática do Turismo, por indirecta associação, lembremos o belga Félix Godefroid e o seu Carnaval de Veneza, muito bem interpretado por Catrin Finch.
Quanto à bela cidade italiana do Adriático, bem mais martirizada de turistas de calção, do que Lisboa, já só conta com 50.000 naturais residentes. O resto são turistas estrangeiros que lá passam, em média, uma semana por ano, em casas que foram comprando, a preços proibitivos para o veneziano comum.

Até já nos fazem publicidade, à borla...


..., como se não bastassem os que nos chegam, quais aves de arribação, tocaiados pelas agências de viagens chungas, de todo o mundo. Hoje, estão acostados 2 grandes paquetes, no Tejo. Amanhã, chegam mais 4, um dos quais, paquidérmico, com capacidade para 3.500 turistas de calções e bonés.
Em subtítulo, Le Monde alicia: Fiscalidade ligeira, qualidade de vida, efervescência lusitana. De há dois anos a esta parte, o número de franceses multiplica-se...
Tal como as rendas e os preços das casas, aliás.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Blogues e Comentários, algumas observações polémicas ou politicamente incorrectas


Há palavras que são, inexoravelmente, finais e fatais num diálogo. Comentários a postes que barram a possibilidade de quaisquer acrescentos posteriores, de relevância útil. Pela inteligência dessa observação, definitiva, mas também, às vezes, pela estultícia despropositada do comentário desencontrado. Neste último caso, uma espécie de tiro ao lado, ao poste a que são dedicados. Que não tem em conta a questão essencial da postagem,  talvez por dispersão do raciocínio da visita, ou por que ela se concentra em minudências secundárias, que apenas fazem parte da moldura envolvente do assunto que se quis abordar. Também a ironia, de que se usou, pode tornar-se numa floresta de enganos, para o visitante distraido ou desprevenido. Há também outras origens para estes despropósitos.
Porque há muita gente que gosta de se ouvir, em vez de querer, honestamente, dialogar.
Frequento, com alguma regularidade, um Blogue de que não sou seguidor oficial. É feito por uma figura pública conhecida, que também frequenta jornais e canais televisivos, como cronista bissexto e comentador encartado de questões políticas. A menos que os postes que publica sejam de natureza reflexiva, as suas postagens, sobretudo de ordem política, concitam inúmeros comentários, maioritariamente, reaccionários, alarves e, algumas vezes, a rondar o insultuoso. Acresce o facto de serem anónimos, quase sempre. E de serem, como comentários, meros tiros ao lado, de baixo mau gosto... Mas também por lá existe muito comentador entusiástico e redundante, que aplaude sempre, seja o que for, em pura pose de subserviência activa e acrítica.
Por outro lado, o administrador desse Blogue, numa magnânima postura democrática (?) tudo permite e publica. Talvez para seu próprio gaúdio circense, numa pose altaneira de manipulador de marionetas. Não deixo, no entanto, de pensar que esse Blogue fica absolutamente diminuido em qualidade, por essas rémoras parasitas, que lhe sujam o dorso... Mas o Diplomata é que sabe, as linhas com que se cose, em sua casa.

George Steiner : a teoria da omissão

O silêncio, a dúvida e a procura também podem ser um sinal de sabedoria.

terça-feira, 17 de abril de 2018

Glosa 12


Diz, quem sabe, que as árvores fixam a terra e consolidam os terrenos.
Os livros dão vida e eternizam a língua, dando-lhe a existência material que a oralidade não consegue, inteiramente. Daí a importância de Chaucer ou de Fernão Lopes.
Só depois poderemos amar e respeitar a sua pureza, perservando-a, ou, volúveis, a podemos abastardar, enxameando-a de ervas daninhas, estranhas e alheias.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Pinacoteca Pessoal 134


Não será um inovador, este triestino que retratou, fielmente, grande número de italianos célebres, sobretudo figuras importantes da Música do seu tempo. Arturo Rietti (1863-1943) fixou nas suas telas os rostos de Donizetti, Puccini e Toscanini, entre outros. Bem como a alta burguesia italiana da época.
Se nos seus quadros o figurativo predomina, o vago e o abstracto apenas aflora o fundo das telas, de forma a não desfigurar, excessivamente, a identificação e a expressão humana dos seus modelos.


Admirador de Degas, Rietti, a partir da ascensão de Mussolini, destacou-se pela sua posição anti-fascista, que o veio a prejudicar, profissionalmente.

A fechar este poste, não quero deixar de reproduzir um dos seus retratos mais bem conseguidos, na minha opinião. Que é o do maestro Arturo Toscanini, pertecente ao museu do Teatro Scala, e que terá sido executado por volta de 1906.


domingo, 15 de abril de 2018

Osmose 92


Ando à volta de um manuscrito de António Diniz da Cruz e Silva (1731-1799), que adquiri no ano passado. Não será um autógrafo, mas é com certeza um documento do século XVIII. O meu zelo e cuidado vai todo no sentido de ser exacto e essencial, no poste que fizer e, por isso, não será para amanhã que ele irá ser publicado no Arpose. Por outro lado, o Poeta-juiz é dos poucos vates portugueses de minha estimação fiel, há muito tempo. Raro eu descia as Escadinhas do Duque (Lisboa), sem me lembrar dele, que lá morou, segundo nos informa Júlio Castilho. Depois, sempre considerei que é um poeta português subavaliadíssimo. Tem, por exemplo, umas Metamorfoses, escritas no Brasil, muito interessantes, para além de 4 ou 5 sonetos, dos muitos que fez, que vale a pena ler. Da ignorância sobre a sua obra, basta falar de alguns poemas que António José Saraiva, descuidadosamente, atribuiu a Garção, na edição dos Clássicos Sá da Costa...
É um poste, se vier a sair, que - prevejo - dificilmente terá comentários de visitantes do Blogue. A inter-acção, entre nós, é o que é. Mas isso, pouco me preocupa. Interessa-me sobretudo pôr em ordem algumas ideias que tenho sobre Elpino Nonacriense, o grande dinamizador da Arcádia Lusitana. E que, na sua vertente de magistrado, no Brasil, teve de julgar alguns amigos, também poetas, implicados na Inconfidência Mineira. Importa-me, também, tentar perceber melhor o Homem, para além do poeta, que estimo.

sábado, 14 de abril de 2018

Mercearias Finas 129


De caça, à mesa, não me posso inteiramente queixar. Tenro em idade, pelo Outono, apareciam lá em casa, de ofertas de caçadores amigos, tordos, pombos bravos, perdizes, e, de exemplares terrestres, mas também ligeiros, vinham à mesa, lebres e coelhos silvestres, de fino sabor. Tive a minha conta.
Parcimonioso, embora, o almoço de hoje compôs-se de um afinado ragoût de veado com cantarelos, acompanhado por massas frescas e um Dão tinto Santo António (Touriga Nacional, Tinta Roriz e Alfrocheiro) de 2014, que se portou competente para a sua responsabilidade gastronómica.
Ao vivo, em Mafra e na sua Tapada, me fartei de ver veados à solta, enquanto eu andava aperreado na minha aprendizagem militar, pouco antes de Salazar ter caido da cadeira. Mas aos ditos bichos, só os provei, em bifes, por volta de 85, vindos de Massamá, de uma quinta pioneira em criação de caça que, hoje, se calhar, chamariam startup, para ganhar estatuto...
O javali veio ter ao meu currículo gustativo depois do 25 de Abril, numa ida propositado a um restaurante simpático dos subúrbios das Caldas da Rainha. Não desgostei, mas também não fiquei avezado, nem cliente. Já nos anos 90, chegaram os faisões, as galinholas e as avestruzes que, uma vez provados, posso dispensar tranquilamente e sem sacrifício.
Fiel, fiel, mantenho-me às perdizes, que o Sr. Pereira, exímio caçador lá entregava em casa e que a Maria, profissional de gabarito, preparava com afecto extremoso. Ave especiosa, se selvagem, que o Abade de Jazente  (1719-1789) celebrou. Em soneto, e para sempre.
Que aqui deixo, pelo seu tom bem humorado:

Eu bem as vi, mas foi, Rocha erudito,
arrojar tão de chofre d'entre o mato,
que o caçador um pouco estupefacto,
em lugar de atirar-lhes, deu um grito.

Passaram-se depois a tal distrito,
d'onde apenas trepar podera um gato;
sem falar no desconto de um regato,
que resiste inda aos saltos de um cabrito.

N'isto chegou a noite; e ao outro dia,
ou porque o cão levava maus narizes,
ou porque alguma velha nos benzia,

corremos sem topá-las mil paises.
Bem sei que isto ao primor me não desvia,
mas esta é toda a história das perdizes.

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Uma canção tradicional irlandesa

Da canção Siúil a Rún não se conhece a sua data de origem, mas é referida por Joyce no seu Ulysses.
O vídeo foi filmado na Torre Museu de James Joyce, em Dublim (Sandycove). Nela se guardam alguns pertences pessoais do escritor irlandês, que lá passou uma semana, em 1904. Nomeadamente, a sua guitarra, que John Feeley utiliza na execução desta canção tradicional.

quinta-feira, 12 de abril de 2018

A propósito de uma gravura de Dürer


Acédia, melancolia, spleen, tédio - diferentes palavras para expressar um quase igual sentimento. O rigor da caracterização pode, no entanto, identificar melhor a riqueza do sujeito que a utiliza, pela variante que preferiu. Baudelaire abusou do spleen, Cioran optou por acédia. Albrecht Dürer (1471-1528), talvez mais complexo, criou, em gravura, a imagem que quase todos nós conhecemos, em 1514. E, com simplicidade clássica, deu-lhe o nome de melancolia.



Das gravuras do grande pintor alemão, é talvez a mais difícil de descriptar, pelos inúmeros motivos circundantes que envolvem o anjo melancólico, à direita. Desde os símbolos geométricos, ao relógio, ao sino inesperado, ao vago Sol distante, com arco-íris circundante. O quadrado mágico de 16 números é, porém, o elemento que mais tinta fez correr, porque somados na horizontal ou na vertical, bem como em diagonal, os algarismos somam sempre 34. Na última linha, ao centro, a data de execução da gravura: 1514.



De tal modo famoso este seu trabalho, acabou por inspirar vários artistas vindouros, que, apesar de tudo, não atingiram a perfeição de Dürer. Mas Cranach, o Velho, no quadro homónimo, andou lá  por perto.

Portugueses, segundo Antonio Tabucchi (1943-2012)


Há nos portugueses, um veio pícaro forte, um escárnio sempre presente, uma maldadezinha, um tom mais baixo, rabelaisiano.

Antonio Tabucchi, em entrevista (2000) a Maria João Seixas.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Memória 121


O TLS atingiu, com a sua penúltima publicação (30/3/2018), o surpreendente número de 6.000. Iniciando a sua vida em 17 de Janeiro de 1902, será, porventura, em todo o mundo, um dos mais antigo jornais literários, em actividade permanente. E, no entretanto, foi consolidando a sua excelência, quer em isenção, quer em qualidade. Para já não falar dos seus inúmeros colaboradores, altamente especializados.



Para celebração da efeméride, foi editado um número especial que traz, na capa e contracapa, a imagem (desenho) de alguns dos mais importantes escritores, artistas e criadores do século XX, de todo o mundo. São 28 personalidades de um cânone consensual e que vão de Yourcenar a Neruda, de Ted Hughes a Orwell, de T. S. Eliot e Auden a Scorsese.
Destaco, como curiosidade, o facto de o primeiro retratado ( na capa) ser Camus (algarismo 6, do número seis mil, em imagem). Não consigo imaginar, uma revista francesa da especialidade, celebrando uma efeméride semelhante, que tivesse delicadeza semelhante com um autor anglo-saxónico ou estrangeiro... É também isto que comprova a abrangência e o não-chauvinisme deste jornal inglês.
Como bónus, este número redondo do TLS, integra a edição fac-similada da sua edição inicial.

Tchaikovsky / Pletnev

terça-feira, 10 de abril de 2018

Recomendado : setenta e três


Saido recentemente (Fevereiro de 2018), este Instantâneos, de Claudio Magris (Trieste, 1939), composto de breves apontamentos sobre diversos assuntos, escritos entre 1999 e 2016, está a dar-me grande prazer de leitura.
Os temas serão ligeiros mas, por vezes, desencadeam reflexões originais e irónicas no escritor italiano, e no leitor. Da desaparição dos úteis urinóis da via pública (Mijar contra o vento e contra legem) até a um livro de receitas patrocinado por Estaline (A ementa da Revolução)*, são relatos narrados numa escrita elegante e sucinta, sendo o livrinho (163 páginas)  um manancial de boa disposição e prazer.
Que, naturalmente, eu recomendo.

* Há dias, num jornal (Público? Expresso?), li um artigo que, de algum modo, parafraseava esta crónica de Claudio Magris. Só que nem sequer citava o nome do escritor italiano... Assim vai o jornalismo nacional.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Citações CCCXXXVIII


Um ponto de exclamação é como se nos ríssemos da nossa própria anedota.

F. Scott Fitzgerald (1896-1940)

Por assim dizer


Há quem se intimide com pequenas coisas, quem faça cerimónia em dizer não. Ateus há, que nunca entraram numa igreja, da mesma forma que os analfabetos, em princípio, nunca tiveram a experiência de franquear as portas de uma livraria - o que é lógico, a menos que se trate de alguma senhora de limpeza, iletrada, que lá vá exercer a sua higiénica função.
Mas também existem pessoas que, perante objectos e factos, observam um prudente respeito, quase sagrado, e nunca se perguntem da sua qualidade, da justificação da sua criação, do valor estético (ou não) inerente. Como, inexplicavelmente, há seres humanos que, perante uma música que foi gravada, um livro que foi publicado, uma estátua, um quadro, lhes atribuam o valor incontestável de tabu. Uma indiscutível autoridade. Só por existirem, no concreto da sua realidade.
Creio ser este, para além do hipócrita respeitinho português, um dos factores responsáveis pelo atraso de mentalidades e pela falta de sentido crítico nacional.
Dixit

sábado, 7 de abril de 2018

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Divagações 129


Intimamente, creio que ninguém gosta de estar sozinho, embora o provérbio popular sugira uma possibilidade contrária.
Andam nomes nas estantes e nas letras supervalorizados de forma escandalosa, bem como há autores que qualquer conselho editorial criterioso recusaria editar. Mas os livros lá aparecem editados, as entrevistas multiplicam-se com baboseiras incipientes, ditos "para entre família", apelos à simpatia, explicação de lágrimas para despertar a compaixão no leitor, numa exposição patética e infantil, por parte desses escribas que não estão, talvez, preocupados em fazer arte, mas ir vendendo o mais possível...
Tenho os meus ódios de estimação, muito embora grande parte deles não resulte de uma mera embirração caprichosa, mas da constatação do logro de qualidade artística a que os assiste. E a que a falta de sentido crítico nacional e centenário, o compadrio despudorado, o mercenarismo militante, a cegueira racional e a falta de gosto reinante dá guarida, e favorece. Vox clamantis in deserto me sinto, às vezes, ou aquele rapaz atrevido, da fábula, que gritou: o rei vai nu!
Por uma vez, e hoje, no entanto, senti a beatificação tranquila da razão, embora tardia. Senti que não estava sozinho, mas acompanhado. E com argumentos sólidos, através de uma recensão, na ípsilon.

Cuidem-se!


E não digam que eu não avisei...
(Como diria o nosso inefável e penúltimo PR.)

Pequena história (50)


Em 1939, o escritor norte-americano Raymond Chandler (1888-1959) publicou o seu romance negro The Big Sleep que, em português, veio a ter o título de: "À Beira do Abismo". O realizador Howard Hawks resolveu adaptá-lo ao cinema, tendo concluido o filme em 1946. A película não teve boa crítica e, na altura, nem foi grande sucesso de bilheteira. Apesar do elenco distinto (Humphrey Bogart e Lauren Bacall) de bons actores e da importante colaboração de William Faulkner na adptação ao cinema do livro de Chandler. No entanto, com o tempo, a película ganhou notoriedade consistente e é, hoje, considerado um dos cem melhores filmes norte-americanos.
Diz-se que o enredo original (do livro) era um pouco atabalhoado e pouco claro, nalgumas cenas. De tal modo que Faulkner e Hawks, assoberbados com dúvidas, tiveram que perguntar a Chandler, entre outras coisas, se uma das personagens secundárias era assassinada ou se suicidava. Ao que o escritor teria respondido, confuso: Dammit I did'nt know either!*

* : Raios, nem eu sei.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Diferentes perspectivas de Justiça


O Supremo Tribunal do Schleswig-Holstein decidiu pela libertação do líder catalão, sob fiança, negando assim provimento à sua extradição para Espanha.
Se me parecem fortemente frouxas, para não dizer inexistentes, as estratégias e tácticas de muitos políticos de segunda e terceira ordem (May, Puigdemont, Martin Schulz...) em acções recentes, também julgo abusivas muitas das decisões produzidas, ultimamente, pelas justiças (com letra pequena, claro) brasileira e espanhola, por exemplo, que indiciam uma promiscuidade com as forças de poder, no terreno.
Louve-se, por isso, a isenção dos juízes do Supremo Tribunal da land do Schleswig-Holstein (Alemanha).

N. Abelardo / L. Medel

Dizem-no influenciado por Chopin. Realmente, este Nocturno do compositor filipino Nicanor Abelardo (1893-1934) faz lembrar os sons do genial Polaco, que se fixou na França.
Aqui fica o Nocturno para acompanhar o avançar desta noite de Abril.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Uma fotografia, de vez em quando... (105)


Não tenho nada contra a fotografia a cores, mas, do ponto de vista artístico, talvez por mero capricho pessoal e subjectivo, prefiro-a a preto e branco. No seu despojamento desabriga-se assim, em grande parte, dos eventuais rodriguinhos que perturbam, muitas vezes, a arte mais autêntica, quando a cor a vem decorar e, muitas vezes, ornamentar, nem sempre da melhor forma estética.
Daí, nesta temática específica do Blogue, eu privilegiar os artífices do preto e branco. Mas abro excepções, como agora, referindo uma exposição da Hayward Gallery (Londres), que decorre até 22 de Abril, do talentoso fotógrafo alemão Andreas Gursky (1955) e que inclui 68 fotografias.



Seleccionei apenas instantâneos de paisagens, em que o ser humano não aparece. Mas Gursky não os exclui dos seus trabalhos, embora os retrate, normalmente, em colectivo, parecendo evitar a pose individual e muito próxima. E privilegiando aquilo que um crítico denominou, à falta de melhor caracterização, de "autocratismo abstracto".
Artista exigente, com preocupações políticas de defesa do ambiente e grande desconfiança em relação à globalização, a sua obra é reconhecida por um estilo de grande rigor e exigência, onde talvez se possa inserir o facto de, em média, produzir apenas oito fotografias por ano.
Andreas Gursky é professor na Kunstakademie de Düsseldorf.



À guisa de localização, posso adiantar que a primeira fotografia se intitula Rhein II, a segunda foi captada na Inglaterra, e a última  tirada no Bahrain.

terça-feira, 3 de abril de 2018

Os fetiches de Alberto Manguel (1948)

A catarse de E. M. Cioran


16 Novembro (1970) Para dez minutos de emissão, quatro dias de emmerdement. Porque a televisão suiça alemã veio a minha casa. Ontem, Domingo, a porteira subiu as escadas e, em tom autoritário, disse-me que não permitiria que filmassem o saguão nem as escadas, e que seria necessária autorização do senhorio, que estava ausente. Que fazer? Pedi aos meus amigos suiços para desistirem de fotografar o prédio. Mas a atitude da Porteira irritou-me. Na altura, contive-me, pois seria ridículo fazer um alarido. Alguns minutos depois, pálido de cólera, para me restabelecer, pus-me a escrever numa folha de papel uma série de insultos dirigidos à criatura. O que acabou por me acalmar quase de imediato. Acrescento que este exercício «literário» foi facilitado pelo operador de imagem, que me pediu para repetir o trabalho, para que ele me pudesse filmar em flagrante delito de actividade.

E. M. Cioran (1911-1995), in Cahiers / 1957-1972.

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Ideias fixas 13


Há títulos de livros que o menor bom senso crítico ou algum sentido estético aconselharia a não comprar. Já nem falo das capas... São produtos a puxar para o chinelo, que denunciam, em suma, pobreza de imaginação e uma enorme falta de gosto. E que, apesar de tudo, algumas costureiras de remendos e mercenários, a soldo de editoras, recomendam nos seus blogues, ditos literários, com igual desfaçatez e total ausência de escrúpulos.
Atente-se nestes exemplos paupérrimos:

- Encontrei-te nas páginas.
- Sete janelas com vista para a morte.
- O dragão com coração de chocolate.
- Vive a tua luz.
- O meu amor absoluto.
- Dei o teu nome às estrelas.

Não refiro o nome dos autores, por caridade cristã. Mas, com estes títulos de livros, eles só podem vir de editoras de vãos de escadas.

Bibliofilia 161


No passado ano de 2017, o nome de Jozé Mazza (?-1797?) nada me diria, mas a compra recente e leitura de uma sua écloga, editada em 1776, fez-me tentar saber alguma coisa sobre a sua vida e acções terrestres.
Inocêncio Francisco da Silva, no seu Dicionário de autores, dá-o como filho de italianos (Giovanno Tomaso Mazza e Maria Catharina Judici). O pai teria pertencido à orquestra de câmara de D. João V, onde ele teria ingressado, também, posteriormente. Jozé Mazza terá conhecido na corte o futuro bispo de Beja, Frei Manuel do Cenáculo, iluminista e mecenas, e, talvez por isso, viria a ser, mais tarde, professor de italiano no colégio deste seu protector, com quem se correspondeu, por cartas que lhes sobreviveram. O músico e poeta teria falecido em Faro, no ano de 1796 ou 1797. (Será que os Júdices algarvios, hoje grandemente lisboetas, terão a ver com esta semente musical e lírica?)



Grande parte da poesia que se fez, durante o século XVIII português, não merece grande atenção, se exceptuarmos algumas sátiras bem conseguidas e com umas pinceladas realistas de ambientes e costumes domésticos que pontuam uns poucos versos inspirados (de Garção e Jazente, por exemplo). Mas não foi pela qualidade de execução poética que eu adquiri este folheto de 24 páginas, de Jozé Mazza, impresso em Lisboa por Caietano Ferreira da Costa, em 1776, integrando uma écloga, antecedida por um castiço antelóquio de 9 páginas, do autor. O corpo principal do poema, abre com uma sábia epígrafe de Diogo Bernardes:

De condição humana he não ver traves
Em nossos próprios olhos, nos alheios
Arestas leves nos parecem graves.





Acontece que me enfeiticei, um pouco, pela primorosa e original encadernação em pele, com ferros a ouro, apesar do miolo do folheto ter sido excessivamente aparado, embora sem prejudicar o texto. O voluminho custou-me 20 euros, no meu alfarrabista de referência, no passado mês de Fevereiro. E não me arrependi, até hoje...


domingo, 1 de abril de 2018

André Danican Philidor (1726-1795)

Este músico francês veio a falecer na Inglaterra, para onde fugira para escapar à Revolução Francesa. Para além de ter sido um prolífico compositor e ter tido 20 filhos, era considerado o melhor jogador de Xadrez, em França.

De como o Presidente parqueou na minha rua


A minha não é senão uma rua banal outrabandista, sem nada que a distinga de tantas outras. Apenas, de um dos lados um murete, com rede de protecção subida, denuncia a Escola que tem, por aí, uma porta secundária de acesso para viaturas, que não para alunos.
Os pardalitos, que bicavam o seu sustento pelo chão, voaram espavoridos, ao som das sirenes e ao ruido estridente das motos da GNR. E um cão vadio choutou, assustadiço e nervoso, para outro lado. Foi por lá perto que eu vi estacionar o carro e de lá sair o Presidente. Que levava com ele o que parecia ser o embrulho de um bolo grande de pastelaria. Enquanto ele entrava para a Escola, fui eu comprar o jornal, na tabacaria habitual.
Quando o horizonte do estabelecimento de ensino, no meu regresso, entrou de novo no meu ângulo de visão, deparei-me com a Presidente do Conselho Directivo a despedir-se do PR. A lágrima que ela enxugou, ao canto do olho, fez-me suspeitar que o bolo teria sido de Aniversário ou, ao menos, um daqueles Ninhos ou Troncos de Páscoa, comprado talvez nalguma pastelaria de Belém...
O que me levou a concluir que este Presidente, incansavelmente, vai a todas. Porque não pode parar quieto. Ou um pouco para pensar. Ele é todo afectos, emoção e sentimento (político?).

Adagiário CCLXXIX


Não há Entrudo sem Lua Nova, nem Páscoa sem Lua Cheia.