Se tivesse capacidade e
dotes especiais para transpor factos reais para um universo de ficção, engenho
e arte que, de facto, não me foram concedidos, poderia transformar um evento
insólito, presenciado, numa prosa com laivos de verosimilhança.
Na ausência de dotes
superiores, fico-me pela narração factual de um encontro de miseráveis, claro
está, falando de condição social e mental, tão ao sabor dos nossos tempos.
Imaginemos, pois, um
“artista português”, falando alto para dar nas vistas, a aproximar-se do seu
local de trabalho. Neste caso, o Teatro Municipal S. Luís, em Lisboa. Berrava,
de dentro da sua viatura, para uma nova figura típica de Lisboa, o “arrumador”
– sabe-se lá da quantidade de “arrumos” de que ele vive. Eles são tantos ! Como
o artista não conseguia um lugar de estacionamento, maçada reservada aos
restantes cidadãos, recorreu ao “lobby dos arrumos” estabelecido, há muito, na
zona. Ele até anda com um molho de chaves de tanta gente, mais uma não lhe faz
diferença nenhuma. E ter a chave de carro de um artista, mesmo por minutos para
lhe fazer o “serviço”, até lhe dá uma certa “ficha” e promoção social na
miséria que nos cerca.
O processo até é simples. O
presumível cliente pára o carro num sítio, entrega a chave ao arrumador e vai à
vida.
Ele faz o trabalho dele,
frequentemente barrando um lugar ao cidadão comum, para servir o “seu cliente”.
Foi o que aconteceu.
Apenas uma completa ausência
de princípios morais e cívicos poderá explicar essa profusão de “lobbies”, do
mais comezinho e miserável ao mais elaborado e pernicioso, vivendo sempre da
conivência e do pequeno “jeito”, de “siguranças” a arrumadores e quejandos, em
vez de se empenhar na construção de uma democracia adulta, em que a lei e as
regras são de cumprimento e respeito obrigatórios para todos.
Enquanto uma Câmara
Municipal da capital de um país tolera esta subversão, e até os agentes de
autoridade declaram desconhecer semelhante fenómeno, estaremos longe de uma
democracia real em que o cidadão cumpridor e consciente não se sinta esmagado
por esse mundo de “novos miseráveis” em ascensão.
Post de HMJ