quarta-feira, 23 de abril de 2014

Da Janela do Aposento 46: A cereja em cima do bolo



Um sistema de ensino dedicado, essencialmente, a uma tarefa difícil e prolongada no tempo, i.e., fazer pensar não se coaduna com uma ausência de reflexão permanente sobre a estratégia mais adequada para atingir esse fim, nem, e muito menos, com soluções “ao sabor da onda” como demonstra a imagem acima.

Assim como me tem preocupado a lenta, mas persistente, anulação do direito fundamental do docente à autonomia na concepção e implementação de um Programa Nacional para uma dada matéria, tem havido um processo administrativo contínuo na castração de alunos. Em nome de uma pretensa objectividade, contrária à natureza da língua que, nas suas combinações ilimitadas, não permite textos idênticos, o ME tem produzido “papel” com uma prosa admirável.

Para exemplificar, se um exame nacional, qualquer que ele seja, tem três páginas de enunciado, a burocracia aumenta em três vezes esse aglomerado de indigências, acrescentando “critérios”, “descritores” e “cenários de resposta”, tudo em nome de uma falsa tentativa de alcançar a objectividade da avaliação. A autonomia do docente, claro está, fica reduzida ao cumprimento desta fatalidade, sacrificando, se não tiver o remédio de sair a tempo, a sua sanidade mental e contribuindo para industriar “macacos” em vez de desenvolver a autonomia de pensamento de alunos. Dispenso-me de sublinhar pormenores perversos como a “penalização” por usar mais do que um determinado número de palavras nas respostas, o que, obviamente, leva os alunos a contar as palavras em vez de se preocuparem com o essencial, a saber, o conteúdo.

Dito isto, basta olhar para a imagem acima para atestar a miséria a que chegamos e, sobretudo, sem vergonha ! De uma velada tentativa de instrumentalizar os professores para  a formação de “empregados diligentes”, de Azevedos e quejandos, surge, finalmente, a revelação por uma editora que enriquece à custa do treino institucionalizado.

Definitivamente, e sem pejo, o exame nacional passou a ter a figura de um avião e as restantes provas são meras malas de viagens. Não me parece que a mensagem pudesse ser mais concludente quanto à natureza de uma máquina instalada e com o objectivo de esvaziar, totalmente, a autonomia e a nobreza do ensino, anulando, por completo, a dignidade do pensamento humano.


 Post de HMJ

5 comentários:

  1. 100% de acordo. E ontem, para minha tristeza, a minha Universidade já tinha "sebentas" no serviço de fotocópias. Fiquei com uma fúria.... e fundador da Faculdade, Prof. A.H. de Oliveira Marques, deve ter dado uma volta no túmulo.
    Tirem-me deste mundo, que já não é o meu!

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  2. Para JAD:
    imagino e partilho a fúria e a tristeza. Lembro-me, perfeitamente, da sensação de menoridade de ensino quando, em 1973, me mandaram comprar "sebentas" em vez de livros. Nunca tinha visto semelhante "preciosidade".

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  3. Quem contou no outro dia que há tb uma espécie de livro de respostas, impresso, a eventuais perguntas que os alunos possam fazer sobre os manuais do Ensino Liceal? Para professores.

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  4. Sim, MR, é verdade. Os Manuais de ensino (alguns, não sei se todos) têm uma tiragem especial, para professores, onde numa tira, na parte inferior, se encontram as soluções das perguntas que fazem aos alunos. É tudo degradante!

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  5. Para MR e JAD:
    A desgraça, por detrás dessa perversidade de haver uma edição para professores e outra para alunos, são os excertos que apresentam das obras, ditas de leitura integral. Os ditos manuais apresentam "pedaços", julgo 5 a 7 para o Memorial do Convento, que ninguém sabe, para exemplificar:
    1ª em que edição se baseiam,
    2º não transcrevem tudo, mas não sabem indicar, com [...] quando cortam.
    Levava horas (!!!!) a confrontar os textos de "Manuais" com as respectivas obras, por vezes, sem resultados e com uma revolta enorme. Infelizmente não estava "autorizada" a dispensar os indigentes "Manuais" que, muitos deles, só teriam um destino: o caixote do lixo !
    Por outro lado, os chamados "questionários" sobre os textos são de "loucos", desconfio que muitos docentes não saberiam responder, se não tivessem as chamadas "soluções" ao lado.
    O logro instalou-se há muito e as aulas de "Português" vivem deste negócio das editoras.

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