Julgo que uma experiência muito comum a seres humanos, desde que letrados, é a que consubstancia a leitura de alguns livros que, passado o entusiasmo inicial, se revelam uma sensaboria e tornam exasperante a hipótese de os ler até ao fim. Já me aconteceu isto, muitas vezes, com romances policiais e até com obras de escritores consagrados. Que abandonei a meio.
Ao tomar banho, hoje, - e em sentido contrário -, quase acabei um pequeno sabonete branco, macio e oloroso, que tenho vindo a usar. De marca desconhecida, deve ser muito difícil eu conseguir comprar outro semelhante. Pelas dimensões, já muito reduzidas pelo uso dos últimos dias, foi um trabalho difícil obter espuma, mas o que eu lamentava mais era que estivesse a acabar, porque era muito bom.
Nos tempos, da velha senhora, em que poupar era uma das essenciais disciplinas domésticas, estes restos de sabonetes eram, com jeito, "colados" e acrescentados a um sabonete novo, sendo que, deste modo, eram utilizados até à última. Como as pontas dos lápis, que eram abertos, a faca ou canivete, para se lhes extrair as minas que iriam servir nas lapiseiras. Mas, hoje, quase já ninguém usa lapiseiras... E os lápis acabam por morrer antes do tempo. Assim como as velas de estearina, que eram aproveitadas até ao fim, antigamente.
Por vezes, também algumas conversas sociais nos enfastiam até à exaustão, e tentamos, em vão, uma maneira delicada de lhes pôr fim, embora não seja fácil, se o interlocutor for muito loquaz. A propósito disto, há um momento fílmico muito curioso, aos 59 minutos da projecção (mais ou menos), em "O Passado e o Presente" (1971), de Manoel de Oliveira. Num curto "Ora, viva!", entoado pela voz cavernosa de João Bénard da Costa, o protagonista, irritadíssimo e abrupto, põe termo à conversa desgastante, e abandona a cena.
Bem gostaria eu de, no passado, em algumas situações limite, ter tido esta coragem, mas preferi conformar-me, estoicamente, como Rimbaud, que dizia: "par délicatesse/ j'ai perdu ma vie..."