segunda-feira, 9 de abril de 2018

Por assim dizer


Há quem se intimide com pequenas coisas, quem faça cerimónia em dizer não. Ateus há, que nunca entraram numa igreja, da mesma forma que os analfabetos, em princípio, nunca tiveram a experiência de franquear as portas de uma livraria - o que é lógico, a menos que se trate de alguma senhora de limpeza, iletrada, que lá vá exercer a sua higiénica função.
Mas também existem pessoas que, perante objectos e factos, observam um prudente respeito, quase sagrado, e nunca se perguntem da sua qualidade, da justificação da sua criação, do valor estético (ou não) inerente. Como, inexplicavelmente, há seres humanos que, perante uma música que foi gravada, um livro que foi publicado, uma estátua, um quadro, lhes atribuam o valor incontestável de tabu. Uma indiscutível autoridade. Só por existirem, no concreto da sua realidade.
Creio ser este, para além do hipócrita respeitinho português, um dos factores responsáveis pelo atraso de mentalidades e pela falta de sentido crítico nacional.
Dixit

4 comentários:

  1. Fez-me lembrar uma moça que trabalhou comigo já nos anos 2000, em Lisboa, na Elias Garcia e que nunca tinha entrado nem no Jardim Gulbenkian, nem na Igreja de Fátima. Uma colega nossa levou-a ao Jardim, eu à Igreja. O ar de pânico e espanto são de recordar para sempre.
    Bom dia

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    1. Ainda há inocências puras... E uma inexplicável falta de curiosidade, em muita gente.
      Bom dia.

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  2. ... se bem que entrar numa livraria (não sendo senhora da limpeza) não queira dizer nada. Especialmente em certas livrarias, onde se passeiam inúmeros intelectuais de pacotilha folheando ostensivamente umas coisinhas de papel cobertas de símbolos misteriosos.
    Revejo-me no segundo grupo que descreve. Há obras (e autores cuja obra...) para mim são tabu. Nem me atrevo a discutir que fazem parte da Ordem Natural das coisas. E nunca reconhecerei publicamente os defeitos que, porventura, lhes encontre. Deve ser da minha costela de ateu ecuménico que entra frequentemente em templos religiosos.

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    1. Sempre tive uma enorme dificuldade em passar cheques em branco. Daí ter sido apenas 4 anos (na pré-adolescência) sócio do Vitória e nunca me ter inscrito em partidos políticos.
      Em relação a artistas e escritores tenho idêntica posição. Camões tem sonetos fracos, Shakespeare, peças menores, Steiner nem sempre acerta (na minha opinião), Magris tem alguns livros entediantes.
      Mas cada um é que sabe de si.

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