Depois de O Retrato de Ricardina (Lisboa, 1868?), o primeiro romance que li de Camilo, ter-se-á seguido, ao que julgo, O Senhor do Paço de Ninães (Porto, 1867). O prefácio, que o romancista titulou Advertencia, na altura, não me despertou nem incomodidade, nem surpresa - estávamos em tempos liberais e mais saudáveis e não, como hoje, aperreados a puritanismos palermas e infantis. De criaturas virgens serôdias, inquisitoriais.
Saboroso e informado, vale a pena transcrever o início deste prólogo camiliano. Reza assim:
"Na edição d'este romance, dada em folhetins do Commercio do Porto, estampou-se uma nota que dizia respeito aos «mulatos» do seculo XVI. O author inadvertidamente entendeu á moderna a palavra como a tinha entendido outro ignorante mais antigo que ementára a lei de D. João III, citada na dita nota com as palavras «Leis respectivas aos escravos». Mulatos, ao menos os alludidos na lei de 1538, não eram homens, eram «machos asneiros, filhos de cavallo e burra». Se eu tivesse consultado frei Joaquim de Santa Rosa Viterbo antes de annotar o vilipendio dos escravos no seculo XVI, em Portugal, não injuriaria os filhos das burras chamando-lhes filhos de pretas. N'aquelle tempo era melhor ter a primeira linhagem. (...)"
Ora imagine-se, hoje em dia, um romancista voltar a escrever isto. Caíam-lhe em cima os fiscais todos.
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