Se, como pessoa, não tenho muita empatia com J. Rentes de Carvalho (1930), a sua forma de escrita agrada-me e convence-me, quase sempre, e não desgosto de o ler. Aqui vai uma breve amostra deste pequeno livro (capa em imagem) de pouco mais de 70 páginas, para que se possa ter uma ideia. Segue:
"É desnecessário cantar loas à cozinha transmontana, basta dizer que na sua simplicidade, quase rudeza, ao mesmo tempo que tira a fome parece satisfazer também necessidades ancestrais, causando aquele benfazejo sentimento que não é apenas o da barriga cheia, mas o da misteriosa e animal satisfação de todos os sentidos.
Claro que isso só se alcança à custa de poderosos ingredientes, carnes bem criadas e bem talhadas, francas gorduras, vinhas-d'alhos de alquimia secular, mas também pela aplicação do bom senso e do desdém das patetices da modernidade.
Muitos anos atrás, jantando em Milão com um amigo que conhece tão bem Trás-os-Montes como a Calábria onde nasceu, e discutindo a «cassoeula» que tínhamos defronte e íamos comer, explicava ele, com humor, que a boa cozinha italiana - "Só ela conta" - tem de ter de tudo um pouco, mas esse pouco abundante.
E foi assim que, comparando uma coisa com a outra, chegámos à conclusão que havia bastante em comum entre a "cassoeula" da Lombardia e as "casulas com butelo" de Trás-os-Montes, ambas tendo sido comida de pobre num ainda não muito longínquo passado, e promovidas agora a iguaria."
(Trás-os-Montes, o Nordeste [2017] - pgs. 53/4)