quarta-feira, 7 de abril de 2010

Estética, gostos e o amarelo



Esta poderia ser uma carta ao Director (de um jornal), porque no fundo é, apenas, o exercício de um direito ao contraditório. Mas prefiro deambular por aqui, nesta "casa" e num espaço virtual, efémero, que, até certo ponto, é meu e dos amigos que me visitam.
O "clic" foi um pequeno artigo no "Público", de ontem, com autoria de Jorge Marmelo, e de aconchegado título: "Kate e Kiki". O ponto de partida do jornalista é o facto de Kate Moss, para além de ter servido de modelo a vários artistas, (e passo a citar), "...vai agora aparecer num pequeno papel d' «A Tempestade», de Shakespeare, no londrino teatro "Old Vic", onde será dirigida por Sam Mendes. Acontece de vez em quando: uma mulher sem nenhuma beleza especial transforma-se, pela arte, num ícone do seu tempo..."
Ora, a minha mãe gostava do amarelo, e eu não desgosto, esteticamente, de Kate Moss. Talvez a pele, talvez o olhar, talvez alguma intencional languidez, nas poses. Que sei eu?, que sabemos, nós, daquilo que nos atrai?
Até pelo sórdido, às vezes, há atracção: basta ler um poema que João Xavier de Matos dedicou ( sem dedicar) a uma suja lavadeira - e, este toque de contrários, faz deste poema, um dos mais interessantes e curiosos de «Albano Erithreo» -, para perceber aonde pretendi chegar. Afinal: o que é a beleza?

8 comentários:

  1. a oliveira diz que a beleza pode ser uma de três coisas: um livro bem paginado, com bom entrelinhamento e uma boa gramagem; uma porta aberta para o quintal; um cipreste nos seus trintas, desassombrado e de boa flora (uma oliveira não é de ferro).

    e sabendo que a pergunta é retórica, eu (eurídice da oliveira) acho que ela tem alguma razão, e que a Kate Moss até é engraçada, apesar de desengonçadita e com tendência para o abismo. Mas isso temos quase todos.

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  2. Não li o artigo do Público (não está on-line), por isso não sei se terá alguma relação com o que li aqui:
    http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2010/03/31/sam-mendes-toma-asia-de-assalto-com-tempestade-de-shakespeare-916219229.asp

    A vida está difícil, até para o «Old Vic»...

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  3. Para a oliveira da eurídice:
    magnífica resposta ao oráculo, embora a passar a mão pelo pêlo às Celuloses...coitados dos eucaliptos, seus primos... e vê-se que vai deitando os olhos para o sólido cipreste...
    Quanto à Kate, é aquele andar na lâmina do trapézio (daí o desengonçado do corpo) que também me dá algum "frisson": todos temos fraquezas.
    Mas lá mais para a noite vou pagar a dívida à
    oliveira da eurídice, através dum colega de signo...mas mais móvel...

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  4. Para "c.a.":
    Creio que sim, mas o artigo nem fala da KM, e a cetrina do articulista do "Público" era contra ela. Como às vezes me sinto um defensor dos fracos e oprimidos, resolvi avançar com a desafronta.

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  5. Beleza ou forma ?

    Menos Platão - Banquete -(apesar do eros),mais Plotino,em que a beleza não está confinada ao bem e ao perfeito.
    "Todo o mundo sensível é belo pois é através da corporização das formas espirituais que a luz preenche o mundo da matéria."

    Porém, conheço um belo patife...

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  6. Trago uma achega de Pascal (estamos no século XVII):
    “[O homem] Tem o coração demasiado vasto; é necessário que se trate pelo menos de alguma coisa que se lhe assemelhe, e que dele se aproxime de muito perto. É por isso que a beleza que pode contentar o homem consiste não só na convivência, mas também na semelhança: restringe-a e encerra-a na diferença do sexo.
    (…)
    Ainda que esta ideia geral da beleza esteja gravada no fundo das nossas almas com caracteres indeléveis, não deixa de receber diferenças muito grandes na aplicação particular; mas apenas no que respeita à maneira de encararmos aquilo que nos agrada. Porque não desejamos uma beleza nuamente; mas desejamos nela mil circunstâncias que dependem da disposição em que nos encontramos; e é neste sentido que podemos dizer que cada qual tem o original da sua beleza, cuja cópia procura no vasto mundo. Todavia as mulheres determinam amiúde esse original; como detêm um império absoluto sobre o espírito dos homens, pintam neste ou as partes das belezas que têm ou as que estimam, e acrescentam assim o que lhes apraz a essa beleza radical. É por isso que há um século para as louras, um outro para as trigueiras; e a divisão que se faz entre as mulheres quanto á estima de umas ou de outras faz também a divisão entre os homens num mesmo tempo quanto a umas e outras.
    Também a moda e as regiões regem amiúde aquilo a que chamamos beleza. É coisa estranha que a fortuna intervenha tão fortemente nas nossas paixões. O que não impede que cada qual tenha a sua ideia de beleza pela qual ajuíza das outras, e à qual as reporta; é segundo este princípio que um amante acha a sua senhora a mais bela, e a propõe como exemplo.
    A beleza divide-se por mil diferentes maneiras. O suporte mais de molde a sustentá-la é uma mulher quando tem espírito, anima-a e revela-a maravilhosamente.”
    (“Discurso sobre as paixões do amor”, trad. de Miguel Serras Pereira)

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  7. Para Miss Tolstoi:
    há muitas coisas em que, falar delas sucintamente,
    é impossível. Por outro lado, uma coisa é prolixidade, outra um raciocinar connosco, em qualidade e clareza. Gostei muito do texto que teve a gentileza de transcrever. Além de que uma tradução de Miguel Serras Pereira é sempre uma garantia, à partida. Eu não conhecia o texto.
    Obrigado, Miss Tolstoi.

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