domingo, 23 de março de 2025

Falar por falar

As mosquinhas da fruta já chegaram à cozinha, com o solstício* de Primavera, mas nunca consegui descobri donde vem. Sobrevoam agora o Liminiano, na sua palidez sepulcral do pequeno-almoço, e a quem o produtor parece ter apartado manteiga, queijo, requeijão e até almece, deixando-lhe aquela lividez permanente com apenas 50% de gordura e sem cor notória. Com o mata-moscas consegui despachar um dos impertinentes insectos, sem remorsos por roubar o cibo aos passarinhos, que, respeitosamente, nunca entram na cozinha.

* Deveria ter escrito: equinócio. Agradeço a quem me corrigiu.

sexta-feira, 21 de março de 2025

Dia Mundial da Poesia



Oportuna lembrança esta que a casa Vicente Leilões promoveu, hoje, para o Dia da Poesia, levando a leilão mais de uma centena de livros de poemas, alguns de grande raridade. Resolvi escolher quatro deles, bem como a sua estimativa de preço, para destacar, neste poste.
Acima, este primeiro livro de Raul Leal (lote 99) que tinha uma base inicial de 120 euros.



A segunda, é a única primeira emissão que eu não tenho e que foi editada em Paris, em 1892, numa tiragem de apenas 250 exemplares, por António Nobre. Mas possuo a edição facsimilada que José Augusto Seabra (1937-2004) mandou fazer pelo centenário da obra, em 1982. A edição original tem uma estimativa de 1.000 euros (lote 112), neste leilão.


Há muito na minha posse, está a edição primeira  de Clepsydra (1920), de Camilo Pessanha. Que, neste leilão (lote 123), tem uma estimativa de 500 euros. Em Outubro de 1994, um exemplar semelhante, muito bem encadernado, custou-me Esc. 20.000$00,  num alfarrabista da rua do Alecrim.



Finalmente o lote 139, de António Diniz da Cruz e Silva, O Hyssope (1802), com local de impressão em Londres mas, na realidade, impresso em Paris, na sua edição original, tem uma estimativa de venda de 50 euros iniciais.






quinta-feira, 20 de março de 2025

Idiotismos 52

 

É minha convicção que o léxico vernáculo português cada vez será mais reduzido, em benefício do inglês ou do vocabulário espúrio norte-americano. Creio que isto terá começado de forma mais acentuada, pelos anos 60 do século passado, no Algarve, sobretudo a nivel comercial, alastrando depois para outras áreas.
A proximidade temporal da Páscoa, levou-me, entretanto, a consultar um pequeno opúsculo, de Américo Cortez Pinto (1886-1979), que aborda, de forma competente palavras relacionadas com esta época religiosa: 
1. Pascácio* que, inicialmente, significava "o que nasceu na Páscoa"; ou cara de Páscoa.
2. Pasconso*, composto de Páscoa e Sonso.
3. Sonso, finalmente, talvez proveniente do espanhol "zonzo", mas também com o significado de sem sal. Do latim insulsu. Ou ainda: artificial, disfarçado e mentiroso.
Aqui ficam, assim, alguns esclarecimentos complementares sobre estes vocábulos relacionados com a Páscoa.

* estas duas palavras, na minha juventude, eram também aplicadas a pessoas limitadas ou palermas.



quarta-feira, 19 de março de 2025

Jane Kenyon (EUA, 1947-1995) : um poema traduzido

 


A  PÊRA

Há um momento na meia-idade
em que ficamos aborrecidos, irritados
com a mediania do nosso espírito,
assustados.

Nesse dia, o sol
arde intensamente,
acentuando a nossa desolação.

Acontece de forma subtil, como uma pêra
que se estraga de dentro para fora,
e é possível que só nos apercebamos
quando já não há nada a fazer.


Jane Kenyon, in Uma só carne com a noite (Vasco Gato, trad.)


Uma fotografia, de vez em quando... (194)

 

Querendo vir a ser escritor, inicialmente, o norte-americano Walker Evans (1903-1975) acabou por se dedicar ao fotojornalismo, vindo, mais tarde a integrar um departamento estadual no consulado de Franklin D. Roosevelt.



As grandes proporções que tomou a Depressão de 1929 motivaram que uma boa parte dos profissionais se ocupassem a testemunhar as repercussões do flagelo. No caso de Walker Evans, focando a sua actividade, sobretudo, no território de Alabama e das suas populações, com grande pormenor.




segunda-feira, 17 de março de 2025

Pinacoteca Pessoal 211

 

Apelidada pelos seus próximos como Reds, pelos seus cabelos ruivos, Helen Torr (1886-1967) foi uma pintora modernista norte-americana, bem como uma desenhadora com obra original, amiga de Georgia O'Keeffe (1887-1986) que, provavelmente, influenciou também a sua carreira.



A ausência de figuras humanas nos seus trabalhos caracteriza o lado abstrato como predominante e singular. Em vida, fez apenas duas exposições, pelo que a maior parte da sua obra se manteve inédita até à sua morte.



domingo, 16 de março de 2025

Pelo bicentenário camiliano

 




Não quis deixar passar a data do bicentenário do nascimento de Camilo Castelo Branco (1825-1890), sem registar a efeméride através da reprodução de duas das capas maneirinhas da edição* que mais aprecio, que é a da Travessa da Queimada, 35, Lisboa (ainda do séc. XIX).
E por aqui venho relembrar o originalíssimo e insólito início de Scenas Contemporâneas (1855), assim:
"Os meus amigos de certo não sabem o que é caçar coelhos na neve?
Não admira.
Imaginem-se em qualquer aldeia, nas vizinhanças do Marão. Olhem em redor de si, e contemplem o quadro que os viajantes na Suissa lhes descrevem todos os dias, supposto que nunca sahissem da sua terra.
A primeira impressão que recebem é a do assombro. Leguas em roda, nem na terra nem no céo, se descobre uma crista de rochedo, a frança de uma arvore, a dobra de uma nuvem, que não seja brança, alvissima, desde um horisonte a outro horisonte." (...)


* Esta edição, promovida pelo editor Pedro Corrêa (s. d. - 1889-1893?) é constituída por 37 títulos camilianos em 43 volumes.

Sobre Dumas, pai, e a negritude



Filho de um jovem general de Napoleão Bonaparte e de uma escrava negra, ao escritor Alexandre Dumas (1802-1870), pai, nunca o preocupou demasiado o tom de pele escuro.Veio referido numa ípsilon (jornal Público, de 30/11/2002) que o escritor, questionado, uma vez, sobre a sua cor, por um jovem jocoso e brincalhão, irónico, ter-lhe-á respondido: "O meu pai era mulato, o meu avô um negro e o meu bisavô era um macaco. Como vêem a minha família começa onde a vossa acaba."

sexta-feira, 14 de março de 2025

Bibliofilia 221

 

Com algumas pouco consentâneas inscrições a tinta, nomeadamente a marca de posse de Manuel Bernardes Branco (1832-1900), esta segunda edição (1786) de Affonso Africano, de Vasco Mousinho de Quebedo (1560?-1620?), não deixa de ser rara. O seu anterior proprietário, professor de línguas e de liceu no Porto, foi autor da importante obra Portugal e os Estrangeiros (1879/1895), em 5 volumes.
A edição original daquele poema heróico foi editada em 1611 e é muito rara, embora esta epopeia em doze cantos, hoje em dia, não concite, provavelmente, grande interesse senão dos estudiosos e investigadores de literatura portuguesa.



Este meu exemplar tem o miolo interior em muito boas condições e custou-me Esc. 4.500$00, nos anos 80 do século passado. Em Março de 1999, a leiloeira Silva's tinha à venda um exemplar semelhante (lote 679) com uma estimativa de venda entre 12 e 18.000$00.
A terceira edição deste poema heróico, rolandiana, veio a sair em 1844. Creio que a obra não mais foi reeditada.

quinta-feira, 13 de março de 2025

Virginia Woolf

 


Coincidindo  com a recente saída, em tiragem especial, do volume da Pléiade de Mrs. Dalloway et autres écrits, o Lire Magazine dedica no seu último  número (538), de Março de 2025, o dossiê principal à escritora inglesa Virginia Woolf (1882-1941).

quarta-feira, 12 de março de 2025

Curiosidades 110

 

Cruzei-me, inesperadamente, com a palavra muleta, não no sentido usual do termo, mas como embarcação antiga e regional do Tejo, que tinha esse nome. Datando muito provavelmente dos séculos XVI-XVII era uma embarcação muito curiosa de pesca de arrasto à vela. Destinava-se à captura, principalmente, de azevias, linguados e solhas, no Tejo e no Sado.



Sob o patrocínio da C. do Barreiro, foi construída uma muleta nos moldes tradicionais, nomeada Álvaro Velho, e que proporciona passeios fluviais, desde o ano de 2022, entre 13/7 e 28/9.

terça-feira, 11 de março de 2025

segunda-feira, 10 de março de 2025

Filatelia CXXIII

 

Tirando as primeiras impressões filatélicas, de alguma qualidade, que foram produzidas nos E. U. A., os países da América do Sul, pela sua dependência económica, só mais tarde vieram a fabricar os seus próprios selos. São normalmente séries estampadas em papel de fraca qualidade e com desenhos, normalmente, muito toscos e, no geral, de estética que deixava muito a desejar. Argentina, Brasil, Colombia, por exemplo, estão aí para corroborar o que afirmo.


Estas características contribuiram também para a proliferação de muitas falsificações, umas melhores que outras na sua execução, que andam no mercado filatélico.
Em tempos já muito recuados, comprei a preço em conta e modesto o que seria um exemplar do nº 7 (Yvert) da Argentina (1862-64), novo sem goma. Apresentava aparentemente um erro (71 pérolas) que o classificaria como nº 7a (e ou 7d), atribuindo-lhe o catálogo francês de 1994 um valor significativo de 17.500 francos franceses (cerca de Esc. 525.000$00 portugueses, na altura).
Nunca acreditei muito nestes valores. E, aproveitando a ida de uns amigos a Buenos Aires, pedi-lhes que colhessem uma opinião abalizada numa loja filatélica da especialidade. Realmente, o selo era falso. E o seu valor era meramente residual.                                         

sábado, 8 de março de 2025

Protótipo exemplar do nosso nacional-porreirismo

 

Tudo é igual a tudo, para este jovem...

Citações DVIII

 

Os gatos e as crianças assemelham-se, eles raramente largam os maus costumes adquiridos na infância.

Abbé de Saint-Cyran (1581-1643), in Lettres a sa nièce.

sexta-feira, 7 de março de 2025

Para MR, que faz hoje anos




Estes pássarinhos piadores, para celebrar o aniversário de MR, apoiados pela mestria de Maria Tipo, ao piano, na execução de Domenico Scarlatti.


E como não há duas sem três, aqui vão mais umas violetas para embelezar o dia, desejando felicidades e muitos parabéns, dos amigos HMJ e APS, nesta data festiva.



quinta-feira, 6 de março de 2025

Versão para português de um poema de Derek Mahon (Belfast, 1939-2020)

 

The Snow Party

for Louis Asekoff


Bashô, vindo
Para a cidade de Nagoya
É convidado para uma festa de neve.

Ouve-se um tilintar de loiça
Da China, com chá;
Há as apresentações.

Então, todos se chegam
E comprimem à janela
Para ver a neve cair.

A neve cai em Nagoya
E mais a sul
Nas tílias de Quioto.

A leste, para lá de Irago,
Está a cair como folhas
Sobre o mar gelado.

Algures estão a queimar
Feiticeiras e heréticos
Em praças fumegantes,

Milhares morreram
Desde a manhã ao serviço
De reis bárbaros;

Mas há silêncio
Nas casas de Nagoya
E pelas colinas de Ise.



Derek Mahon, in Snow Party (1975)



Interlúdio 104 : Evanthia Reboutsika - Um guarda-sol sobre o Bósforo

quarta-feira, 5 de março de 2025

A ler



Curiosa, no bom sentido da palavra, a Isabel (blogue Palavras Daqui e Dali) perguntou, no seu último poste, por aquilo que andávamos a ler. O meu comentário ainda não foi publicado e, por isso, vou adiantando a resposta, por aqui. A tradução desta obra (capa em imagem) de Walter Benjamin (1892-1940) é de João Barrento. Vou apenas na página 32, mas espero que o livro me traga gosto e proveito.

terça-feira, 4 de março de 2025

Uso pessoal 22

 

Se não estou em erro, este em imagem, é o meu 4º telemóvel. E sempre balancei por entre Nokia e Samsung, sem grande razão de queixa de qualquer das marcas.
Sou o segundo "donatário" do bicho e, por isso, ele acusa algumas marcas do tempo que já leva. Mas o que mais me surpreende é que, todas as noites e sem ligação à corrente eléctrica, a bateria dele perde cerca de 30% da sua energia, e é necessário recarregá-la, sempre, pela manhã.
E pergunto-me para onde irá toda essa preciosa energia que se perdeu no ar? Ou quem tomará conta dela?

segunda-feira, 3 de março de 2025

Divagações 203

 

O facto de termos conhecido pessoas da vida real, permite-nos avaliar a autenticidade próxima da reprodução pictórica, feita por desenhadores ou pintores, dessas figuras públicas.
Ao escolher, para encimar o poste anterior sobre Eugénio de Andrade (1923-2005), um desenho do murciano José Antonio Molina Sánchez (1918-2009), fi-lo pela semelhança indiscutível com o Poeta.
Imensamente retratado, Eugénio tem reproduções que são autênticos mamarrachos, ainda que, muitas vezes, sejam de autoria de artistas consagrados. Nem todos os pintores, porém, são bons retratistas...
Da galeria dos retratos, como os melhores pela semelhança, eu distinguiria mais cinco nomes, por ordem alfabética: Angelo de Sousa, Armando Alves, Augusto Gomes, Carlos Carneiro e Dordio Gomes.

domingo, 2 de março de 2025

Antologia 23



"... O primeiro poema de Nemésio que conheci foi o dos alciões*. Ouvi-o da boca de Manuela Porto, há muitos anos, juntamente com outros que esqueci. Só os alciões, que regressavam cansados da viagem, me ficaram na memória. E nunca nenhuns outros versos do autor de La Voyelle Promise me surpreenderam tanto, me abriram tanta janela para a aventura sempre nova da poesia. Muito diferente daquele sortilégio é A Águia, de Jorge de Sena, escrito em 1970 e publicado postumamente. É um poema de linguagem rigorosa, implacável, dura, a linguagem de grande prosa, mas que serve também a grande poesia:

No olhar verde e vazio de pupilas raiadas
pelo sangue a escorrer do bico para as penas sujas
pardas e grisalhas de um pó excrtementício
que as grossas patas cobre como lama sua...  "

Eugénio de Andrade (1923-2005), in Prosa (pg. 151), Ed. Modo de Ler (2011).


* para quem desconhecer o poema referido, poderá lê-lo no Arpose (20/2/2010): Favoritos IX: Vitorino Nemésio.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  

Muzio Clementi (1752-1832) / Maria Tipo (1931-2025)


A grande pianista italiana Maria Tipo faleceu recentemente a 10 de Fevereiro de 2025, em Florença. Pela qualidade do seu profissionalismo musical apelidavam-na de "Horowitz napolitana", até porque Scarlatti era um dos seus compositores favoritos, e mais tocados.

sábado, 1 de março de 2025

Adagiário CCCLXXVII



A balança quando trabalha não conhece ouro nem chumbo.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Osmose 142

 



Tenho vindo a reler, de forma continuada, os textos em prosa de Eugénio de Andrade (1923-2005) que a Modo de Ler editou em Abril de 2011, com um competente e útil prefácio de Luís Miguel Queirós (1962).  A temática ganha muito lida em conjunto e sublinha, indirectamente, a mestria e qualidade da prosa do grande poeta.
Das suas palavras saem nítidos retratos com evocações singulares e comoventes de Pascoaes e Pavia, justas, embora talvez um pouco cruéis, de Botto e Homem de Mello, entre outras figuras que ele conheceu de perto.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Citações DVII

 

Os presentes são como os conselhos: dão prazer sobretudo àqueles que os dão.

Émile Henriot (1885-1961), in Esquisses et notes de lecture (1928).

sábado, 22 de fevereiro de 2025

Antonio Cartellieri (1772-1507)

Ideias fixas 93

 
Quanto à democracia, Churchill disse o essencial, de forma serena, equilibrada, racional e europeia.
Depois, vieram os palermóides dos fãs americanos endeusar  e ajoelhar-se perante o novo mundo.
A democracia vai de quem a pratica, sobretudo nas pastagens rasteiras da América do Norte.
A dos marcanos, muitas vezes, segue a lei natural (para eles) do mítico faroeste selvagem.
Que lhes faça um bom proveito, porque, para quem é, bacalhau basta - lá diz o ditado.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Desabafo (95)

 
O atendimentoo telefónico na Banca e nalguns Serviços Públicos (e não só...) é um labirinto kafkiano de irritação, uma incompetência pegada, servido talvez por gente ociosa que mal trabalha e nada faz de útil.
Se o SNS clínico especializado é um exemplo de competência e atenção aos utentes exemplar, ao contrário, a prática do pessoal burocrático das instituições hospitalares é uma miséria profissional em progresso.
Hoje, cá em casa, estivemos grande parte da manhã a tentar ligar para o Hospital de Santa Marta. Ou as ligações estavam ocupadas, ou uma voz pindérica gravada dizia, ao fim de 1 ou 2 minutos, inalteradamente: "Tente mais tarde!"
Tomem nota destes dois números telefónicos: 213594000 e 213594265, porque devem ser a fingir... Não se consegue obter qualquer ligação para aquela instituição hospitalar, através deles.