segunda-feira, 26 de junho de 2017

Versões


É um pormenor sem importância, talvez. Mas atesta as transformações por que passa um poema, até à sua versão final. Ou aquela que um Poeta acha mais concorde e perfeita.
Por outro lado, é pouco provável que venha a ser feita, alguma vez, uma edição crítica da obra de Eugénio de Andrade (1923-2005), muito embora grande parte do seu acervo se encontre na BPMP. Mas também dele, ultimamente, pouco se tem ouvido falar ou, melhor dizendo, da sua poesia.



Em Jan./Fev. de 1960, a Revista Vértice (nº 196-197) publicou um pequeno conjunto de poemas de Eugénio de Andrade, com o título Improvisos de Outono. O segundo poema, que é um dos que eu mais aprecio do Autor, tinha inicialmente 6 versos, como pode ver-se, na imagem acima. E não tinha qualquer dedicatória, na sua versão primeira. 




Cerca de dois anos depois, Eugénio de Andrade publica na Delfos a sua primeira Antologia (25 de Novembro de 1961). O poema (pg. 206) é então dedicado ao amigo e crítico literário Óscar Lopes. Passa a intitular-se Passo e Ardo... E os 6 versos iniciais são reduzidos para cinco. Desaparece o Sol doirado?, substituído por Luz?. Bem como se altera a ordem das palavras no 2º verso, que não terá ainda, aqui, a sua versão definitiva. 




Todo o ano de 1966, Eugénio de Andrade passa, a pente fino, a sua obra - conforme o referiu em carta. Aperfeiçoando os poemas, modificando-os de acordo com uma maior exigência de maturidade. De novo desaparece a dedicatória, e a quintilha perde, mais uma vez, o seu título anterior, passando a ser designada por Quase nada. O segundo verso é também alterado: desaparece Música?, substituída por Água?. E a ordem das palavras sofre modificações. Os Poemas virão a ser publicados pela Portugália, em Novembro de 1966, na celebrada colecção: Poetas de Hoje.
O poema teve deste modo a sua redacção definitiva. É assim que ele vai aparecer nas futuras edições da IN-CM (Abril de 1980) e de "O Jornal/Limiar", em 1990. Entre a primeira versão e a última, no entanto, tinham decorrido quase sete anos ( o que faz lembrar Camões...). Por essas reconfirmações de 1980 e 1990 se estabeleceu o ne varietur do poema.


4 comentários:

  1. Interessante é que as várias versões do poema tenham sido sucessivamente publicadas. E de qual gosta mais? Eu gosto mais da primeira.
    Bom dia!

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    1. O tempo pode aperfeiçoar, eventualmente, o sentido crítico. Eu prefiro a terceira e última versão: o ritmo agilizou-se, num poema que, só no 2º verso já tem 3 pausas (interrogações). Depois, aquele "sol doirado" era muito banal, ficou "luz", mais ampla e abstracta.
      Mas é evidente que o cerne do poema são os dois versos finais. Que permaneceram intocados, desde princípio.
      Um bom dia, também!

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