domingo, 16 de março de 2014

A par e passo 83


O francês está bem delimitado das outras línguas, não apenas pelo vocabulário, mas pela sua dicção, e também pelo rigor e complexidade das regras de ortografia e da sintaxe; e ainda por uma notável tendência em não empregar senão um pequeno número de palavras que nós achamos elegantes e que têm, para nós, um não sei quê de ar universal.
Quanto à dicção, mãe da Poesia, eu noto que o francês, bem pronunciado, quase nunca canta. O nosso discurso é de registo pouco extenso: a nossa palavra é plana, de consoantes muito suaves (adoucies); é rico em ditongos de estranhas e subtis sonoridades. A nossa música de poesia difere de todas as outras, opõe-se mais do que as outras ao tom de voz normal; e, por conseguinte, ela foi-se desenvolvendo em direcção a uma arte sábia e formal, muito distinta e afastada de toda a produção ingénua (naïve) e popular. É por isso que se pode dizer com uma certa exactidão aparente, e uma grande injustiça no fundo, que nós somos feitos mais para a prosa do que para o verso.
É verdade que a obra-prima literária de França é talvez a sua prosa abstracta, de que não encontramos nada de semelhante, onde quer que seja. Desde o século XVI, não há época, por cá, que não tenha produzido obras de filosofia, de história e mesmo de ciência pura tão admiráveis pela sua argumentação e pelo seu estilo.

Paul Valéry, in Regards sur le Monde actuel (pgs. 312/3).

2 comentários:

  1. Eu, acho que sofro de um síndrome ao qual apelidei carinhosamente 'síndrome Mário Soares'...não sou boa com línguas

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    1. Acontece..:-( Mas, uma coisa é falar, outra, compreender.
      Tenho a convicção que os europeus mais desajeitados para línguas são os espanhóis e os franceses.

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