domingo, 30 de junho de 2019

Em memória de J. P. B. da Costa (1935-2009), com a ajuda de P. Comelade (1955)



Pascal Comelade faz hoje 64 anos.

Voltar atrás... e reler


Por razões alheias, repeguei, folheei e reli algumas palavras de Miguel Torga (1907-1995).



Quando, por causas muito diversas, perdemos tempo a ler tanta burundanga e literatura de terceira ordem, não deixa de fazer bem à saude ir reler alguns clássicos da nossa terra - é outra louça!


Aqui deixo o prefácio de Miguel Torga à quarta edição de Bichos (Coimbra, 1946), com a esperança de que sirva de aperitivo e tentação aos Amigos e Seguidores do Arpose.
Mas também que sirva aos zoilos, que aqui chegarem por acaso, para emendar a pontaria...


Letras, Coimbra juvenil


Os degraus estão lá, ainda. Mostrei-os a HJM. Onde, em 1962 (Maio?), se me deu o clique mental  político que acompanhou o som do puxar da culatra  da metralhadora de um polícia de choque que, integrado no pelotão repressivo, invadiu o campus universitário, pela primeira vez, em séculos. Até aí, eram os archeiros que cumpriam essa autoridade, a contento do poder e dos estudantes. Aberto o precedente, havia de repetir-se a intrusão policial, em 1969, com mais aparato e dureza.
Agora, os archeiros e os bedéis têm novas fardas e até tive dificuldade em identificá-los, mas os murais no interior de Letras são os mesmos, marcadamente figurativos como os soviéticos da mesma época. E o meu olhar fixou-se, como antigamente, no canto inferior direito e na imagem digna do cego Homero, que não envelhecera, na sua meia idade eterna de aedo e patrono das Humanidades conimbricenses. E, nessa recordação votiva, me veio à memória a amorável imagem de Maria Helena da Rocha Pereira (1925-2017), professora que me leccionou Cultura Clássica, há quase 60 anos...

Divagações 149


Nem tudo aquilo de que gostamos congrega o consenso geral. E ainda bem, ou o mundo seria de uma monotonia infindável. Por outro lado, sendo saudável nos seres humanos, há, quase sempre, uma evolução do gosto. Que permite chegarmos a novos patamares de beleza e prazer, com a idade, embora sem descartarmos totalmente o que ficou para trás, dando-lhe apenas o seu ajustado e preciso valor. Mas também há quem fique agarrado, desesperadamente, à infância, como um paraíso perdido inviolável que se não pode perder e donde nunca se pode partir. Uma espécie de felicidade liofilizada. Em que os valores de infância correspondem, exactamente, aos mesmos interesses da maturidade. Sem o mínimo aggiornamento crítico.
É por aqui que se perde o horizonte e o pé, de forma definitiva, e se exclui da vida a palavra aventura e o crescimento mental, para sempre.

sábado, 29 de junho de 2019

Miqui, a Dª Leocádia e Montaigne


Dona Leocádia é uma condómina estimável e idosa do meu prédio, apesar do seu gato preto ser irreverente e indisciplinado. Ainda hoje, ao fim da tarde, encontrei a pobre da senhora aflita, à procura do Miqui, que se escapulira por uma nesga de porta aberta que a dona Leocádia entreabrira para assinar a recepção de uma carta registada.
O pequeno felino parece divertir-se a desinquietar e pregar partidas à dona septuagenária, que lhe tem um carinho especial e que - julgo eu - o trata com imenso desvelo. Quando ela me perguntou : Não viu o meu gato preto?, eu senti um aperto de solidariedade no coração, mas lembrei-de, também, de uma frase de Montaigne, inserta nos Essais.
E que diz assim: Qui sait si ma chatte ne tire pas plus son passe-temps de moi que je ne fais d'elle? *
Até porque não tenho muitas dúvidas que alguns donos são autênticos escravos dos seus animais de estimação.


* Ora traduzamos, liberrimamente : "Quem sabe se a minha gata não tira muito mais proveito de mim, como passatempo, do que eu, dela."


Dois Sagitários portugueses, em França



Eugen Doga (1937) : Tango

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Popular, sanjoanina e brejeira


Ó menina dê-ma, dê-ma!
Que eu não lhe peço dinheiro,
peço-lhe a sua ovelhinha
p'ra turrar c'o meu carneiro!


com agradecimentos a A. J. R. M. M.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Humor negro (13)


Sobre Camilo (1825-1890), no Boletim Cultural da C. Municipal do Porto (Vol. XIII, Março/Junho-1950), deparei-me com um interessante artigo de Frederico de Moura (1909-2002), sobre o romancista de Seide. A que não faltam episódios pitorescos e também de humor, de que vou referir um excerto. Assim:

"Camilo é uma ruína. De uma vez, já bastante envelhecido, encontra-se num oculista da rampa do Ferraz no Porto, com uma peixeira de Ílhavo coleante e desenvolta. Era um belo tipo de mulher. Camilo fita nela a pupila lúbrica ja embaciada e não resiste a dirigir-lhe um galanteio. A peixeira lépida e desempenada encarando nele, riposta rápido, aludindo às covas que a varíola tinha deixado na face do escritor:
- Olha o raio do velho com cara de areia mijada!"


Coimbra, menina e velha


Só este espaço, em imagem, me pareceu mais pequeno. O resto de Coimbra cresceu, desmesuradamente, e no pior sentido. Em casas devolutas, em ruinas cujas paredes se esfarelam de humidade e chinoiseries pululantes, em hamburgarias, em lixo, também.
Descer do museu Machado de Castro até à Sé Velha, pelas ruelas exíguas, nos primeiros 60 metros, é tarefa deprimente pelo estado das casas, a seguir é tasca sim, tasca não, até ao Arco de Almedina. Fora as lojas para turistas low cost.
Por outro lado, nunca pensei que a degradação da pedra (de Ançã?) pudesse atingir tais proporções na Igreja de Sta. Cruz e na Sé Velha. Retirados ou erodidos, há uma série de nichos vazios nestes dois templos vetustos. Misérias, da que já foi a terceira cidade do país...
A Ferreira Borges vai ficando cada vez mais uma chinatown lúgubre, a que se segue uma rua da Sofia anárquica e suja, de comércios duvidosos. A praça do Comércio, entre a capela de Santiago e a igreja de S. Bartolomeu, está morta. Resta o dédalo labiríntico de pequeno comércio, no interior da Baixa, que cerca o beco do Manuel dos Ossos, onde já havia bicha à espera, ainda não eram 19 horas.
Não fora o movimento e vida na Alta, em volta dos polos universitários, Coimbra mais parecia uma cidade fantasma, visitada por turistas por todos os lados onde houvesse alguma coisa para ver, comer, beber ou fotografar. Ainda que fosse uma pindérica e ancuda tricana metálica, plantada no escadório, entre as duas Sés.

terça-feira, 25 de junho de 2019

Citações CDVIII


O grande erro em que grande parte das pessoas incorre é partir do princípio que a maioria dos seres humanos são saudáveis. Ora, eu conheço muito poucas pessoas saudáveis - e só conheci um homem na minha vida que era realmente crescido e maduro. Todas as outras pessoas são perfeitamente reconhecíveis como crianças que aprenderam modos adultos de como se comportarem.

John Cleese (1939), in The Times, 12 de Dezembro de 1982.

domingo, 23 de junho de 2019

S. O. S.

Estou numa aflição. Alguém conseguirá explicar a um ignorante utilizador da net, que eu sou, quem é o Googgle Proxy (U.S. IP 66.102.8.141)?
Esta entidade marcana, de há uns 10 dias a esta parte, tem andado a varar ou, melhor, fazendo pesca de arrasto, indiscriminadamente, sobre os postes do Arpose, quase todos os dias.
Será que esta obsessão mecânica e marcana terá a ver com o Estreito de Ormuz?

Pequena história (56)

Em grande parte das corporações,  no seu interior, existem alguns ninhos de lacraus, que segregam um humor corrosivo, mas original...


No seu Journal, Julien Green (1900-1998) refere que André Gide (1869-1951) lhe teria dito de Paul Claudel (1868-1955), que ele "era um cavalheiro que achava que poderia ir para o céu em carruagem de primeira classe."


Cerca de 4 meses depois Claudel, ao saber dessa tirada de Gide, terá retorquido : "Esse Gide bem poderá ir para o inferno, de metropolitano."

sábado, 22 de junho de 2019

Citações CDVII


Ser editado pela Oxford University Press é ainda melhor do que ser casado com uma condessa: a honra é quase maior do que o prazer.

G. M. Young (1882-1959).

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Algaravias (11)


Desta vez, seguem-se, penúltimos, alguns regionalismos iniciados por s e t, seleccionados da obra Dicionário do falar algarvio, da autoria de Eduardo Brazão Gonçalves.

1. Sagorro - casmurro, bicho-de-mato; pessoa de maneiras pouco polidas; zorro.
2. Salapica - termo utilizado para designar as pessoas ruivas com sardas.
3. Salso - embirrento; maçador.
4. Sementão - animal de cobrição.
5. Sògueiro - sonso; que pratica actos que não seriam de esperar; manhoso.
6. Talamoncada - pancada forte.
7. Tàpiço - avental.
8. Toira - tacho.
9. Traçana - o que gosta de criticar, de dizer mal dos outros.
10. Triosga - bebedeira.

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Migrações


Há fenómenos que me ultrapassam e tenho enorme dificuldade em percebê-los. Mas comecemos pelo princípio, enquadrando os factos, tal como os conheço.
Sempre conheci Coimbra desprovida de alfarrabistas. Mais precisamente, havia apenas uma pequeníssima loja de livros usados, na Alta, numa ruela que ia dar ao C. A. D. C. Sempre me perguntei, nesse início dos anos 60, se o potencial universitário de leitores não justificaria a existência de mais livreiros-alfarrabistas. Pelos vistos, não, fazendo jus ao provérbio: Em casa de ferreiro, espeto de pau.
Bastantes anos mais tarde, em Coimbra, se inaugurou a Livraria Miguel de Carvalho que, alguns anos depois (Março de 2018), talvez pela malfadada lei Cristas das rendas, se transferiu para a Figueira da Foz. Fiquei perplexo: então a balnear Figueira tem mais potenciais clientes do que a Coimbra universitária? Pareceu-me um contra-senso.
A entrada em vigor da lei Cristas, em Lisboa, provocou um autêntico pogrom nos alfarrabistas. Quase uma dezena de casas de livros usados desapareceu, duas ou três mudaram de sítio, várias outras estão ameaçadas, ainda hoje. Uma das que mudou de lugar foi a Livraria Artes e Letras, de Luís Gomes, que saiu da zona do Chiado para as Avenidas Novas.
E agora, para mim inexplicavelmente, ruma de Lisboa para Óbidos. Óbidos?!
Só posso desejar a Luís Gomes, e apesar de tudo, os melhores sucessos comerciais, nesta sua nova migração.

Inti-Illimani - La Mariposa

Do que fui lendo por aí... 28


Na minha adolescência, Giovanni Papini (1881-1956) teve lugar cativo e era um dos meus escritores predilectos - li muita coisa dele embora, com obra muito vasta, muita coisa tivesse ficado por ler. Só mais tarde vim a saber que, do ponto de vista político, o escritor italiano teve um percurso algo controverso. Adiante.
Creio que muita gente terá a experiência de algum acontecimento funesto ou menos feliz que, a médio ou longo prazo, pôde vir a resultar numa deriva positiva futura, não esperada, na sua vida. É isso que Papini tenta provar em Desgraças Afortunadas (pg. 100), pequeno capítulo do livro Vigia do Mundo (Livros do Brasil, 1955), com alguns exemplos. 
Que passo a transcrever:

Giambattista Vico tornou-se inteligente só depois de uma queda pelas escadas abaixo; Goya pintou as suas obras mais originais depois de uma cura da paralisia; Beethoven encontrou os gritos mais sublimes da alegria depois que se tornou surdo; Leopardi escreveu as líricas mais perfeitas depois de se tornar corcunda; Proust escreveu a sua obra-prima quando a asma o impediu de continuar a estulta vida mundana.
Poder-se-iam juntar centenas de exemplos. Não é sempre verdade que a desventura gere desventura: muitas vezes ela não é senão a paga antecipada de um dom que vale bastante mais do que o penhor.


quarta-feira, 19 de junho de 2019

Uma capa


Cada capa do TLS é, normalmente, um caso. De bom gosto ou originalidade estética.
De Barthes, que veio a ser cooptado, mais tarde, por Clara Ferreira Alves, para título da sua crónica  semanal no Expresso, até esta Camera Obscura que se debruça sobre Nabokov, vai uma enorme distância.
O motivo desta capa do TLS (nº 6063) tem a assinatura de Henn Kim.
É, pelo menos, agradável à vista. E sugestiva.

Lembrete 67


Recentemente saído, este hors-série da revista Le Point é dedicado a Montaigne (1533-1592).
As colaborações são de qualidade, abordando o ensaísta pioneiro e francês sob várias perspectivas disciplinares, e o aspecto gráfico do dossiê, cuidado, acompanha, devidamente.
Não sendo barato (9,90 euros), merece. Aqui fica a informação, a quem possa interessar.


terça-feira, 18 de junho de 2019

Exercício matinal


Vai o Sol modesto, envergonhado, mas amável para quem esperava, por previsão metereológica, a chuva já matinal. Não fora, por entre as nuvens, que vem do Sul, uma agreste luminosidade parda que parece cegar os olhos de quem os vira para o alto. Gaivotas, nem vê-las, só esparsas andorinhas e alguns raros pardais.
Nas pequenas diligências matinais, dei-me a contar os passos andados. 283 percorridos. O que me deixou vitorioso sobre os ingleses de meia idade que, segundo as estatísticas, pouco passam dos 200* diários. É certo que tenho a meu favor o normal bom tempo português que, apesar de tudo, já teve melhores dias... E, se não chover, logo à tarde, ainda passo pelo alfarrabista.

* Em tempo:
é o que faz falar de cor!... Tinha referido 200, mas fui confirmar ao texto: eram afinal quase 2.000, os passos diários dos séniores ingleses, pelas estatísticas.
No entanto, como o tempo ajudou e ainda fui, de tarde, ao alfarrabista, devo ter ultrapassado a média andante dos britânicos, por hoje...

Bibliofilia 176


Por razões que não importam, veio o volume da estante dos dicionários para a minha secretária. E dei-me a folheá-lo, com gosto e proveito informativo.
Esta obra de Pierre Chompré (1698-1760), francês licenciado em Direito, foi editada, em França, no ano de 1727, pela primeira vez, e rapidamente se tornou um best-seller. Ciquenta anos depois (1777) já contava 13 edições. A primeira impressão portuguesa, traduzida provavelmente por José Pedro da Fonseca, saiu em 1779, creio. Le Dictionnaire de la Fable, medianamente erudito e útil, serviria de apoio e ilustração a oradores sagrados, poetas românticos e neo-clássicos, homens de leis e advogados, e até políticos, para os seus discursos.


A mitologia, a literatura clássica, a fábula e a história antiga são os seus motivos essenciais.
O meu exemplar, de 1836, em língua portuguesa, com encadernação de pele, mas cansada, está rabiscado na folha de rosto e tem marca de posse manuscrita na última folha em branco. O miolo e o texto estão íntegros e perfeitos, no entanto.
O livro custou-me, em meados dos anos 80, Esc. 400$00. A livraria Candelabro tinha à venda, recentemente, a primeira edição portuguesa (1779) ao preço de 75,00 euros, também encadernada.


Por curiosidade, reproduzo a marca de posse manuscrita de um dos seus últimos possuidores, que terá frequentado o Seminário de Coimbra, em 1895.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Revivalismo Ligeiro CCXXXIII

Uma quadra, traduzida, de Walter Savage Landor (1775-1864)


Dying speach of an old Philosopher


        Nunca lutei contra ninguém, porque ninguém merecia a minha vida: 
           Amei a Natureza e, depois da Natureza, a Arte:
          Aqueci ambas as mãos ao lume da existência; 
           Que se foi apagando. Agora, estou pronto a partir.  

domingo, 16 de junho de 2019

Uma louvável iniciativa 54


Com apoio mecenático de algumas instituições nacionais, decidiu, em boa hora, a Casa de Serralves (Porto) editar um interessante guia de bolso que permite identificar, para quem não saiba, as diversas espécies que povoam os seus jardins.
Num design caprichoso, mas elegante, dele constam árvores e arbustos, aves e animais terrestres, insectos e répteis, numa profusão multidisciplinar, sempre acompanhada do desenho das espécies, assim como de breves descrições das mesmas.


Útil e culturalmente informativa, esta louvável iniciativa merece destaque e o nosso aplauso.

com agradecimentos a A. de A. M..

sábado, 15 de junho de 2019

Mercearias Finas 145


Admito que há pouca gente, entre os amadores como eu, a quem possa interessar saber as castas de uvas do lote que constitui o vinho que vão provar. Por várias razões, é muito raro eu comprar algum vinho que não possua esta informação no rótulo ou no contra-rótulo. Dou-me, habitualmente, mal, a nível de digestão, com a Castelão e a Trincadeira que são, no entanto, castas interessantes e saborosas,  que dão personalidade marcada a alguns vinhos de renome e são mais utilizadas no centro e sul de Portugal, por vários produtores.
Se a Sogrape, no que ao Dão Grão Vasco diz respeito, ora informa ora omite a referência às castas, numa incoerência caprichosa que eu não entendo, já a Soc. de Vinhos Borges é raro dar essa informação que me parece sempre útil e importante. Compreendo, no entanto, que alguns produtores a não indiquem, por mero desconhecimento da qualidade de uvas que utilizam. É que, em áreas de vinhas velhas, a mistura de castas prolifera, como era de norma geral nesses antigos terroirs plantados com cepas muito diversas.
Mas também há muitos novos produtores, chegados há pouco ao mercado dos vinhos que, além de omitirem as castas do lote (será que para eles o segredo é a alma do negócio?), substituem essa informação importante, pelo menos para mim, por pequenos textos com derrames líricos, normalmente pindéricos e exuberantes, realçando as excelências do néctar, no contra-rótulo, de forma despropositada. É o que menos perdoo, embora por vezes me ria destas incontinências verbais e saloias destes arrivistas modernaços.

Kuhlau / Jendó

sexta-feira, 14 de junho de 2019

As palavras do dia (36)


Estou à vontade, até porque já falo dos malefícios do turismo intensivo há muito tempo. Quando, na altura, alguns me consideraram uma espécie de velho do Restelo xenófobo, que não era nem sou.
Agora, já quase todos rosnam contra eles, até o mec, repimpado em Colares, lhes dedicou uma crónica raivosa, há dias no Público, esconjurando estes turistas low cost que fazem perder a alma das cidades.
Mas o que mais me preocupa é que, se os edis de Barcelona ou de Bruges vão tomando medidas restritivas contra estas hordas chungas, o Medina lisboeta parece continuar a sorrir para elas, alarvemente, sem nada fazer. Depois, que não se queixe se perder as eleições, como merece...
Entretanto, leia-se acima o texto de António Guerreiro, na ípsilon do jornal Público de hoje, que põe o dedo nesta nossa ferida que vai alastrando como peste dos nossos dias.

Dos excessos e suas alternâncias


Longe vai o tempo em que se dizia: gordura é formosura. Talvez de norma e moda, na época de Camilo, em Portugal, e Ana Plácido não destoava, nesse particular atributo. Segundo um estudo recente e credível, na Inglaterra, uma em cada cinco crianças, até aos 11 anos, é obesa; e com a adolescência, a percentagem aumenta. Uma das razões será da junk food largamente consumida, sobretudo nas classes britânicas mais baixas. Por cá, eu chamo-lhe: fome de séculos, por razões históricas.
Mas também a arte se faz eco destas flutuações de moda ou de estética. Basta lembrarmo-nos dos camponeses de Bruegel ou das mulheres anafadas de Rubens, até chegarmos aos modelos rotundos de Botero. Pelo meio, teremos a elegância dos nus de Cranach e as silhuetas harmoniosas de alguns Dürer. Pelo século XIX/XX, Renoir e Léger voltam à rotundidade curvilínia, mas creio bem que Alberto Giacometti não desdenharia ter Twiggy como modelo preferido para as suas esculturas...


quinta-feira, 13 de junho de 2019

Citações CDVI


Parece que o mundo está dividido entre boas e más pessoas. Os bons dormem melhor... enquanto os maus têm prazer em acordar mais cedo.

Woody Allen (1935), in The New Yorker (21/11/1977).

Dos top-ten



Qualquer blogue que se preze, tem esta ária de La Traviata no seu arquivo de música erudita.
De propósito, não a incluí no poste em que abordei (Clonagem operática, de 21/11/2018) os lugares-comuns que grande parte dos blogues, ditos culturais, frequentam, deixando em branco o 10º lugar.
Mas vai hoje, até para não me excluir da corrente dominante
Por algumas justificadas razões. Ter sido uma magnífica realização coreográfica da Metropolitan Opera House (Nova Iorque). E contar com duas excelentes interpretações de Diana Damrau e Juan Diego Florez.
E que me perdoem esta trivialidade!

Um pequeno museu muito bem arranjado


Gastámos bem a tarde do Dia de Portugal.
Temos uma particular estima pelos pequenos museus, quando bem estruturados e concebidos com gosto e atenção sensível. Visitantes, connosco, apenas 5. Uma japonesa de meia idade, interessada e curiosa, e outro casal demorado na observação das preciosidades. Dois seguranças e uma recepcionista simpática deram-nos as boas vindas da Casa-Museu.
Entra-se como se fosse para um palacete familiar e acolhedor, que não nos fosse estranho. O recheio é que é.



Mais tarde, hei-de referir algumas peças que me despertaram a atenção e o interesse. Hoje, quero apenas destacar, da Casa Museu Medeiros e Almeida, um pequeno quadro de Eugène Delacroix (1798-1863), que antes de chegar a este palacete lisboeta pertenceu a Degas. E lhe terá por certo alegrado os dias e em que ele terá descansado o olhar, muitas vezes.
É o retrato de um jovem, Amédée Berny D'Ouville, que Delacroix terá pintado em 1830, e António de Medeiros e Almeida (1895-1986) comprou em Londres, em 1956, num leilão da Sotheby's, por 8.000 libras.


Anos depois de Amédée ter falecido, um irmão do rapazinho, ao ver o quadro, terá dito, imediatamente:
" É ele mesmo. Está muito parecido, com aquele seu ar de fuínha! "

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Dois ou três olhares


De Eva Mudocci (1872 ou 1883-1953) não se sabe muito, para além de ter sido uma violinista com algum sucesso. De seu nome completo, Evangeline Hope Muddock, várias nacionalidades lhe são atribuídas: inglesa, dinamarquesa, polaca, italiana ou espanhola... Há quem a diga, também, cantora, pianista e poeta. Facto indiscutível é que terá sido apresentada, em 1903, ao pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944), e nesse mesmo ano lhe serviu de modelo, para a sua obra Madonna.


Terão tido uma relação de que resultou, em 1908, o nascimento de um casal de gémeos: Isabella e Edvard. Muito embora as biografias do pintor não lhe atribuam descendentes. Mais tarde ligou-se ao pianista Bella Edwards. Mas no certificado de óbito (1953) consta como viúva de um jornalista ignorado (Louis Levy?), que poucos traços terá deixado na sua vida. Embora haja quem o nomeie como pai dos seus filhos.
Ponto assente, é que também se terá dado com Henri Matisse (1869-1954) que, em 1915, lhe terá desenhado as feições, de forma muito linear.

E eis tudo o que praticamente se sabe desta musa singular e misteriosa.

Jean-Baptiste Lully (1632-1687) : Marcha dos Mosqueteiros

terça-feira, 11 de junho de 2019

Livrinhos 25


Este livrinho, English Country Traditions ( Running Press Book Publishers, 1996 ), de fino apuro gráfico, tem delicadas gravuras de Christopher Wormell e texto explicativo de Ian Niall. Com as diminutas dimensões de 8,2 por 7 centímetros, descreve, nas suas 144 pequenas páginas, actividades e tradições campestres inglesas. Da apicultura à apanha de cogumelos silvestres, da caça ao tratamento da horta e dos jardins, passando pela pastorícia, mas também pelo fabrico da Sidra caseira.
É um manancial de informações sobre o mundo rural do Reino Unido. E, apesar do seu formato maneirinho, dá imenso prazer ao folhear e a lê-lo.


Filatelia CXXX


Foi há dias a leilão, neste mês de Junho de 2019, em Wiesbaden (Alemanha), promovido pela empresa filatélica Heinrich Köhler, uma primeira parte da valiosa colecção de selos de Erivan Haub (1932-2018). Que incluía um raríssimo selo do antigo estado alemão de Baden, dos 3 únicos exemplares conhecidos existentes. De todos, o mais valioso por se encontrar em carta circulada.


Trata-se de um erro. O selo de 9 Kreuzer, normal, era na cor rosa, enquanto esta variedade do selo, por engano, foi impressa, em 1852, numa folha verde azul que estava atribuída à franquia de 6 Kreuzer. Provavelmente o artífice-impressor virou a chapa ao contrário (9 pelo algarismo 6), ao proceder à impressão do selo não denteado.
O exemplar, em leilão, será, com certeza, o que pertenceu à mítica colecção do grande filatelista Alfred Caspari (1877-1955). Tendo sido comprado, na altura, por 85.000 francos suiços. Neste leilão de Junho de 2019, o exemplar em carta circulada tem uma base estimada inicial de venda de 1.026.000,00 euros.
Abaixo pode ver-se a imagem do selo normal de Baden, da taxa de 9 kreuzer, em rosa, que pertence à minha colecção de selos, e que tem um valor de catálogo entre 35 e 225 euros, apenas.



segunda-feira, 10 de junho de 2019

Em resumo


Foi um 10/6 caseiro e burocrático, para não dizer regionalista de horizontes, ligeiramente bélico e bucólico, e com discursos croniqueiros, serôdios, de barba por fazer de alguns dias. Balofos ou opados, em suma.

Faz agora uma semana, a 10 de Junho....


Agora que o coro de vozes excitadas serenou e o silêncio do tempo tomou conta dos dias, talvez seja  a melhor altura de dar voz ao António, que conheceu e entrevistou Agustina Bessa-Luís, e a quem pedi, desafiando-o, a dar o seu testemunho. E, afortunada e amavelmente, João Menéres, que com ela privou e que faz dos seus dias um testemunho perene de vida, com os seus belos instantâneos ( é só ver o blogue Grifo Planante... ), com generosidade me cedeu uma fotografia inédita de Agustina e me autorizou a reproduzi-la aqui no Arpose, chegou, assim, o momento de voltar a lembrá-la.
Aos dois, António e João, o meu muito e muito obrigado.
Seguem a foto de João Menéres e o texto de António de Almeida Mattos:



A última vez que vi Agustina foi no café duma Fnac, há já muitos anos. Pouco depois foi-me morrendo.
Tive a sorte de conviver um pouco com ela e com o marido (Alberto Luís), seu quase escrivão de puridade, homem discreto, atento, distinto, mas também um bom desenhador.
Agustina era uma mulher de armas e de letras, com um humor por vezes contundente, brilhante para uns, para outros não.
Era muito feminil, coquete, com uns olhinhos miúdos muito vivos e buliçosos como se de uma ave que prepara, vertical, um voo picado e certeiro.
Foi Maria da Glória Padrão quem me ensinou muito sobre a escritora.
Não li tudo de Agustina. Como quem guarda, avaro e prevenido, uma garrafa de vinho especioso para uma data que o mereça. Mas li o bastante para saber que Agustina tinha um saber, um dom de adivinhar quase de vidente.
Uma das vertentes da sua grandeza está em tratar temas que conheço de perto, algo regionais na sua intensidade, e esse micocosmos em que se debruça, pela sua humanização concentrada, se alargar ao mundo inteiro.
Dália Dias refere que Agustina tinha uma imensa atracção pelo caos, no sentido de Criação.
Uma vez, no mercado do Bom Sucesso, perguntou à vendedeira o preço de um qualquer artigo.
- Não sabe ler? Está lá escrito!
- Os meus Pais não me mandaram à escola - respondeu Agustina.
Não precisou. Dentes de Rato era uma menina sábia, que se tornou Mulher férrea na disciplina, livre e ousada na criação do mito, que nunca esqueceu ser criança. Quer na inocência, quer na perversidade.

domingo, 9 de junho de 2019

Händel / Lezhneva

No tempo das cerejas


Amália Rodrigues dizia, com graça evasiva, quando lhe perguntavam a idade, que tinha nascido no tempo das cerejas. O que, nessa altura, seria pelos idos de Julho. Ora, hoje em dia, elas chegam mais cedo. E, este ano, já provámos as da Gardunha e fomos buscar, esta manhã, uma caixa delas e de Resende, ao Telmo, que é um moço singular. A rondar os 30, é licenciado em História, e esteve, no ano passado, num dos Emirados, a praticar arqueologia. Ganha a sua vida, e creio que bem porque é competente naquilo que faz, no Mercado do Monte, à frente do  seu lugar de frutas e verduras de boa qualidade e frescura. Atencioso, sério e com um sorriso sempre pronto, natural.
À saída, ainda vi ao longe, a filha da Leonor, que ajuda a mãe, aos fins-de-semana, a amanhar e vender peixe. Pequena, jovem e franzina de corpo, é dinâmica e simpática. Como o Telmo, também é formada em História e está a acabar o Mestrado.
O Mercado do Monte tem destas singularidades humanas e, por encomenda ao Telmo, umas magníficas cerejas de Resende. Que, lá para a noitinha, hão-de encher alguns frascos de compota, sob a sábia administração e manufactura de HMJ.
Assim seja!

Em tempo e mais tarde:

sábado, 8 de junho de 2019

Citações CDV


Experiência é o nome que os homens costumam dar às suas loucuras ou aos seus infortúnios.

Alfred de Musset (1810-1857).

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Divagações 148


Tenho consciência de que, no que diz respeito à verdadeira poesia, quando um autor explica um poema, acaba por limitar o seu horizonte, no leitor. E tornar redutora, condicionando, a sua leitura. Restringindo a interpretação que o inconsciente lhe possa dar, por experiências outras e alheias, ao motivo que desencadeou, no poeta, a criação do poema.
Quando Walt Whitman (1819-1892) editou Leaves of Grass (1855) nos Estados Unidos, preocupou-se e apressou-se, sob pseudónimo, a emitir interpretações pessoais sobre a sua obra. Quando o livro, pela primeira vez, foi publicado na Inglaterra (1868) por William M. Rossetti, foi-o, por razões de censura, de forma reduzida e amputado de alguns poemas.
Ainda assim, e mais uma vez, Whitman, numa espécie de paternalismo estranho e insólito, se desdobrou em intervenções pessoais tendentes a orientar a leitura da obra.
Numa entrevista de E. M. Cioran, em 1979, o escritor, de origem romena, declarou: Evidentemente, que eu gosto de que aquilo que escrevem sobre mim seja exacto. Mas eu creio que os mal-entendidos podem ser fecundos.
Penso que Cioran tinha toda a razão.