sábado, 11 de junho de 2022

Da leitura 51


Há uns anos atrás, dizia-me um romancista meu amigo, que toda a ficção que se preze teria de ter alguma palha convencional, sobretudo se a obra quisesse passar do conto ou novela para a consistência e volume de um romance. O problema seria o leitor ter que ultrapassar o frete ou vir a fazer batota na leitura do livro...
No que diz respeito aos romances policiais, a situação é recorrente e muito mais habitual. Se alguns clássicos e autores de primeira água (Conan Doyle, S. S. van Dine...) conseguem evitar os enchumaços na escrita, grande parte dos outros autores secundários não o evitam ou mal o disfarçam.
Aprecio razoavelmente a obra do inglês Nicolas Freeling (1927-2003) cujos policiais são um bom exemplo de divagações frequentes e alheias ao tema central das intrigas. No caso vertente (Uma Vida Perfeita, nº 628 da Colecção Vampiro), são convocados, um pouco a despropósito embora com algum interesse, Graham Greene, Stevenson (pg. 93), o assassinato de Olaf Palme (pg. 97), no ano de 1985.
Bem como, na página 104, estas considerações: "Os maus romances policiais da minha juventude estavam cheios de sustos tornados lúgubres - o efeito divertimento de feira. Comboios-fantasmas, fitas sarapintadas, truques com espelhos, vampiros. Se repararam no padre Brown nas proximidades sem fazer nada, exibir um par de saltos é um bom conselho. Nero Wolfe, ao abrir inocentemente a gaveta para contar as suas cápsulas de cervejas, encontrou uma ponta-de-lança dentro... Hoje em dia, acalentaríamos a esperança de que o pobre diabo não tivesse contraído um resfriado, mas a ideia consistia em pregar um bom susto ao leitor - é isso que o público aprecia."
E, talvez valha a pena dizê-lo, que muitos leitores se calhar nem se apercebem da palha que consomem.

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