segunda-feira, 17 de junho de 2024

Mercearias Finas 201


 
É uma das temáticas mais apreciada e procurada pelos bibliófilos, que me foi dado ver em leilões de livros, a de "Portugal visto pelos estrangeiros". Osberno, Beckford, o Príncipe Lichnowsky e a senhora Rattazi serão talvez alguns nomes com obras maiores e mais conhecidos, mas haverá muitos outros, ainda que secundários, que deixaram por escrito o seu testemunho importante sobre o nosso país e costumes.
Deste tema se ocupou, com afinco, persistência e interesse, J. A. Castelo-Branco Chaves (1900-1992) que fez editar e até traduziu muitas das obras sobre o assunto, algumas das quais se conservavam inéditas, pondo-as à disposição dos leitores potenciais. Entretanto, a revista Visão História, no ano passado, publicou uma antologia do tema em questão. Vou transcrever, sobre gastronomia portuguesa, o registo do médico naturalista francês Charles de Merveilleux, de 1723. 
Segue:

"Devo advertir os estrangeiros a serem muito circunspectos em aceitar convites de qualquer português, porque a retribuição lhes sairá muito cara, pois esta gente censura aqueles que os não obsequeiam à sua maneira. Assim, se é altura de haver perus, será necessário um peru para cada convidade, e vi frequentemente portugueses que, de uma assentada, comiam uma perdiz, um frango, uma galinha, sem por isso deixarem de fazer honras aos pratos restantes que enchiam as nesas. Em Portugal só se aprecia o assado e até a caça mais delicada excessivamente passada ou cozida, quase reduzida a pó. Um peru deve ser cozinhado de forma a poder ser partido com os dedos.
Usam comer o cozido depois do assado. As sobremesas preferidas são manjar branco, geleias, gemas de ovos revestidas de açúcar tal como em França o são com sumos. Os doces líquidos comem-nos à colher e num abrir e fechar de olhos ingerem uma libra deles. Em cima, bebem água e depois voltam a comer outras espécies de doces, Não sabem o que são saladas, cebolinhas e outros aperitivos. O melhor dos seus doces secos é, quanto a mim, a abóbora coberta. Gostam muito de framboesas e de groselhas, que não se cultivam em Portugal. (...) Raramente nos dão em Portugal copos bem lavados. A apresentação da mesa não é má, mas os portugueses ignoram as boas maneiras e servem os seus convidados com os dedos que acabam de meter na boca."

4 comentários:

  1. Não me lembro de ter lido este Merveilleux. Fui procurar e parece-me que Aires de Carvalho o traduziu como «As memórias d'El-Rei D. João V pelo naturalista Merveilleux» no livro Dom João V e a arte do seu tempo. Em tempos devo ter, pelo menos, consultado este livro.
    Mais uma vez não saímos muito bem neste quadro.
    Boa semana!

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    1. É verdade, são mais os que dizem mal, mas há outros, menos, a dizer bem sobre alguns aspectos.
      Retribuo, cordialmente.

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  2. Dessa lista toda, só aprecio o doce de ovos (?) (seriam as "gemas de ovos revestidas de açúcar"?), as framboesas e as groselhas... Boa tarde!

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