[cfr.
https://restosdecoleccao.blogspot.com/search?q=Transportadora+Belo]
Passados 50 anos, todos sabemos
que a memória já não é o que era. Sucede, no entanto, que permanecem registos
inapagáveis, embora de precisão temporal e local algo diluídos.
Mesmo assim, resolvi registar,
para memória futura, o que ainda se acumula na memória, visual e afectiva, de
aprendizagem única e determinante.
Com efeito, assim foi o meu 25 de
Abril.
Saí, pouco depois das 7 da manhã,
da casa de residência em Cacilhas, transformada maioritariamente em república
estudantil, para ir para o meu trabalho de administrativa numa fábrica situada
no Casal do Marco. Utilizava as camionetas Belo, em imagem, para acordar no
caminho, sonolenta, das noitadas de conversas e convívios.
Julgo não estranhei, à partida, a
ausência de qualquer passageiro habitual, porque também não tinha grande
familiaridade com os utilizadores da camioneta. Achei estranho o facto de o
motorista estar muito atento ao que estava a ser transmitido na sua telefonia,
matéria que, no meu estado meio ensonado, me passou ao lado. Ficou-me a
lembrança de ter feito a viagem com poucos passageiros, contrariamente ao
habitual.
Depois de sair da camioneta, seguindo
a pé para a fábrica, o caminho também me pareceu pouco frequentado.
Junto da entrada da fábrica
comunicarem-me que não podia entrar, devia recolher a casa porque estava em
curso “não sei o quê”.
Preocupada com os meus
companheiros que deixara a dormitar na “residência estudantil”, tentei voltar o
mais depressa possível a casa. Felizmente, as camionetas Belo ainda funcionavam
regularmente.
Ao voltar a entrar em casa, já
havia quem se tinha apercebido, embora vagamente, do que se estava a passar em
Lisboa.
Como seria para passar de barco,
de Cacilhas para Lisboa ? Haveria barcos ?
A partir deste momento, da nossa
deslocação da margem Sul para o centro dos acontecimentos em Lisboa, a
cronologia já não acerta. Baralham-se as imagens, embora haja, por enquanto,
registo de memória dos locais percorridos.
Lembro-me perfeitamente, da mole humana e do ambiente no Largo do Carmo. Antes ou depois, guardei imagens de uns soldados da GNR, com arma na mão e semblante assustadiço, nas escadas de acesso para os comboios da estação do Rossio.
Ainda em pleno dia, como diz a
seguinte notícia:
“Uma primeira manifestação tinha
avançado pela rua António Maria Cardoso, provocando os primeiros disparos e os
primeiros feridos, por volta das 13h30.” – Esquerda NET
recordo-me de fixar, para o resto da minha vida, uma
Travessa dos Teatros, ao Chiado, pelo facto de alguém me ter empurrado, caindo
nestas escadas, para não ser atingida.
Actualmente, julgo saber o lugar exacto, na imagem
acima, de onde vieram os primeiros disparos.
Não me lembro de todo o que se comeu, onde e quando
nestes primeiros dias fora de casa.
Vínhamos para casa apenas para dormir e tratar das
necessidades básicas e de higiene.
Da altura, e ainda como forasteira voluntária, fica o
meu testemunho de uma experiência ímpar, de rara dádiva humana, social,
cultural, política e afectiva.
No final de contas, seria imperdoável não registar as
mudanças de vivência e as alterações no relacionamento pessoal que se operaram
após o 25 de Abril. A aparente abertura com laivos de opções progressistas nas
relações pessoais cedo deu lugar a outros encontros, passando de ideais
revolucionários a trilhos tradicionais de “casa e pucarinho”.
Sinais do tempo.
Consequentemente, se o pós-25 de Abril provocou,
primeiro, a perda do poiso na residência habitual e, de seguida, o despedimento
de um emprego seguro, surgiram as dificuldades próprias da altura. Abalos e
consequências, certamente, na convicção, julgada inabalável, de uma opção
democrática, nem sempre bem fundamentada, de quem se tentava situar na margem
esquerda do mundo democrático.
Em todo o caso, foram essas circunstâncias que
contribuíram para uma opção de vida que desejava, baseada numa formação sólida,
intelectual, com enriquecimento pessoal, político e afectivo que, passados
estes 50 anos, me merece o maior agradecimento ao país que me acolheu e,
designadamente, ao apoio dos que me são mais próximos.
Fica o eterno abraço a todos os amigos que encontrei e
que me ajudaram, assim como os familiares que me têm enriquecido a vida todos
os dias.
Não consegui ler tudo, mas quando tiver a vista mais focada voltarei para ler.
ResponderEliminarFeliz dia 25 de Abril!
De HMJ para a MR.
EliminarDesejo as melhoras, na certeza de que o "post" não desaparece. Fica para mais tarde !
Um belo testemunho. Eu tinha 3 anos e não me lembro de nada... :-D Bom Feriado!
ResponderEliminarDe HMJ para Margarida Elias.
EliminarMas nasceu em Democracia, é o que vale !
HMJ,
ResponderEliminarUm relato incrível!
E, por muitos anos que passem, há vivências que não se apagam da nossa memória!
Tinha 6 meses (aprox.) quando se deu o 25 de Abril... Felizmente, só sei o que é viver em Democracia e Liberdade!
Bom dia!
De HMJ para Cláudia Ribeiro
EliminarPois, foram momentos marcantes para o resto da vida.