A análise é, por vezes, um motivo de desprazer no detalhe, daquilo que era suportável no seu conjunto.
Paul Valéry (1871-1945), in Mauvaises Pensées et Autres.
A análise é, por vezes, um motivo de desprazer no detalhe, daquilo que era suportável no seu conjunto.
Paul Valéry (1871-1945), in Mauvaises Pensées et Autres.
Dignidade honorífica, nos tempos mais recentes, o posto de marechal destinava-se, principalmente, a premiar uma relevante carreira militar de um oficial superior do exército. Muito embora, do ponto de vista histórico, o cargo tenha sido criado pelo rei D. Fernando, em 1382.
Quando comprei o livro (imagem acima), interessavam-me, sobretudo, alguns nomes, que eu não sabia se teriam chegado ao posto de marechal: Junot, Ney, Bernardotte, Soult, Loison, Massena, Murat... Fiquei a saber que Junot, atacado de loucura, não chegou lá, e Loison que, no Minho e aquando da invasão, espalhou o terror ("Vai tudo para o maneta!"), também não. Mas as biografias sucintas de Désiré Lacroix (Les Maréchaux de Napoléon, 1896, Garnier Frères) são um trabalho essencial para conhecer a vida destes militares franceses do tempo de Napoleão Bonaparte (1769-1821).
Chegaram a 26 os marechais franceses em exercício e alguns deles cobriram-se de glória em batalhas conhecidas. Por cá, em Portugal, o posto de marechal foi, única e recentemente, honorífico. No século XX, tivemos apenas 6 marechais (dois da Força Aérea: Craveiro Lopes, e Humberto Delgado a título póstumo) e só Francisco da Costa Gomes (1914-2001) alcançou o século XXI. Lembremos os restantes: Gomes da Costa, Óscar Carmona e António de Spínola.
De há uns dias, porventura
desde o início do ano, aparecem-nos, ciclicamente, uns passarinhos engraçados
na varanda da cozinha. Tentei identificá-los através dos livros de aves que
temos cá por casa. Concluí, então, que eram toutinegras: macho e fêmea. O
senhor toutinegra mais acinzentado e a senhora mais acastanhada.
A identificação e descrição, assim como o som alegre dos seus “piu-pius” pode, o leitor interessado, ver aqui:
http://www.avesdeportugal.info/sylmel.html
As imagens que tirei, sobretudo do “papazinho toutinegra” são pouco nítidas, porque foram tiradas às escondidas por detrás das cortinas, porque o mais leve movimento os afugenta.
Então, a história é esta. O casal deve viver num matagal de vasos que existe na varanda ao lado. Como nós temos o hábito de deitar as migalhas do pão no vaso grande do limoeiro, dei-me conta da vinda dos bichinhos. Na tentativa de incentivar a sua vinda, tentei saber junto da minha amiga, grande protectora de bicharada de qualquer feitio, o que havia de incluir na ementa para os passarinhos. Ela aconselhou-me deitar flocos de aveia e uvas passas. Assim fiz.
O “papazinho toutinegra” tem
por hábito vir logo de manhã cedo, saltitando do limoeiro para outros vasos e
abastecer-se com a comida que deixamos. Ora, os nossos toutinegras são
fidalgos, temos que concluir. Flocos de aveia, é para outros bichos mais reles,
assim como as uvas. O que eles apreciam, isso sim, são as migalhas de uns
brioches que ficam do pequeno almoço. Não fica nada, o pratinho fica limpinho!
A meio da manhã, certamente com o almoço adiantado para as crias, vem a senhora
toutinegra, acastanhada, à procura de fiapos de brioches. Primeiro dá umas
voltas ao quarteirão, subindo também para os fios de roupa para apreciar as
vistas largas sobre a paisagem. Passeia-se, como se vê nesta foto, pelo
parapeito da varanda. Também se passeia pelo chão e, desgraça nossa, aproveita
para se aliviar!
São estas as nossas visitas
alegres, com pequenas histórias que nos encantam nestes dias frios e cinzentos.
Publicaram-se 20 números, alguns duplos, da revista cultural luso-francesa Afinidades, entre 1942 e 1946. Hoje o conjunto completo vende-se, quando aparece nos alfarrabistas, entre 200 e 300 euros. Eu tenho apenas 6 volumes, um dos quais é duplo (7/8), mas dá para ver a sua qualidade, bem como o nível dos seus colaboradores, de várias nacionalidades: Paul Valéry, T. S. Eliot, Ribeiro Couto, Fidelino de Figueiredo, Éluard, Aragon, Saint-Exupéry...
Presença constante é a de Lionel de Roulet (1910-1990), redactor, ex-aluno de Sartre e diplomata, que viria a casar com a pintora Hélène de Beauvoir (1910-2001), irmã mais nova de Simone de Beauvoir. Hélène colaborou também com frequência na revista, escrevendo recensões a exposições de pintura e abordando pequenos estudos sobre arte moderna. A pintora francesa, além de dar aulas no Instituto Francês, publicou um curioso anúncio no número 5 de Afinidades, já em Lisboa. Onde viveu, creio, até 1946.
Como curiosidade julgo interessante referir que a Universidade de Aveiro possui um acervo de 84 telas de Hélène de Beauvoir, que lhe foram cedidas pela própria pintora francesa, em jeito de gratidão pelo convite que lhe fora feito pela instituição para lá fazer uma exposição.
Tivemos hoje, no Arpose, a primeira visita da Federação Portuguesa de Futebol. Que demorou 1m29 segundos na consulta e que, naturalmente, se dirigiu a um poste de temática infantil.
De há uns 4 ou 5 anos a esta parte, fui-me dando conta da aparição e permanência, dentro de casa, de umas pequenas moscas (?). Imaginava que crescessem de tamanho, mas não, pareciam ficar sempre raquíticas ou anãs, sendo no entanto, como as outras, importunas e irritantes, e bem mais fugidias à sua execução mortal do que as normais ou maiores, pelo seu pequeno tamanho e voo sempre muito ziguezagueante.
Considerei a hipótese, nos primeiros tempos, de serem mosquitos, mas não, pelo formato dos corpos seriam mesmo moscas, depois de ter investigado o assunto. Do que li, cheguei à conclusão que a longevidade delas não excede, normalmente, os 28 dias. O pior é que entretanto, após diversas metamorfoses, produzem milhares de ovos, de recordação...
Pus-me a pensar depois em sequência. Para quem, todos os dias, trazia à boca de cena, obsessivamente, em conversa, jornais, têvês, blogues, o ogre marcano como tema favorito, por quem o iria substituir? Por este Biden discreto e equilibrado, julgo que não. Resta à mainstream banhar-se mais uma vez no Covid e adjacências banais e repetitivas... Mas que grande seca!
Em geminação com o post de JAD, no Prosimetron, sobre “Medidas no século XVI”, lembrei-me de um tratado de Gonçalo Fernandes Trancoso [1515-1596].
Ora, os livros antigos, mais propriamente do século XVI e, no caso presente, um impresso de 1570, da oficina de Francisco Correa, proporcionam momentos de prazer e reflexão sobre o mundo, antigo e moderno, elevando o pensamento.
O tratado é este
[BNP RES, 295 V – cópia digital:
purl. 15203]
No capítulo primeiro temos a
explicação da regra para as festas mudáveis. Deixei, propositadamente a bela
inicial o a abrir o parágrafo.
No entanto, a graça
encontra-se no miolo do livro, quando se exemplifica, através de gravuras encantadoras,
o “saber pelos dedos os dias de cada mes”:
Com a Regra geral:
E, por fim, o “saber o dia da
lua nova pelo dedo”:
Já o disse várias vezes e teimo em repeti-lo: a prosa de Eugénio de Andrade (1923-2005) é, por vezes, tão bela quanto o é a sua poesia. Ora, pois, ouçámo-lo:
Há poucos brinquedos na minha vida, mas, além do arco, do pião e da bilharda, a minha infância está cheia de sol, cheia de água. E do calor quase materno dos animais. Meu avô comprara-me uma cabra e três ou quatro merinos. E nós já tinhamos um burro e um cão, além das galinhas e do pato. Eu adorava aqueles borreguinhos com olhos de rola e, depois, a imaginação das crianças é muito vasta: o pequeno engenho feito de juncos por um primo meu facilmente se convertia em azenha. Um rego de água era o mais irreal e navegável dos rios, os bichos feitos de bugalhos e gravetos ganhavam vida por encanto. Chapinhar numa poça de água ou transformar uma cabra em cavalo persa, se isto não é felicidade, então a felicidade não existe. Os cavalos, sim, foram uma paixão minha, mas só um pouco mais tarde, dos sete para os oito anos, já em Castelo Branco, quando comecei a ver o Tom Mix no Cinema Vaz Preto. E foi ainda naquela cidade que tive isso a que talvez se possa chamar o primeiro brinquedo - uma trotineta. Ninguém se lembra já de me ter visto passar pelas ruas belo como um anjo proa. Mas com ela fui assim uma espécie de Fernão de Magalhães dando a volta ao mundo: descia do castelo e só parava no jardim do Paço, depois regressava a casa a horas do pão com compota de ginja e o sorriso da mãe - tão merecidos.
Eugénio de Andrade (19/1/1923 - 13/6/2005), in Do Silêncio à Palavra.
Domingo gélido, em que tivemos de esperar pelo aquecimento do carro para descongelar a fina camada de gelo nos vidros do automóvel, a fim de arrancarmos para a média superfície a fazer compras. Pouca gente por lá: íamos muito cedo...
Tenho vindo, entretanto, a poupar a reserva de livros por ler, dando prioridade à grande quantidade de policiais (Colecções Vampiro e XIS) não lidos, que tenho por aí, em benefício doutros volumes com qualidade literária ou afins, que esperam por outros dias mais felizes.
Acabado, ontem, O Touro Etrusco (XIS, nº 193), de Frank Gruber (1904-1969), começarei hoje O Espião Amador (XIS, nº 154), do inglês Michael Underwood (1916-1992). À tarde, na RTP 2 (18h09), mais um episódio de Il Giovane Montalbano. Que não me desperta grandes expectativas: Andrea Camilleri (1925-2019) não respeita, em princípio, as regras de ouro, que S. S. van Dine (1888-1939) definiu e bem, há muito (1928), para o verdadeiro e genuíno romance policial...
Dizia Brillat-Savarin (1755-1826), que o terá conhecido de perto, que Napoleão Bonaparte (1769-1821) comia mal e depressa. Outras fontes revelam que 10 minutos lhe eram suficientes, a uma refeição, e, só por amabilidade ou diplomaticamente, ele aguentava mais do que 30 minutos à mesa. A alimentação familiar da sua infância, na Córsega, não era muito pródiga, também, por várias circunstâncias. O grande Corso preferia comer à mão, sem usar talheres, como aliás fez com o Frango à Marengo que lhe preparou o seu cozinheiro particular Dunand (François Claude Guignet), a 14 de Junho de 1800, após a célebre batalha.
A receita original, e à falta de melhor na altura, terá sido confeccionada com 3 ovos, 4 tomates, cebola para o refogado, 6 camarões (lagostins de água doce?) e um franguinho do campo. Hoje, há muitos que lhe acrescentam cogumelos, muito embora parece não terem entrado na receita primitiva. Napoleão gostou imenso e terá dito para Dunand: Tu m'en serviras comme ça après chaque bataille! Em jeito de bónus, acrescentemos que, no que diz respeito a frutas, à sobremesa, as preferidas de Bonaparte eram as cerejas, as uvas e as tâmaras depois da campanha do Egipto. Gostava de café bem forte, finalmente.
Eu, pobre eleitor do próximo PR português, tenho uma enorme dificuldade em perceber a coerência do rigor do próximo confinamento aconselhado por algumas altas figuras da nação, por um lado, e o encontro (festivo, aguerrido e dinâmico?) dos vários pretendentes (todos ao molho e fé em Deus?) a Presidentes, num debate pré-eleiçoeiro, na RTP 1 e RTP 3, por volta das 21h55 de hoje, por outro.
Por onde andarão a moralidade e o bom senso?
Não sei se o Brexit foi, para o Royal Mail, motivo justificado e suficiente para a emissão de alguma série de selos, na Inglaterra. Em 1973, e após dois vetos da França personificados por Charles de Gaule (1890-1970), que recusava a sua admissão por desconfianças sobre a Commonwealth, desaparecido o General, o governo de Edward Heath (1916-2005), movendo influências e diplomacia, conseguiu que o Reino Unido ingressasse na Comunidade Europeia, facto que justificou a série filatélica, de três selos, em 1973, conforme imagem.
Mas logo quatro anos depois (1977), os correios ingleses não se esqueceram de celebrar, também em selos, a cimeira dos chefes de governo da Commonwealth... Razão tinha De Gaulle.
Dizia José Quitério (1942), na sua ampla sabedoria e competência culinária, que o único prato de alta gastronomia portuguesa era a Perdiz à Convento de Alcântara. Mas, neste décimo dia do novo ano de 2021, confinado parcialmente, HMJ resolveu-se a confeccionar um Cozido à Portuguesa, com todos os matadores, e eu a abrir, cerca de 2 horas antes, uma magnum alentejana de 2010. Que, como diria José Régio (1901-1969) poeta (ao contrário, e com o portalegrense Suão...), este frio esfarela os ossos,/ dói nos peitos sufocados, pelo seu severo rigor penetrante, convidando assim a vitualhas robustas e aconchegantes.
Do Pêra Doce (Trincadeira, Aragonez e Syrah), alentejano e com 13,5 º, com os seus 10 anos completos, estava eu com receio, porque os desta região demarcada querem-se jovens, normalmente, ao beber, embora alguns raros, clássicos, se aguentem muito bem na velhice, e com nobreza. Este portou-se lindamente à altura das expectativas. E, do Cozido, nem se fala, que o silêncio é de ouro e recomenda-se!...
Quem foram os loucos que espalharam a história de que a força bruta não pode matar as ideias? Nada é mais fácil. E uma vez mortas, nada mais há senão corpos.
Simone Weil (1909-1943), in Three Letters on History.
Temos talvez a veleidade ou, mais propriamente, a ingenuidade de pensar que as constituições democráticas asseguram os equilíbrios ou evitam os excessos e ameaças de ditaduras. Esquecemo-nos de recentes exemplos na Hungria ou na Polónia. Basta um energúmeno, que não respeite as regras democráticas, para que tudo se possa subverter.
Alguns pacóvios ou apátridas vendidos ou sonhadores, ainda agora, devem considerar os E. U. A. como terra da liberdade e promissão. Quanto a mim, e depois do que se passou ontem no Capitólio, no que diz respeito aos norte-americanos, estamos conversados...
O livro, que o meu amigo H. N. me recomendou, emprestando-mo, foi editado em 2011. Com 528 páginas e em bom estado, foi comprado, usado, num alfarrabista da rua da Misericórdia (Lisboa). E tinha a particularidade de trazer apensa, com um clipe, uma carta, dirigida, cordial e intimamente, ao Professor Diogo Freitas do Amaral (1941-2019), por um amigo, Alberto, de seu nome.
Por indícios e alguma investigação, que fiz, julgo que a oferta da obra terá sido feita por um colega de Direito mas, sendo as provas insuficientes, não revelo o nome do cavalheiro que se hospedou no Hotel Ritz, utilizando envelope e carta dessa unidade hoteleira.
com agradecimentos a H. N.
[imagens tiradas das Folhas Volantes: Auto das Regateyras e Auto dos Sátiros, ca. 1544/1558]
A qualidade faz o cliente.
Fui-me afeiçoando ao Le Point, à medida que os fui adquirindo e lendo. Mais do que a perspectiva histórica, este último aborda Napoleão, neste segundo centenário da morte (Maio de 1821), através dos lugares por onde passou, ou deixou a sua marca. Lê-se a revista assim, como se fosse um guia de viagens.
Como de costume, aconselho-a. Não sendo barata (9,90 euros), vale a pena e merece-os.
Talvez seja excessivo circunscrevê-lo unicamente como pintor, mas como caricaturista emérito, ele é dos mais dotados e primeiros, entre os portugueses. Emmerico Nunes (1888-1968), filho de pai português e mãe oriunda de uma família da Baviera, tem a sua obra gráfica espalhada por revistas alemãs e portuguesas e o seu traço elegante é inconfundível.
Munique e Paris são etapas do percurso da sua vida, até que em 1928 se fixou, definitivamente, em Portugal. Reconhecido pelo seu talento, cedo António Ferro lhe deu a mão... Hoje, algo esquecido, talvez poucos reconheçam Emmerico Nunes como autor da capa do velho livro de 3ª classe.
Nascido em Berlim, Arnold Genthe (1869-1942) cedo emigrou para os E. U. A. e, embora tarde se tenha dedicado exclusivamente à fotografia (os seus estudos foram na área das Humanidades), foi a tempo de deixar inúmeros testemunhos do terramoto de S. Francisco (1906) e das ruinas provocadas.
Notáveis são também os sugestivos retratos de Isadora Duncan e do poeta irlandês W. B. Yeats, este último fixado em 1915.