quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Da leitura 40



"... Estou a cismar em demasia, a afastar-me excessivamente daquilo que, de uma forma razoável, deve ser um relato. Tentarei justificar-me: a poesia é e está na minha vida. Em certa ocasião, cheguei a dizer que a poesia é literatura apenas acidentalmente, que se trata de uma emanação da existência. Em todo o caso, entendo que a poesia não é ficção. Deixo isto dito para aqueles que, não tendo entrado, talvez, na realidade que alberga a verdadeira poesia, a identificam, plenariamente, com a literatura e a ficção. A poesia é, em mim, e em muitos outros, naturalmente, uma componente da vida; é-o até em termos biológicos (a minha tensão arterial sobe em tempos de criação). Não há fantasia na inclusão do raizame da poesia nas memórias da minha vida."

Antonio Gamoneda (1931), in Um armário cheio de sombra (pgs. 58/9).

4 comentários:

  1. É interessante este texto e deixa muito para refletir. Nunca tinha pensado na ideia da poesia não ser ficção e vou ficar a pensar no assunto. De facto, a poesia, tal como a pintura ou a música, tem que ver com as emoções e as emoções não são ficção. Bom dia!

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    1. De uma forma geral, a poesia parte de uma realidade descompensada que procura o equilíbrio. Realidade emocional, porventura.
      Boa tarde.

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  2. Parabéns ao blogue!
    Nunca vi a poesia como ficção, mas é literatura.
    Para muitos escritores, a ficção é «uma componente da vida; é-o até em termos biológicos», pelo que tenho lido em entrevistas, por exemplo de António Lobo Antunes.
    Bom dia!

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    1. Muito obrigado, MR!
      Gamoneda põe muito bem a questão. Eu diria: emoção pelo crivo da razão, assim será a verdadeira poesia. Wordsworth dizia: "emoção recordada em tranquilidade."
      Boa tarde.

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