quinta-feira, 26 de maio de 2016

A par e passo (167)


Quanto a mim, tal como sou, confesso que presto mais atenção à formação e fabricação das obras, do que às obras em si; tenho o hábito de não apreciar as obras senão como acções. Um poeta é, a meus olhos, um homem que, a partir de um determinado acidente, sofre uma transformação interior. Ele distancia-se do seu estado normal de disponibilidade geral, e eu vejo-o a transformar-se num agente, um sistema vivo produtor de versos. Tal como os animais que se podem constituir como hábeis caçadores, construtores de ninhos, fazedores de pontes, perfuradores de túneis e de galerias, vemos surgir nesse homem um sistema organizado que aplica as suas funções a uma obra determinada.

Paul Valéry, in Variété V (pg. 148).

2 comentários:

  1. Mas esta perspetiva não retira o prazer de ler?
    Bom dia!

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    1. Não posso responder com rigor à sua pergunta, MR. Porque trabalho a "meio gás" em poesia, como Valéry trabalhava por inteiro...
      Um amigo meu, romancista, também lia romances assim, e tinha gosto ou prazer em os ler, estudando a mecânica da construção... Mas eu não consigo, nem mesmo por inteiro, em poesia. Deve ser uma questão de sensabilidades...
      Boa tarde!

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