segunda-feira, 24 de março de 2014

Da Janela do Aposento 45: Gramáticas e outros livros afins



Considero que o benefício de poder ”con-viver” com duas culturas, ou duas línguas, é um privilégio de consequências ilimitadas para o ser humano, embora abordado de forma leviana por alguns opinadores, reduzindo-o a aspectos acessórios.
Na conquista do espaço do “alter”, ou seja, no esforço de entrar no universo do outro – da sua História, Cultura e suas Tradições – orienta-nos, como guia, a sua língua e, quiçá, as linguagens específicas. Desse esforço surgiram, ao longo dos anos, prazeres estranhos como é o caso de coleccionar Gramáticas, genericamente falando, da Língua Portuguesa.
Embora sem rigor científico do ponto de vista da linguística, arrumo os meus interesses e a consequente tentação de aquisição em quatro grandes áreas, ou seja, as Gramáticas históricas, as filosóficas, as didácticas e as “actualizações académicas”.
Pouco interessa para o caso de nunca ter completado, por inércia ou falta de lembrança, uma lista bibliográfica das Gramáticas que vou coleccionando.
Interessa-me, sobretudo, o enriquecimento mental que vou tirando da consulta de Gramáticas. Nas Gramáticas "históricas", i.e., as primeiras impressas durante o século XVI, aprecio a riqueza expressiva, frequentemente claríssima, na exposição de fenómenos complexos da estrutura da língua.
As Gramáticas chamadas “filosóficas”, como a de Soares Barbosa, encaminham-nos para uma reflexão abrangente sobre a(s) língua(s) e que, por vezes, se completa com ensaios de George Steiner.
A secção das “didácticas”, e por antigo dever de ofício, reúne o maior número de exemplares, embora de qualidade descendente numa perspectiva diacrónica, do passado para o presente, centrada no século XX. De alguns “abortos” das últimas três décadas não reza o acervo, porque não tinham a qualidade mínima para fazer companhia aos “amiguinhos” mais velhos.
A actualização na compra de Gramáticas e relativamente aos Estudos Linguísticos foi cedendo ao gosto, em detrimento da obrigação de acompanhar o vasto leque de novas achegas, circunscrevendo-se ao interesse pessoal, à autoridade e ao apreço por determinados académicos.
Dito isto, e atendendo à capa de um dos mais recentes livros “afins” em epígrafe, pretendia falar do que, actualmente, se designa por Pragmática, i.e., e sem rigor científico, um olhar para a língua quando usada e aplicada em determinados contextos de comunicação. Ora, vejamos uma página do dito “livrinho” de Rosa Maria:



Considero que determinadas áreas da Pragmática, por referência a contextos culturais próprios de cada língua, exigem um esforço suplementar ao forasteiro, revelando a sua sensibilidade à diferença e à aceitação do outro. Confesso que a brochura sobre a “Economia Doméstica” me deixou, pragmaticamente, perplexa. A linguagem, embora adequada a um livro “singelo” de instruções básicas, acusa uma vertente que, até agora, me tinha escapado. A saber, o cunho ideológico no uso da língua, aspecto peculiar que nem a última Gramática, publicada recentemente, ajuda a integrar no universo da língua.
O que despoletou, certamente, esse olhar crítico sobre o cunho ideológico de determinados discursos foi um artigo de George Steiner, “O milagre oco”, em que ele aborda o pós-guerra na Alemanha e sublinha que o “problema das relações entre a linguagem e a inumanidade política é fundamental”.
Com efeito, o contexto da comunicação, ou seja, a Pragmática, não se situa fora do quotidiano político e social dos falantes.

Post de HMJ, dedicado a H. N..


11 comentários:

  1. Este livrinho deve ser muito curioso, a julgar pelas páginas apresentadas...

    Boa noite!

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    1. Para Isabel:
      tanta curiosidade despertou que mereceu um "post" !

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  2. Este livro de Rosa Maria não conheço; tenho é vários livros de cozinha dela.
    A senhora que se serviu deste livro e que, a atentar pelas anotações, o levou a sério, não era dada à leitura nem às distrações, substituindo-as pela lavagem de roupa fora de casa. :)
    Bom dia!

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    1. Para MR:
      não consegui saber o ano da edição, nem pela editora :(

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  3. Quanto ao «cunho ideológico de determinados discursos» são bem visíveis em livros de estudo (Estado Novo, por exemplo) e nos manuais de civilidade (1.ª República, por exemplo), locais ideais para passar a 'mensagem'. Falo destes exemplos que são os que conheço melhor.
    E ainda em livros como os que apresenta, em que o exemplo mais conhecido é o de Laura Santos e a sua Escola de noivas (acho que é assim o título).

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    1. Para MR:
      fez bem em lembrar outros discursos, porque sempre achei piada aos "manuais de civilidade".

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  4. Um tema muito interessante. Fiz um trabalho, em tempos, sobre uma revista infantil do Estado Novo, «O Senhor Doutor», que também tinha um discurso muito curioso, nesse caso dedicado às crianças.

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    1. Para Margarida Elias:
      obrigada pela informação. E de pequeno se torce ...

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  5. este bem que podia ir parar à minha rubrica do ´Para totós'
    :)

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