quinta-feira, 22 de abril de 2010

Citações XXIII : Francisco Manuel de Melo



De um dos nossos grandes prosadores, Francisco Manuel de Melo (1608-1666), sobre imaginação e solidão, vale a pena lembrar uma pequena parte, no início, do Prólogo de "Os Relógios Falantes", na lição de Maria Judite F. de Miranda (Edição Crítica, Coimbra, 1968) que, com pequenas actualizações ortográficas minhas, segue assim-

"Senhor: Já ouviríeis a graciosa indecência com que disse um dos nossos discretos que a imaginação era curral do concelho donde, por não ter portas, todo o animal tinha entrada. Se isto alguma vez foi verdade, na imaginação dos solitários se verifica. Persuado-me que, do próprio modo que ao homem só o investem seus inimigos, ao homem só o assaltam seus pensamentos, entre os quais não há nenhum tão cobarde que deixe de fazer sorte naquele a quem ninguém defende. Todavia não sei que feitiços nos dá a solidão que, apesar desses inconvenientes, quem uma vez a experimentou sempre a procura. Será porque, nela, entre o entendimento e o céu há pequeno intervalo, larga distância entre a vida e o perigo, quando racionalmente se busca e sabiamente se dispende..."

10 comentários:

  1. Tenho uma edição de 1942, de Domigos Barreira, que não regista o prólogo, o que agora me deixa triste. Há por aqui mais disto, mas sem tempo para escavar. mas foi bom voltar...Fico sempre um pouco dividido com este D. Francisco.
    Sempre, ou quase, a política do reino foi unir a península
    Filipe foi rei legítimo de Portugal porque o herdou, o conquistou, o pagou.
    Os amotinados e Évora foram no contra a violência e impostos, o que poderia despertar rancor pelos espanhois e instinto de independência aproveitado pelos poderosos, que apenas queriam mais poder, quando a maioria estava amesandada e satisfeita. O atentado ao Duque de Bragança deve ter rompido uma paz podre
    e obrigou o Duque a fugir para a frente. (claro que tudo isto é muito simplista.)
    Não consigo perceber bem - e claro - o papel de D.Francisco, que era, sem dúvida, um aventureiro

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  2. «(...)a imaginação era curral do concelho donde, por não ter portas, todo o animal tinha entrada (...)». Extraordinária imagem!
    Já no que respeita à solidão, não estou tão certo ...
    Boa escolha! Obrigado.

    Também gosto muito deste quadro do Dali. Aliás, foi ao Dali que fui buscar o pseudónimo, mais precisamente a este quadro:
    http://www.virtualdali.com/36AnthropomorphicChestOfDrawers.html

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  3. Caro Luís:
    apesar de não se ter sido justo com o "nosso" primeiro Filipe - é a minha opinião - que respeitou, escrupulosamente, os compromissos
    que tinha assumido ( e não esqueçamos que a mãe era portuguesa), os outros 2 filipes são para esquecer... Agora, o nosso Chico Melodino fez o que fazem, habitualmente, os emigrantes: adaptam-se. Por outro lado, pelo menos numa das prisões dele, houve saias partilhadas, ao que parece, com D. João IV. E é um dos nossos grandes prosadores, com alguns saborosíssimos prefácios.

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  4. Meu caro "c. a.":
    a solidão tem sempre virtualidades insuspeitadas. É preciso explorá-la, convenientemente, sobretudo quando se nos impõe, sem que a procuremos...
    Eu gosto muito do Dali, só é pena a "parafranelia" que o acompanhou e que ele, também, ajudou a construir, com a Gália e Cia.
    Mas também não podemos ser inteiramente perfeitos o que, aliás, devia ser monótono...

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  5. Dei impressão errada. Gosto do I, ou não fosse filho da Isabelinha, que volta e meia visito no Prado, nos retratos e na minuciosa escultura- já não sei autores. E bastaria ter acendido o coração do Duque de Gandia, como conta magistralmente a Sophia.E Filipe foi apresentado como um Kunstfreund na obra de Carl Justi por ter apoiado Ticiano e outros, mecenas das artes, coleccionador de Bosch, que parocinou a Biblia poliglota de Arias Montano e do impressor Plantin, as expedições à América...
    Lamento lhe só a beatice.No Escurial o quarto era(e é) avarandado sobre a capela...Manias !
    Do Poeta Melodino claro que o admiro e aprecio. O Camilo troca-lhe as Condessas . Ao que parece foi a segunda esposa do D.Gregório Taumaturgo, Dona Guiomar,"senhora de muito bem fazer a quem lho pedia". Admirável!

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  6. Só uma pequeno ajustamento com história,Luís.
    Efectivamente, a versão que corre´e que Sophia reproduz no seu belíssimo poema ("Nunca mais amarei senhor que possa morrer"), não é do Duque de Gandia, Francisco de Borja e Aragão, mas sim de S. João de Ávila que foi oficiente nas exéquias, e a pronunciou integrada na oração fúnebre de então. Embora o Duque fosse um devotado servidor de Isabel de Portugal.E também só professou, anos mais tarde, depois de ter enviuvado. Por vezes a ficção é mais interessante que a realidade. Mas a verdade foi esta que refiro.

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  7. Vice!
    Aprender até morrer. Fico grato. Muito.
    Isto de santos, de facto, não é comigo.

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  8. Por curiosidade e com desculpas pela insistência:


    Isabel, nasceu em 24 de outubro de 1503, Infanta de Portugal, Raínha de Espanha, Imperatriz da Alemanha, morreu pós parto (de Fernando, 7º filho, logo morto) em Toledo, em 1539.

    Francisco de Borja e Aragão, nasceu em 28 de Outubro de 1510, filho primogénito do Duque de Gandia, com honras de Parente e Grande de Espanha; aos 16 anos foi servir na corte, como era uso.
    Tinha 20 anos quando a Imperatriz o casou com Dona Leonor de Castro Melo e Menezes, fidalga portuguesa que a tinha acompanhado a Espanha e era da Casa da Raínha, tendo Francisco recebido o título de Marquês de Lombay e o cargo de Monteiro Mor. A Raínha fê-lo Cavalariço Mor da Sua Casa, e à Marquesa Camareira Mor. Foi madrinha do primeiro filho do casal, Carlos, em homenagem ao Rei, e dispôs que seu filho Filipe fosse padrinho. Francisco seria Duque de Gandia, por morte de seu Pai, em 1542.
    Quando da morte da Imperatriz (1.5.1539) foi esta Dama quem a amortalhou, por ordens do Imperador, e Francisco foi encarregado do funeral, de Toledo para Granada, onde o corpo ficaria no Panteão Real.
    Passaram 16 dias entre a morte e a tumulação. Quando teve de reconhecer o corpo ante os notários
    verificou como são transitórias a beleza e a glória neste mundo

    João d´Ávila nasceu perto de Toledo. Era 10 anos mais velho que Francisco. Aos 14 foi estudar para Salamanca e 3 anos depois para Alcalá. Ordenado padre, foi considerado o apóstolo da Andaluzia.
    Tinha uma vida austeríssima, de grande recolhimento e mortificação, dada à oração, e a fama de pregador espalhou-se por toda a Andaluzia. Fez a oração fúnebre da Imperatriz( que nunca vira)
    (Os retratos por Ticiano foram póstumos e com base em máscara funerária)
    Padre Mestre d`Ávila nunca frequentou a corte e sempre serviu a Deus – e não a senhor terreno.


    (Apud Maria Luisa Paiva Boleo et alii)

    Lembrou-me a morte de Filipe I, o Belo, em 25.9. 1506, em Burgos. Joana a Louca, sogra de Isabel
    mandou abrir o caixão, em 1 de Novembro, dia de Todos os Santos, e foi sepultar o corpo em Granada, excepto o coração que foi para Bruxelas. Viajaram de noite por causa do calor...e do cheiro.

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