Os tempos que correm não se compadecem com a leitura de Epopeias. Até "Os Lusíadas" foram encurtando, timidamente, nos programas escolares. E, embora haja muitos leitores de livros("-tijolo", H. N.), em matéria de poesia, a situação é outra e fia mais fino. Julgo que a vida actual beneficia os haiku (japoneses, e não só), e os poemas menos longos. E não me parece que quem lê, normalmente, os tais calhamaços (nos transportes públicos), goste, na realidade, de ler poesia. Muito menos epopeias rimadas. (Tenho cá a minha teoria [entre leitores de calhamaços e epopeias], mas é insuficientemente fundamentada, por isso a não desenvolvo.)
Partilhamos com o Brasil, país irmão, do tempo colonial, vários poetas estimáveis. Um deles é Basílio da Gama, nascido em 1740, mas dia incerto, que veio a morrer a 31 de Julho de 1795. Tinha um hausto e estro longo, este brasileiro que se formou na Lusa Atenas, porque são dele os longos poemas: "O Uraguay" (sic) de 1769, "A Declaração Trágica" (1772) e "Quitubia" (1791), todos impressos, originalmente, em Lisboa. O Marquês de Pombal engraçou-se dos seus versos e, numa altura de infortúnio para o Poeta, protegeu-o. E Basílio da Gama, mesmo depois da "Viradeira", pagou-lhe com gratidão. Era um homem íntegro.
Não recomendaria a um amigo a leitura de "O Uraguay" porque, como diria Garrett, é sesquipedal, e tarefa nobre de académicos. Mas, catando muito a epopeia, ainda se encontram alguns versos estimáveis que, no caso do excerto que se segue (morte de Lindoya), me lembram o quadro de Da Vinci, "Leda e o Cisne", não sei muito bem porquê. E aqui vão:
"...Este lugar delicioso e triste,
Cansada de viver, tinha escolhido,
Para morrer, a misera Lindoya.
Lá, reclinada, como que dormia.
Na branda relva, e nas mimosas flores,
Tinha a face na mão, e a mão no tronco
De um funebre cypreste, que espelhava
Melancolica sombra. Mais de perto
Descobrem que se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia, e cinge
Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.
Fogem de a vêr assim sobresaltados,
E param cheios de temor ao longe;
E nem se atrevem a chamal-a e temem
Que desperte assustada, e irrite o monstro,
E fuja, e apresse, no fugir, a morte. ..."