sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O "encantamento " de Guimarães Rosa


Pessoas há que deixam, ao morrer, um traço celeste na terra (evitei o adjectivo: divino). Pela sua sensibilidade única e irrepetível, pela sua inteligência singular, pela sua obra. Mas quando conseguem entrelaçar sensibilidade e inteligência, de modo superior, atingem o que nós, comuns humanos, chamaríamos imortalidade. Não estou a falar apenas de artistas (pintores, prosadores, compositores, poetas...), mas também de mulheres e homens que, conhecendo-os nós, na sua intimidade e discrição pessoal, nos deixaram um legado imperecível que durará até à nossa morte. Anjos que desceram à Terra, e na terra ficaram "encantados" ( e soterrados ) como dizia João Guimarães Rosa sobre os mortos nossos conhecidos. E é precisamente deste escritor brasileiro que eu queria falar.
Estou numa fase da vida em que, para além de ler algumas coisas novas, procuro, sobretudo, reler aquilo que me foi grato, um dia, ter lido - é tudo uma questão pragmática de tempo. E neste avivar de memória, João Guimarães Rosa tem lugar cativo. Na releitura do que ele escreveu, descubro sempre coisas novas. Ou, então, percebo a desatenção da minha leitura inicial. Até porque as palavras se rendem gradualmente à nossa pele, e ganham, com o tempo, virtualidades novas que vamos compreendendo melhor com o tempo. São códigos genéticos que temos de descriptar.
Releio, de momento, "Tutaméia - Terceiras Estórias", do escritor brasileiro. São trinta e oito pequeníssimos (2/3 páginas) contos enormes, acompanhados, na colectânea, de 4 saborosos e humorísticos prefácios. Do conto "Orientação" (história de um casamento entre um chinês e uma brasileira, que correu mal) anotei algumas frases que passo a citar:

- "...o chinês tem outro modo de ter cara."
- referindo-se à fealdade da esposa: "Feia de se ter pena do seu espelho."
- "...De vez, desderam-se, o caso não sucedeu bem. O silêncio pode mais que eles. Ou a sovinice da vida, as inexactidões do concreto imediato, o mau-hálito da realidade."
- "Desapareceu suficientemente - aonde vão as moscas enxotadas e as músicas ouvidas."

7 comentários:

  1. Pintura estranhíssima de um finlandês que desconhecia. Um bocadinho perturbadora.

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  2. Mas, pelo menos, interessante. O quadro chama-se "O Anjo ferido".

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  3. Também gostei. Fui ver quem era Hugo Simbert e aproveitei para ver outras pinturas dele. Pintura nórdica... (sem ironia).

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  4. O que mais me impressionou na pintura, e não o disse ontem, foi a cara do rapaz de trás.

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  5. Compartilho deste sentimento de encantamento com a escritura de Guimarães Rosa. O ato da releitura abre nossos olhos de espanto ante a sublime simplicidade que nos passou despercebida outrora.

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  6. Para mim, cara Lizlee, Guimarães Rosa é, com Graciliano Ramos, o duo "magnífico", e maior, da prosa portuguesa, no Brasil, do séc. XX.

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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