sábado, 26 de dezembro de 2020

Divagações 166


Numa das suas últimas entrevistas, reproduzida no JL especial editado aquando da sua desaparição do mundo dos vivos, Eduardo Lourenço (1923-2020), a propósito da morte, falava de números. Lembrei-me que, durante a guerra colonial (1961-1974), nos jornais portugueses e em local pouco destacado, quase diariamente, aparecia o número das baixas humanas, nos vários teatros de guerra. Em média era o número 3. Curiosamente, como agora com a pandemia, é um algarismo anónimo, embora muito maior, e descriminado por diversas alíneas, que aparece, quotidiano... 

O terrorista é agora o Covid-19, inimigo oculto e anónimo também, mas que parece ter uma personalidade própria, agressiva e letal. E que não conseguimos perceber se luta para ele próprio conseguir sobreviver ou se apenas pretende ceifar e ceifar, indiscriminadamente, apenas para destruir, cada vez mais, em números indiferentes e arrasadores, os seres humanos. Numa contabilidade impiedosa e cega. Mesmo que o nosso não fosse um tempo em que a economia predomina e submerge tudo, também assim a palavra cada vez perde mais espaço. Cedendo o lugar aos números. 

4 comentários:

  1. Inicialmente os números das vítimas do covid eram dados a abrir as notícias, por vezes com algum humanismo, mas com o passar do tempo, perderam valor para as Agências Noticiosas que decidem o alinhamento dos telejornais e transformam-se em apenas um número: pobre de quem parte vítima desta terrível pandemia, cuja origem permanece (des)conhecida.
    Boas Festas e bom fim-de-semana!

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    1. Os números, quase sempre, são neutros, as palavras podem ganhar temperatura. Há por aqui uma questão pertinente: sobreviver é sempre um razão maior, de um ponto de vista isento?
      Seja um ser humano ou um vírus?
      Retribuo os votos, cordialmente.

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  2. O anonimato dos números é sinistro, até porque torna mais fácil decisões políticas e económicas onde 1 ou 2% é considerado como nada, quando corresponde a uma quantidade grande de população. Bom Domingo!

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    1. Os números anónimos, que se vão repetindo, tendem a provocar uma certa insensibilidade, talvez perniciosa...
      Uma boa, próxima, semana.

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