segunda-feira, 12 de abril de 2010

A dieta do Ermita



Frei Agostinho da Cruz (1540-1619), que foi, no século, conhecido por Agostinho Pimenta, era irmão de Diogo Bernardes e terá nascido em Ponte da Barca. O rio Lima, o Tejo e, finalmente, o Sado aparecem referidos na sua obra, mas é a Arrábida o cenário mais marcante dos seus poemas. Foi na serra que viveu os últimos anos da sua longa vida, e aí morreu a 14 de Março de 1619. Tinha vestido o hábito de capuchinho em 3 de Maio de 1560. Teria escrito poesias profanas, antes. Mas o que dele se conhece é, grandemente, de índole religiosa. A sua curta obra foi editada, pela primeira vez, em 1771. Em 1918, Mendes dos Remédios juntou-lhe o chamado "manuscrito conimbricense", o "manuscrito portuense" da Biblioteca Municipal do Porto, e fez publicar as "Obras de Fr. Agostinho da Cruz", em Coimbra. Em 1971, Aguiar e Silva, no seu livro "Maneirismo e Barroco na Poesia Lírica Portuguesa", expurgou ou pôs, em dúvida, algumas das poesias que eram atribuídas ao frade capuchinho. Mesmo assim, o que dele fica, dá para perceber a fina sensibilidade de Poeta que foi, e o seu ritmo fluído, original e intenso. Da elegia V ("Ao fim da vida") retiramos alguns tercetos, onde também fala de vários mariscos, entre eles as perceves que, julgo, pela 1ª vez aparecem na poesia lírica portuguesa:


"...Tudo me cansa, já, tudo me peja,
E pouco basta já para suster
O pouco que da vida me sobeja.

A praia tem marisco que comer
Ameijoas, berbigões na branca areia,
Que facilmente posso revolver.

A pedra que dos mares se rodeia,
Cheia de lapas pardas aparece,
De negros mexilhões inda mais cheia.

A vermelha santola não falece,
Outro com seu pé curto revirado,
Seu não, antes de cabra me parece.

E, quando se mostrar muito alterado
O mar, que seu marisco me defenda,
O bosque está daqui pouco afastado.

Quer suba a planta nele, quer se estenda,
Escolherei no ramo o mais maduro
Fruto sem dano alheio e sem contenda..."

12 comentários:

  1. Muito giro!
    Já há muitos anos que não como este «Outro com seu pé curto revirado, / Seu não, antes de cabra me parece.», mas gostava.

    ResponderEliminar
  2. E também fiquei a saber que Frei Agostinho da Cruz era irmão de Diogo Bernardes. Santa Ignorância!...

    ResponderEliminar
  3. Bom era que se fizesse edição crítica do Frei, que conhecia a serra "da porta gorda até Trezana". Foi bom encontrá-lo, se bem que lírico demasiado místico para o meu gosto.
    Muito boa escolha

    ResponderEliminar
  4. Para MR: sem absoluta garantia de rigor, julgo que a família Pimenta tinha 11 irmãos; sendo Diogo Bernardes o mais velho, e Agostinho o 3º.
    Na prole, cerca de 18% de poetas, o que vem reforçar a tese de Portugal ser um país de...

    ResponderEliminar
  5. Também acho que valia a pena, Luís, essa edição crítica. E,possivelmente, reforçar a parte laica do cânone do nosso poeta capuchinho, com uma pesquisa bem orientada.

    ResponderEliminar
  6. "...vem reforçar a tese de Portugal ser um país de..."

    Quantas hipoteses ?

    ResponderEliminar
  7. Para o Luís:
    para completar o que não acabei, se fosse a Norte, eu diria - ...país de Reis Pereiras...

    ResponderEliminar
  8. :) 4 em dois: dois poetas, um desenhador e um pintor.

    ResponderEliminar
  9. Mas aqui a percentagem é maior. Penso que não eram 11 irmãos.

    ResponderEliminar
  10. Para MR:
    julgo que 5 ou 6 o que, realmente, aumenta imenso a percentagem.

    ResponderEliminar
  11. Nunca apreciei muito o Júlio, em qualquer das
    tintas.
    Mas o Mano velho é outra loiça

    ResponderEliminar
  12. Eu gosto tanto do Júlio como do Saul.

    ResponderEliminar